Agronegócio e agricultura familiar são vulneráveis à mudança climática

A caminho de Glasgow: climatologista José Marengo alerta que extremos climáticos podem afetar ricos e pobres, e a água será problema para o Brasil

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 23 de agosto de 2021 - 08:42 • Atualizada em 28 de setembro de 2021 - 19:29

São Paulo submersa após chuvas de verão: desastres relacionados ao clima provocam enchentes e incêndios no Brasil (Foto: Fabio Vieira / FotoRua / NurPhoto / AFP – 10/02/2020)

São Paulo submersa após chuvas de verão: desastres relacionados ao clima provocam enchentes e incêndios no Brasil (Foto: Fabio Vieira / FotoRua / NurPhoto / AFP – 10/02/2020)

A caminho de Glasgow: climatologista José Marengo alerta que extremos climáticos podem afetar ricos e pobres, e a água será problema para o Brasil

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 23 de agosto de 2021 - 08:42 • Atualizada em 28 de setembro de 2021 - 19:29

Daqui a pouco mais de dois meses, começa a Conferência do Clima, a COP26, em Glasgow, na Escócia. Será a primeira vez na história das COPs que os tomadores de decisão do mundo todo terão que lidar com uma certeza inequívoca: a responsabilidade da ação humana para a crise climática e o aquecimento global. Com a série “A caminho de Glasgow”, o #Colabora dará início a contagem regressiva para o encontro da ONU, que vai ocorrer entre os dias 1º e 12 de novembro. O formato da conferência será híbrido, presencial e virtual simultaneamente, devido a pandemia, que obrigou o cancelamento do encontro em 2020.

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Se, nos anos 1990, ainda se tinha alguma suspeita de que o homem podia afetar o clima, o relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) confirmou a hipótese. Agora não há mais dúvidas: as mudanças climáticas são reais, causadas pelo homem e estão se intensificando em ritmo acelerado. Em países como o Brasil, que tem uma economia extremamente dependente do ciclo das commodities, todos sofrerão os impactos da mudança climática: da soja no Cerrado à região do Matopiba (formada por áreas dos estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia), passando pelos agricultores familiares do semiárido brasileiro.

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“Existe uma percepção de que algo está mudando e que esta mudança não vai ser boa para ninguém. No caso brasileiro, nem para o agronegócio, nem para a agricultura familiar”, diagnostica o climatologista peruano José Marengo, radicado no Brasil há mais de duas décadas. No IPCC desde 1990, ele atuou como revisor-editor do último relatório, produzido pelo grupo 1, que versou sobre ciência do clima. Ele também é pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, desde 2015.

Fazenda de soja nos arredores de Correntina: : agronegócio impactado pela mudança climática. Foto de Mirian Fichtner
Fazenda de soja nos arredores de Correntina, na região oeste da Bahia: agronegócio impactado pela mudança climática (Foto: Mirian Fichtner)

Como setores do agronegócio serão afetados e qual será o impacto na produção e na segurança alimentar são temas, no entanto, para o próximo relatório do IPCC – o lançamento está previsto para ocorrer em começo de 2022, quando os cientistas vão se debruçar sobre os impactos setoriais e regionais da crise climática em todas as regiões do mundo.

Climaticamente falando, no entanto, já existem evidências de que o pequeno agricultor do Nordeste brasileiro vai sofrer, especialmente devido as altas temperaturas e secas. “Se não tiver chuva, os animais não comem e não vai adiantar o governo dar subsídio agrícola para garantir a safra”, avalia Marengo, comentando que, dependendo do agravamento da situação, o agricultor terá que migrar para a cidade.

O agronegócio, por sua vez, é mais resiliente, ainda que não tenha virado “devoto da mudança climática”. A sazonalidade das chuvas, analisa Marengo, pode afetar produtos, por exemplo, como a soja, especialmente no Cerrado, na região do Centro-Oeste brasileiro. O diagnóstico é preocupante: “Há riscos climáticos para o setor”.

Solo rachado pela seca às margens do Rio Jacareí, em São Paulo. (Foto: Nelson Almeida / AFP)

O polo industrial de produção de frutas de Petrolina (PE), por exemplo, tem seu próprio sistema de irrigação, além da disponibilidade da água do Rio São Francisco. “Só que essa água depende da chuva que cai no Sudeste e no Centro-Oeste. Ou seja, se não chover na cabeceira do Rio São Francisco, não adianta imaginar ser possível tirar água do lençol freático, para irrigar a plantação”. E mais: “Água vai ser o grande problema no Brasil, seja pelo excesso ou pela falta dela”.

O relatório do IPCC projetou cinco cenários de emissão e apenas um deles oferece uma chance de manter o Acordo de Paris vivo: aquele que estabiliza o aquecimento global em 1,5 graus Celsius. Não bastasse a evidência comprovada no relatório da influência da atividade humana na mudança do clima, a ocorrência de eventos extremos no primeiro semestre deste ano jogará no colo dos negociadores da COP26 uma responsabilidade gigante sobre o futuro. Os cientistas do IPCC acionaram o sinal vermelho.

“Temos muita esperança que as negociações em Glasgow finalmente entrem nos trilhos e os países comecem a aceitar o fato de que o clima já está mudando”, analisa Marengo, enfatizando que “as previsões de efeitos extremos para as próximas décadas, já começaram a ocorrer este ano”.

Crianças mergulham numa piscina em um dos dias de onda de calor no Canadá, quando os termômetros chegaram a marcar 49 graus Celsius. (Foto: Jim Watson / AFP – 28/06/2021)

É comum ter ondas de calor na Califórnia, mas não no Canadá, como ocorreu em julho último – os termômetros em Vancouver, na Costa Oeste do país, chegaram a marcar 49 graus Celsius. “O ano de 2021 está sendo um bom exemplo de que os extremos climáticos em todo o mundo podem afetar países ricos e pobres”.

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Se o governo brasileiro insistir na posição que vem adotando de negacionista do clima, as pressões sobre o país deverão ser enormes na COP26. “Os negociadores têm que começar a deixar claro que a redução das emissões é um processo global”. O raciocínio é simples: se os Estados Unidos, a China ou o Brasil não fizerem nada, não adianta um país pequeno reduzir suas emissões.

“Ou nos transformamos ou corremos o risco de extinção. Isso já ocorreu na história, com culturas como a Maia, por exemplo, que desapareceu. Não tem porque acreditar que seria diferente no nosso caso”, destaca Marengo. A ciência produziu um relatório que foi um divisor de água na análise sobre a mudança climática, resta agora os governos aproveitarem a COP26 para tomarem as decisões ambientalmente corretas. Em tese, os governos dos países já aceitaram as evidências, falta anunciar os compromissos para conter o aquecimento global em Glasgow.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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