Cannabis entra na indústria da moda

Plantação de cânhamo, espécie de cannabis, que vem sendo cada vez mais usada na indústria da moda e é ambientalmente mais sustentável do que o algodão (Foto: Julien Mattia/NurPhoto/AFP)

Planta da mesma espécie da maconha mas com ínfima substância psicoativa, cânhamo começa a virar alternativa ao algodão nos Estados Unidos

Por José Eduardo Mendonça | ODS 12 • Publicada em 26 de setembro de 2019 - 11:37 • Atualizada em 29 de setembro de 2019 - 14:44

Plantação de cânhamo, espécie de cannabis, que vem sendo cada vez mais usada na indústria da moda e é ambientalmente mais sustentável do que o algodão (Foto: Julien Mattia/NurPhoto/AFP)
Plantação de cânhamo, espécie de cannabis, que vem sendo cada vez mais usada na indústria da moda e é ambientalmente mais sustentável do que o algodão (Foto: Julien Mattia/NurPhoto/AFP)
Plantação de cânhamo, espécie de cannabis, que vem sendo cada vez mais usada na indústria da moda e é ambientalmente mais sustentável do que o algodão (Foto: Julien Mattia/NurPhoto/AFP)

Cerca de 25% da terra agricultável dos EUA é ocupada por plantações de algodão. Do total da colheita, 75% é usado para a fabricação de roupas. Isso representa um sério risco ambiental. O algodão é plantado como monocultura, e o plantio repetido degrada o solo, fazendo com que a terra se torne estéril com o tempo. E, como o algodão hoje é geneticamente modificado, produz uma enzima que permanece no solo, diminuindo a biodiversidade.

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Agora a indústria da moda parece ter encontrado uma saída: o uso de cânhamo, cujo cultivo é, enfim, permitido em vários estados americanos. Aprovação da Farm Bill nos Estados Unidos, em 2008, é um sinal claro do fim da conotação da planta como droga, e ainda uma evidência de seu poder comercial não apenas no fabrico de têxteis mas ainda de plásticos, papel e dezenas de outras utilidades. A lei retirou o cânhamo da lista de substâncias controladas, onde se encontrava desde 1970. Entendeu-se o óbvio: cânhamo, apesar de ser uma planta da mesma espécie – a Cannabis – não é a mesma coisa que maconha.

A planta foi proibida no Brasil em 1938, no governo de Getúlio Vargas. Foi cultivada pela Coroa Portuguesa entre 1740 e 1824, e no período de 1880 a 1938 houve muitas tentativas da iniciativa privada. O cânhamo contém não mais que 0.3% de THC (tetrahidrocanabinol), a substância psicoativa da maconha. Esta tem tipicamente de 5% a 20% de THC. Ou seja, cânhamo não dá barato, embora as duas plantas pertençam à mesma espécie e gênero.

Este novo setor da economia poderá valer US$ 13 bilhões de dólares até 2026, avalia a consultoria Reports and Data. Uma forte sinalização desta magnitude vem da tradicional Levi Strauss, que neste ano, em parceria com a Outernown lançou uma jaqueta com uma mistura de 69% de algodão e 31% de cânhamo. Segundo Paul Dillinger, vice-presidente da empresa, este é um processo de pesquisa que vai durar anos, e não servirá apenas para produtos de nicho. Com isso, tecidos 100% de cânhamo que têm a mesma sensação do algodão estarão disponíveis em massa.

Dillinger diz que a necessidade de uma alternativa ao algodão se torna aparente quando se trata de seu consumo de água relativamente ao do cânhamo. A Levi Strauss descobriu tecnologia de ponta em pesquisas na Europa, onde o cultivo é legal em muitos países. “Vamos achar um modo de fazer uma roupa que não utilize 3.780 litros de água, 2.544 deles apenas no processo do cultivo. Usaremos um terço disto, É uma economia e tanto”, afirma. No entanto, esta revolução não irá ocorrer da noite para o dia. “Mas há uma vantagem clara: com muita frequência, os consumidores acham que comprar um produto sustentável envolve um sacrifício, e a escolha é entre algo feito eticamente ou algo que é apenas bonito. Neste caso, não é necessário sacrifício”.

Novas tecnologias trazem ganhos na utilização. Mas os primeiros jeans fabricados pela Levis Strauss  nos anos 1880 para os mineradores de ouro na Califórnia eram feitos totalmente de cânhamo. O impacto não será apenas na moda. Fabricantes de automóveis como Mercedes Bens e Porsche estão usando fibra de cânhamo em modelos de luxo – Henry Ford já havia construído um carro todo com o material em 1941, o que dá ideia de seu potencial.

A empresa australiana Zeoform usa cânhamo em uma série de produtos, como pranchas de surf, mobília de plástico e substitutos do plástico rapidamente biodegradáveis para produtos descartáveis. Na Europa, a Kanesis, baseada na Sicília, faz um termoplástico usado em impressoras 3D.

O cânhamo proporciona duas colheitas por ano, e pode ser usado para a limpeza de efluentes de usinas de tratamento de esgoto. Pode ser plantado em terra contaminada por metais pesados, sem perda de segurança. E usa muito menos pesticidas que o algodão.

A planta representa um ideal quando de pensa em um material para diversos fins. Os galhos servem como fibra e biomassa – da qual podem resultar biocombistíveis. As sementes fornecem alimento de boa qualidade para humanos e animais. As folhas não utilizadas são deixadas no solo após a colheita, melhorando sua taxa de carbono. Não é necessário a semeadura profunda, o que protege sua estrutura e umidade.

As sementes são ainda um produto promissor como um substituto vegano como fonte de Omega 3, 6 e 9.  E estão aparecendo em uma ampla gama de cosméticos e produtos de uso pessoal. A soja , por exemplo, contém muitos menos do aminoácido.

E, com todas as suas credenciais ambientais, o cânhamo se torna cada dia mais importante para a salvação do planeta.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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