Aquecimento global deixa furacões sem ‘freios’

Pai e filho resgatam móveis de casa no norte da Guatemala na passagem do furacão Eta: países mais pobres têm mais dificuldade de enfrentar efeitos das mudanças no clima (Foto: Johann Ordoñez/AFP – 22/11/2020)

Pesquisa alerta que temperaturas mais altas da superfície do oceano estão provocando, além de maior número de ciclones, também efeitos mais devastadores

Por Observatório do Clima | ODS 13ODS 14 • Publicada em 12 de novembro de 2020 - 14:19 • Atualizada em 15 de novembro de 2020 - 12:10

Pai e filho resgatam móveis de casa no norte da Guatemala na passagem do furacão Eta: países mais pobres têm mais dificuldade de enfrentar efeitos das mudanças no clima (Foto: Johann Ordoñez/AFP – 22/11/2020)

Jaqueline Sordi*

Um alerta que vem sendo feito há anos por especialistas, de que o aquecimento global está aumentando a frequência e a intensidade de furacões, foi reforçado nesta quarta-feira (11) por um novo estudo publicado na revista revista Nature. A partir de uma análise sobre a ação dos ciclones tropicais nas últimas seis décadas, uma dupla de especialistas da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, identificou que os furacões estão perdendo o “freio” que faz com que sua força caia rapidamente no momento em que eles atingem a terra. Esse fenômeno está diretamente relacionado ao aumento das temperaturas da superfície oceânica. Como consequência, o potencial devastador dos furacões está cada vez maior.

“Nossa pesquisa sugere que, conforme o clima vai esquentando, o declínio da intensidade dos furacões vai ficando cada vez mais lento (ao chegar na superfície do continente) e, consequentemente, regiões mais para o interior enfrentarão a ira de tempestades cada vez mais fortes”, explica Pinaki Chakraborty, um dos autores do estudo. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram dados históricos da intensidade de tempestades que atingiram a América do Norte entre 1967 e 2018. Eles avaliaram o grau de diminuição da intensidade dos eventos climáticos nas 24h após atingirem a terra e encontraram uma mudança significativa conforme o registro dos termômetros. Ao avaliar o aumento da temperatura média da superfície das águas do Golfo do México e oeste do Caribe, identificaram que a tendência de aquecimento estava alinhada com o grau de destruição das tempestades tropicais.

“Deixe-me ilustrar com um exemplo: considere dois furações típicos. Um deles, de categoria 4, alcança a terra, 50 anos atrás, com intensidade de 70m/s. Em um dia, ele viaja 430 km para o interior e sua intensidade diminui para 17 m/s. Outro furacão com a mesma intensidade atinge a costa em 2018. Em 24h, ele viaja os mesmos 430km para o interior, mas agora sua intensidade diminui para 34m/s, o que é considerado um furacão de categoria 1”, exemplifica Chakraborty.

Nos últimos 140 anos de monitoramento de ciclones no Atlântico Norte, esta é a temporada com maior número de tempestades com nome (tempestades tropicais que evoluem para um furacão). Com o Eta, este ano supera 2005, que havia sido recorde até então

A explicação para essa tendência é que a principal fonte de energia para um ciclone tropical é a evaporação da água oceânica que está no centro do evento climático, e esta é rapidamente eliminada quando a tempestade chega ao continente. No entanto, existe uma umidade residual, que fornece uma fonte secundária de energia e é capaz de manter a intensidade da tempestade por mais tempo. Esta tende a aumentar conforme a temperatura das águas aumenta.

Soldados e bombeiros tentam resgatar sobreviventes após deslizamento de terra na passagem do furacão Eta pela Guatemala: pelo menos, 150 mortos e desaparecidos no município de San Cristóbal Vazques (Foto: Esteban Biba/AFP)
Soldados e bombeiros tentam resgatar sobreviventes após deslizamento de terra na passagem do furacão Eta pela Guatemala: pelo menos, 150 mortos e desaparecidos no município de San Cristóbal Vazques (Foto: Esteban Biba/AFP)

Climatologista do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Francisco Aquino aponta que, além da maior intensidade dos eventos climáticos, o aquecimento das águas influi também na quantidade de tempestades tropicais que se formam e atingem a terra, o que ficou evidente no início deste mês, com a formação do furacão Eta, a 29º tempestade climática da temporada. Além de deixar um rastro de devastação e mais de 200 mortos e desaparecidos por diversos países da América Central, o furação agora avança para os Estados Unidos e consagra o ano de 2020 com mais um recorde:

“Nos últimos 140 anos de monitoramento de ciclones no Atlântico Norte, esta é a temporada com maior número de tempestades com nome (tempestades tropicais que evoluem para um furacão). Com o Eta, este ano supera 2005, que havia sido recorde até então”, afirma Aquino.

Resgate dos moradores em Honduras após passagem do Eta, que deixou 300 mil desabrigados na América Central: com este furacão, Atlântico Norte alcançou a marca recorde de 29 furacões no ano (Foto: Orlando Sierra/AFP)
Resgate dos moradores em Honduras após passagem do Eta, que deixou 300 mil desabrigados na América Central: com este furacão, Atlântico Norte alcançou a marca recorde de 29 furacões no ano (Foto: Orlando Sierra/AFP)

Ainda de acordo com o pesquisador, a tendência para os próximos anos não é nada animadora. “Mesmo se a partir da semana que vem todos os países passassem a cumprir rigorosamente as metas do Acordo de Paris, não iríamos observar nenhuma diferença na tendência dos furacões pelos próximos 30 anos, já que demora muito tempo para que a energia armazenada nos oceanos possa ser dissipada”, explica. Para Chakraborty, o estudo serve como um alerta principalmente para as zonas interioranas dos locais vulneráveis, já que, pelo menos nas próximas décadas, eles estarão cada vez mais suscetíveis às fortes tempestades.

*Observatório do Clima

Observatório do Clima

O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

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