ODS 1
Lowsumerism: a decadência do compro, logo existo?
Comportamentos como trocar, consertar e dividir são alternativas ao excesso
Talvez a blogueira de moda mais influente do mundo, Chiara Ferragni, de 28 anos, tem 4,8 milhões de seguidores no Instagram. Midas dos novos tempos, tudo o que ela toca (ou melhor, usa e posta) vira ouro. Seu blog, “The blonde salad”, tornou-se um negócio de US$ 8 milhões, segundo a “Forbes”. Daqui a pouco, quando começar a temporada da Black Friday – que, há tempos, não se restringe mais a um dia de liquidações nem aos Estados Unidos -, muitas mulheres jovens vão correr às lojas para tentar ‘ser’ um pouco Chiara. E, como se sabe, a devoção à italiana não é exceção. Nunca se comprou, copiou e ambicionou tanto o estilo de vida das celebridades – que nem precisam mais ser estrelas do rock, de cinema ou do esporte. É neste cenário que surge uma contratendência, gente que prefere trocar, consertar, compartilhar ou, simplesmente, pensar duas vezes antes de passar o cartão de crédito. É o lowsumerism, como sintetizou a Box 1824, uma agência que analisa o comportamento das novas gerações, em um vídeo de 10 minutos.
Mais do que uma reflexão sobre o consumo desde a Revolução Industrial até aqui, o vídeo pretende ser um chamado à consciência na hora de comprar. Em vez de pensar “eu PRECISO dessa bolsa”, “meu iPhone 5 é tão ultrapassado…” ou “não posso voltar de férias sem lembrancinhas para fulano, beltrano e sicrano”, a Box 1824 propõe outra lista de questões: “eu preciso disso?”; “posso pagar por isso?”; “estou comprando para afirmar minha personalidade?”; “sei de onde veio isso e para onde vai?”; “estou sendo iludido pela propaganda?”, “esta compra prejudica o planeta?”, “quantas compras como essa o planeta suporta?”.
Para Eduardo Biz, analista de tendências da Box e responsável pelo Ponto Eletrônico no site da agência, quando o consumidor começa a se fazer essas perguntas vão surgir, naturalmente, alternativas como trocar, consertar ou o faça você mesmo.
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Veja o que já enviamos– A gente vê esses movimentos crescendo, é algo em andamento. Há uma série de microtendências que ganham força nos últimos anos e que, juntas, compõem o entendimento de que o consumo está passando nos limites. O movimento das bicicletas, por exemplo, está ligado ao desinteresse do jovem em adquirir um automóvel. E há cada vez mais pessoas trocando, doando, comprando coisas usadas, dividindo. São novos tipos de economia, a sustentável, a colaborativa, a coletiva, que estão tentando substituir o modelo engessado do capitalismo – diz ele, ressaltando que essas alternativas não estão relacionadas ao socialismo: – São algo novo, surgiram depois dessa rixa entre os dois modelos econômicos.
Afirmar o que vai resultar disso tudo seria um exercício de futurologia, mas Biz acredita que não é possível voltar atrás, que é inimaginável um futuro em que a cultura do excesso poderá imperar sem críticas novamente:
– Se hoje essa consciência surge nas pessoas, no indivíduo, e não nas indústrias, o mercado vai abraçá-la, vai assumir esse papel de requalificar o desejo e vai associá-lo menos ao excesso. E esse consumidor mais consciente está disposto a abraçar esses modelos que o mercado deverá oferecer.
O comportamento lowsumer não está, de acordo com Biz, restrito ao ato de comprar menos. O conceito de sucesso também se transforma:
– Há até pouco tempo, um negócio bem-sucedido era só o que dá dinheiro, uma pessoa bem-sucedida era somente a rica. Há outro tipo de compensação sendo valorizado, como a realização de um propósito e a satisfação criativa. Há um cansaço geral da população em relação a seus empregos, e é compreensível porque o mercado de trabalho tradicional está voltado para o excesso, crescimento de produção, aumento de vendas… As pessoas estão exaustas – avalia o analista de tendências, contando que o método de pesquisa da Box é pouco ortodoxo, baseado em muita observação.
Um olhar mais brasileiro sobre essas teorias faz pensar se isso vale para um país em que, só recentemente, uma parcela maior da população ganhou mais poder de compra e teve a sensação concreta de ascender socialmente.
– Todas as classes e todas as idades consomem. O lowsumerism impacta a todos. No Brasil, temos um cenário bem curioso. A classe C se empoderou nos últimos anos e passou a consumir mais. É uma nova realidade para essa classe – a possibilidade de compra é uma conquista de vida, a sensação de estar num estágio melhor do que antes. O lowsumerism não desmerece esse sentimento, não criminaliza quem consome. Propõe, sim, um questionamento individual. O conceito de excesso é muito subjetivo, o que vale para mim, não vale para você.
[g1_quote author_name=”Eduardo Biz” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Ideologias podem ser sazonais, podem ter data de validade, mas são um processo de evolução em que se aprende com os erros do passado. Essa redução do consumo está enraizada, dificilmente, futuros comportamentos vão aplaudir o excesso
[/g1_quote]Fica claro, portanto, que o lowsumerism não é um boicote ao consumo. A ideia é viver com o que é necessário, remodelar as escolhas, boicotar os excessos de cada um e, dessa forma, reduzir o impacto ambiental e social. Nesse ecossistema, surgem habitantes com o biker, o zero waste (aquele praticamente não produz lixo), o upcycler (que transforma o que será descartado em novos materiais, mas não reciclando, o que gasta energia), o maker (que prefere fazer a comprar)… E, diante da lista, é impossível não pensar se a contratendência pode se tornar um modismo e se seus representantes não seriam absorvidos pelo mainstream como já aconteceu com hippies, punks e até com o consumo verde, considerados os precurssores dessas ideias que ganham corpo mais recentemente.
– Claro que o lowsumerism poderia entrar nessa engrenagem, seria a fetichização dele como lifestyle. Ser um lowsumer poderia se tornar objeto do desejo e ser uma febre passageira? Só os próximos anos poderão responder a essa pergunta, mas, por mais que haja essa ameaça de uma posição mais fake, uma ideia está sendo comunicada e vai expandir seu alcance. É uma mensagem mais macro do que micro. Ideologias podem ser sazonais, podem ter data de validade, mas são um processo de evolução em que se aprende com os erros do passado. Essa redução do consumo está enraizada, dificilmente, futuros comportamentos vão aplaudir o excesso – ressalta Biz.
Formada em Jornalismo pela UFF, nasceu em São Paulo, mas cresceu na cidade do Rio de Janeiro. Foi repórter do jornal “O Dia”, ocupou várias funções no “Jornal do Brasil” e foi secretária de redação da revista de divulgação científica “Ciência Hoje”, da SBPC. Passou os últimos anos no jornal “O Globo”, onde se dedicou ao tema da Educação. Editou a Revista “Megazine”, voltada para o público jovem, e a “Revista da TV”. Hoje é Editora do Projeto #Colabora e responsável pela Agência #Colabora Marcas.
Poxa, dificilmente encontro um texto que traduza tão fielmente um conjunto de ideias com as quais simpatizo há anos…
trabalho formidável.