Ar mais limpo nas cidades europeias: ‘mas o estrago já está feito’, diz ONG

Milão e seu ar poluído do no dia 3 de fevereiro: problemas respiratórios causados pela poluição agravaram epidemia de covid-19 nas grandes cidades (Foto: Miguel Medina/AFP)

Imagens de satélite mostram diminuição de poluição atmosférica mas altos níveis anteriores tornaram moradores mais expostos à covid-19

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 3 • Publicada em 4 de abril de 2020 - 09:35 • Atualizada em 5 de abril de 2020 - 10:32

Milão e seu ar poluído do no dia 3 de fevereiro: problemas respiratórios causados pela poluição agravaram epidemia de covid-19 nas grandes cidades (Foto: Miguel Medina/AFP)

A poluição do ar diminuiu, drasticamente nas áreas urbanas de grandes cidades europeias –  Milão, Madri, Bruxelas, Paris, Frankfurt, Lisboa – durante bloqueios e isolamento social estabelecidos para combater o coronavírus, de acordo com análises da Aliança Europeia de Saúde Pública (EPHA), sobre imagens de satélite divulgadas, nesta segunda, pela Agência Espacial Européia (ESA). Mas, em tempos de pandemia, isso sequer é uma boa notícia. “O estrago já está feito. Anos de inspiração do ar sujo da fumaça do tráfego e outras fontes enfraqueceram a saúde de todos aqueles que agora estão envolvidos em uma luta de vida ou morte contra a covid-19″, afirma o  secretário-geral interino da EPHA, Sascha Marschang, no comunicado apresentando as análises do ar, lembrando que a queda é drástica porque os níveis de poluição ainda eram muito altos.

O ar pode estar limpando na Itália, mas o dano já foi causado à saúde humana e à capacidade das pessoas de combater infecções. Os governos deveriam ter enfrentado a poluição crônica do ar há muito tempo, mas priorizaram a economia em vez da saúde

As imagens de satélite (ESA Sentinel-5) combinam leituras de emissões de dióxido de nitrogênio de 5 a 25 de março de 2019 e imagens para o mesmo período deste ano, quando as cidades europeias começaram a estabelecer medidas restritivas à circulação e à produção.  Em Madri, os níveis médios de dióxido de nitrogênio diminuíram 56% semana após semana, depois que o governo espanhol proibiu viagens não essenciais em 14 de março. Em Milão, maior e mais importante cidade da Lombardia, epicentro da pandemia na Itália, a queda chegou a 30%. Em Bérgamo, cidade italiana com maior número de mortos, a concentração média foi 47% menor do que no mesmo período de 2019. Em Lisboa, a redução foi de 51%a redução foi de 51%.

O ar mais limpo agora, entretanto, não ajuda os moradores das grandes cidades europeias. A Aliança Europeia de Saúde Pública alerta que a poluição atmosférica causa cerca de 400 mil mortes prematuras a cada ano na Europa.  “As pessoas que vivem em cidades poluídas estão mais em risco com o covid-19. A poluição do ar pode causar hipertensão, diabetes e doenças respiratórias, condições que os médicos vinculam a taxas de mortalidade mais altas pela covid 19”, lembra o comunicado da EPHA.

Céu claro sobre a estação central de Milão nesta segunda-feira (30/03): índice de poluição do ar da cidade italiana caiu mais de 30% após restrição de circulação por conta da pandemia (Foto: AFP)
Céu claro sobre a estação central de Milão nesta segunda-feira (30/03): índice de poluição do ar da cidade italiana caiu mais de 30% após restrição de circulação por conta da pandemia (Foto: AFP)

A organização frisa que as condições de saúde causadas pela poluição crônica do ar das cidades devem levar a um aumento das taxas de mortalidade  causada pela covid-19.  Especialista em qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde, a britânica Rosamund Adoo-Kissi-Debrah, citada no comunicado,  destacou a gravidada da poluição atmosférica e seu impacto na saúde: “Perdi minha filha por causa dos terríveis níveis de poluição do ar perto de nossa casa. A questão vem com muitos números e jargões, mas na verdade é uma simples questão de vida ou morte. Infelizmente, somos novamente lembrados disso durante o surto de covid-19″.

Estudo feito após a primeira epidemia de SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome – síndrome respiratória aguda grave, na sigla em inglês) – no começo deste século constatou que pacientes em regiões com níveis moderados de poluição do ar tinham 84% mais chances de morrer do que aqueles em regiões com baixa poluição do ar. “A qualidade do ar urbano melhorou no último meio século, mas a fumaça e, principalmente, os vapores de veículos a diesel continuam sendo sérios problemas. Até os mais recentes motores a diesel emitem níveis perigosos de poluição. Pacientes com doenças pulmonares e cardíacas crônicas causadas ou agravadas pela exposição prolongada à poluição do ar são menos capazes de combater infecções pulmonares e mais propensos a morrer. É o caso da covid-19”, afirma Sara De Matteis, professora de Medicina do Trabalho e Ambiental da Universidade de Cagliari, e integrante da European Respiratory Society, associada da EPHA.

O comunicado da Aliança Europeia de Saúde Pública lembra ainda que desde o início do século que houve um aumento acentuado de veículos a diesel em circulação na Europa – muitos sem cumprir os padrões europeus de controle da poluição do ar, acrescentando que h á 71 processos de infração contra países da União Europeia por falhas na qualidade do ar.  “Mesmo depois do escândalo Dieselgate (envolvendo técnicas fraudulentas na contagem das emissões poluentes da Volkswagen) milhões de veículos fora dos padrões ainda estão escurecendo o ar da Europa. Cidades e veículos precisam se limpar”, afirma o secretário-geral da EPHA, uma associação europeia sem fins lucrativos sediada na Bélgica e com representações em 21 países, reunindo organizações não governamentais europeias de saúde pública.

Sascha Marschang destaca ainda, no comunicado, que a pandemia do coronavírus exige mudanças nas políticas públicas.  “O ar pode estar limpando na Itália, mas o dano já foi causado à saúde humana e à capacidade das pessoas de combater infecções. Os governos deveriam ter enfrentado a poluição crônica do ar há muito tempo, mas priorizaram a economia em vez da saúde, enfraquecendo o controle à indústria automotiva. Uma vez terminada a crise, os formuladores de políticas devem acelerar as medidas para retirar veículos sujos de nossas estradas. A ciência nos diz que epidemias como a covid-19 ocorrerão com frequência crescente. Portanto, limpar as ruas é um investimento básico para um futuro mais saudável”, afirma o dirigente da  Aliança Europeia de Saúde Pública.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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