“O governo Bolsonaro cupinizou a gestão ambiental pública federal no Brasil”. A frase resumo é da ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira comparando o poder de destruição do cupim – uma praga silenciosa que corrói por dentro madeiras e livros – ao desmonte promovido na área ambiental no país desde que o presidente tomou posse, em 2019. É como vítima desse processo de “cupinização” que o Brasil chega à Conferência do Clima, a COP26, em Glasgow, na Escócia, desacreditado e reconhecido pelo seu desprezo ao risco climático que amedronta o mundo. O encontro da ONU começa em 1º de novembro e termina dia 12.
“A emergência climática não é um tema para o governo Bolsonaro, mas emergência financeira sim”, sinalizou a copresidente do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU, que vai a COP26 a convite da secretária da Convenção do Clima, Patrícia Espinoza – em 2019, ela foi a Madri a convite da ministra da Espanha, país que sediou a COP25. Para a série “A caminho de Glasgow”, Izabella comentou que o governo implodiu as pontes de diálogo com a sociedade civil e foi taxativa: “Na área ambiental, todos os espaço de participação da sociedade foram destruídos. Não existe conversa e estamos sendo surpreendidos diariamente com informações aqui e acolá”.
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[/g1_quote]Como o governo quer mostrar na COP26 que o país não é um vilão ambiental – historicamente considerado um ator fundamental nas negociações climática globais, o Brasil saiu da COP25 ostentando o prêmio Fóssil do Ano, entregue pela ONG Climate Action Network (CAN, na sigla em inglês) –, há indicações de que o governo brasileiro pode vir a atuar “não mais como um bloqueador das negociações como fez em 2019, mas como um facilitador das negociações”. Ainda assim, Izabella admite: “Não vejo compromissos. Só vejo interesses. O Brasil vai à COP tentar resolver sua emergência financeira por intermédio da questão climática”. E pergunta: “Quais são os instrumentos financeiros que o governo Bolsonaro adotou para preservar áreas? Quais são as Unidades de Conservação criadas no seu governo? Qual é a estratégia para demarcação de terras indígenas?”
No último dia 12 de outubro, o ministro Paulo Guedes anunciou, em entrevista à CNN, que o Brasil vai criar um pacto de US$ 2,5 bilhões em infraestrutura verde a ser anunciado em Glasgow. Não é a primeira vez que o governo sinaliza com verba para o meio ambiente. Na Cúpula do Clima, promovida pelo presidente Joe Biden em abril último, Bolsonaro anunciou mais verba para fiscalização ambiental e, no dia seguinte, oficializou um corte para a área ambiental. A duas semanas da COP26, o governo deu mais uma demonstração que reafirma seu desprezo pela área ambiental: o leilão de blocos de petróleo em áreas perto de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas foi um fracasso retumbante – o setor privado preferiu ficar longe de eventuais riscos ambientais.
Para recuperar o mínimo de credibilidade, defende Izabella, o governo deveria aumentar sua ambição climática. No final de 2020, o governo entregou sua NDC, sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada que envolve compromissos voluntários criados pelos países signatários do Acordo de Paris. A meta piorou, indo de encontro ao que vem ocorrendo mundo afora. “A meta anunciada pelo governo causou um grande desconforto internacional”. Mesmo se comprometendo com as metas anunciadas em 2015, ao mudar a base de cálculo da NDC relativa ao ano de 2005 – o que é um procedimento normal, desde que as metas também sejam atualizada – o governo retrocedeu, o que significa que, segundo estudo do Observatório do Clima, o país pode chegar em 2030 emitindo 400 milhões de toneladas a mais do que havia sido previsto anteriormente. A expectativa é que o governo apresente uma nova NDC para não “ficar tão desalinhado dos outros países”.
Se o governo vai conseguir recuperar a credibilidade perdida ainda é uma incógnita. Também não será fácil retomar o protagonismo de uma agenda econômica de baixo carbono, especialmente porque o país chegará na COP26 com uma política ambiental brasileira contraditória, o que deve reforçar a desconfiança internacional sobre as reais intenções do governo ao assumir um papel facilitador nas negociações em Glasgow.
O desmatamento, que já representou 15% das emissões brasileiras; hoje, está em torno de 50%. “A Amazônia vem sendo desmatada por crime ambiental, pelo comércio ilegal de madeira, pelo garimpo”. O Brasil foi um dos países com maior retrocesso no Índice de Desenvolvimento Sustentável junto com a Venezuela e Tuvalu. Ainda assim, Izabella chama atenção para o fato de que o país é mais do que o governo e “não podemos olhar apenas para o poder executivo”.
O Congresso, lembra, está prestes a votar um pacote ambiental, que deverá incluir mercado de carbono. “Isso é uma sinalização importante”. Está previsto ainda no pacote ambiental um projeto de lei que aponta para o fim do desmatamento até 2025 e redefine regras na política nacional de mudanças climáticas que poderá impedir retrocessos como os que ocorreram com a NDC brasileiro.
Com a recente decisão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o meio ambiente deixou de ser um assunto de soberania nacional. Ficou decidido que o meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável passou a ser um direito humano fundamental. A tese defendida pelo Brasil, e derrotada, era que o assunto deveria ser de interesse estritamente local ou nacional. Bolsonaro perdeu e o tema agora é de interesse global.