ODS 1
Diversificar receita e equipe: desafios para mídias digitais
Mesa no Festival 3i discute caminhos para novos veículos jornalísticos conseguirem se tornar sustentáveis e independentes
A revolução digital possibilitou a multiplicação dos meios de comunicação e surgimento de muitos sites jornalísticos. Os desafios enfrentados por essas novas mídias nativas digitais foram o tema da mesa ‘Das mídias de massa à massa de mídias: as transformações na indústria jornalística e os avanços e desafios para a mídia independente’, no segundo dia do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, que vai até o dia 25 de março, com 40 mesas e painéis sobre temas ligados à comunicação. “O desafio para essa mídia digital é construir uma organização sustentável”, destacou Janine Warner, cofundadora e CEO da SembraMedia, iniciativa para apoiar veículos digitais de língua espanhola.
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A jornalista norte-americana compartilhou a mesa com Alison Bethel, vice-presidente de Excelência Corporativa na Report for America, uma iniciativa sem fins lucrativos do The Ground Truth Project que coloca jovens jornalistas em redações dos Estados Unidos para ajudar a cobrir as histórias não contadas de comunidades, e o professor e jornalista Rosental Calmon Alves, fundador e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas em Austin. “Houve uma mudança do ecossistema midiático, antes totalmente dominado pela grande mídia de massa, para um sistema com uma proliferação de veículos jornalísticos totalmente digitais”, afirmou Rosental, pioneiro do jornalismo online: em 1995, ele dirigiu o lançamento do primeiro jornal brasileiro na internet, o Jornal do Brasil Online.
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Janine Warner contou sua experiência na SembraMedia, que formou uma base de dados, reunindo informações sobre mais de mil veículos digitais jornalísticos em 24 países. São essas iniciativas que sua organização busca apoiar através principalmente da capacitação de seus líderes e fundadores. “Nunca foi fácil criar uma organização de mídia. Os pioneiros do passado precisaram gastar muito dinheiro em impressoras e equipamentos para rádio e TV”, lembrou a fundadora da SembraMedia, autora de 25 livros sobre a internet, acrescentando que, hoje, as novas tecnologias até facilitam o surgimento de novas mídias. “Nosso objetivo é impulsionar o êxito dos empreendedores dos meios digitais no caminho de desenvolver uma organização sustentável”, explicou.
A SembraMedia trabalha apenas com mídias nativas digitais, que publiquem material original e que sejam transparentes, não partidários e não sejam administrados por uma grande corporação. “O maior desafio para manter uma organização de mídia sustentável e independente é diversificar a receita. É preciso criar formas variadas de financiamento para garantir o fortalecimento do veículo jornalístico”, apontou Janine. Ela listou as fontes de receito que vêm viabilizando essas mídias: financiamento ou doações de fundações, empresas, ONGs, governos e entidades com a ONU e suas agências; publicidade de diferentes fontes, desde anúncios do Google a conteúdo de marcas, passando pela organização de eventos com patrocínio; serviços de consultoria; produção de conteúdo para outros; programa de membros, assinaturas de newsletter e do próprio site e outros iniciativas de apoio da sua audiência.
Para Janine Warner, essa diversificação da receita não apenas torna o site jornalístico sustentável a longo prazo como também assegura sua independência. “Quando você tem apenas uma fonte de financiamento, fica muito mais difícil abordar alguns assuntos”, explicou. Apesar de desenvolverem parcerias apenas com veículos em língua espanhola, pesquisas sobre as mídias digitais feitas pela SembraMedia incluem veículos brasileiros. “Essas pesquisas mostram que os desafios são os mesmos para os sites jornalísticos do Brasil”, acrescentou.
Outro desafio semelhante a todas essas mídias nativas digitais vem da sua fundação, geralmente uma iniciativa de um ou mais jornalistas. “Da mesma forma que um restaurante só com grande chefes não vai funcionar, uma organização jornalística só com jornalistas dificilmente conseguirá se sustentar. É preciso reunir outras habilidades, outros capacidades, para o sucesso de um veículo digital”, destacou Janine, citando que um restaurante precisa de garçons, atendentes e pessoas na área de marketing e administração.
A cofundadora da SembraMedia frisou ainda que muitas mídias digitais enfrentam dificuldades pela falta de uma equipe comercial: organizações com 12 pessoas, por exemplo, reúnem geralmente 10 jornalistas, um especialista em tecnologia e uma pessoa na administração, geralmente também um jornalista que acumula outras funções. “É fundamental para a sustentabilidade que o veículo tenha uma pessoa de vendas, com foco comercial, especializada em atrair receita”, afirmou Janine Warner.
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Diversificar também é a preocupação do Report for America, que busca apoiar redações – na grande maioria, veículos locais e nativos digitais – para ampliar sua cobertura. “Nosso objetivo é proporcionar o recurso humano, o repórter, necessário para que essas redações abordem assuntos que estão sendo negligenciados”, explicou Alison Bethel que foi repórter, secretária de redação e editora sênior em veículos dos EUA, como The Boston Globe e The Detroit News, e no Nassau Guardian, nas Bahamas.
O Report for America funciona em duas pontas. De um lado, veículos jornalísticos de todo o país procuram a instituição, mostrando pautas e assuntos que gostariam de cobrir ou dar mais atenção, mas não o fazem por falta de recursos humanos. Do outro, repórteres inscrevem-se se oferecendo para trabalhar em veículos parceiros do Report for America, que junta as duas pontas. “Nós selecionamos repórteres talentosos, jovens com até 10 anos de experiência, enviamos para os veículos e pagamos metade do seu salário. A redação fica encarregada de buscar como financiar a outra metade”, explicou Alison.
A vice-presidente de Excelência Corporativa na Report for America afirma que a iniciativa vem tendo sucesso. “Existe uma tendência de fortalecimento das redações locais. As comunidades querem ser ouvidas e terem sua voz amplificada. E, quando elas reconhecem que a mídia local está cumprindo esse papel, as próprias comunidades ajudam a financiar a redação”, contou a jornalista, acrescentando que os veículos locais também tem buscado diversificar suas redações, com interesse no envio pelo Report for America, de mulheres e afroamericanos.
Durante o debate no Festival 3i, Alison Bethel contou uma novidade: The Ground Truth Project está lançando o Report for The World, que, inicialmente, vai trabalhar com redações e repórteres na Índia, na Nigéria e no Brasil. Não foi a única boa notícia para os jornalistas brasileiros. Janine Warner e Rosental Calmon Alves anunciaram o lançamento do curso online gratuito ‘Jornalismo Empreendedor: como monetizar e promover meios digitais sustentáveis’, que será ministrado pelas fundadoras da SembraMidia, a argentina Mijal Iastrebner e a própria Janine e convidados e tem apoio do Knight Center e da Ajor (Associação de Jornalismo Digital). “Creio que será um grande oportunidade para jornalistas envolvidos com veículos digitais, afirmou Rosental.
O jornalista brasileiro lembrou que a Ajor nasceu a partir da edição anterior do Festival 3i, realizada presencialmente no Rio de Janeiro em 2019. “Tenho muito orgulho de ter ajudado na construção da Ajor que está mostrando a vitalidade das mídias nativas digitais brasileiras”, acrescentou Rosental, lembrando que a associação já tem mais de 80 veículos filiados. A Ajor é a organizadora desta terceira edição do Festival 3i, este ano com uma programação 100% virtual, gratuita e multiplataforma. Até odia 25, serão 34 mesas, painéis e diálogos transmitidos pelo canal do festival no Youtube e pelo Facebook.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade