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Uma viagem no tempo pela Rua do Teatro

Pequena via do Centro do Rio, exemplo de degradação, terá imóveis leiloados para recuperação de área histórica

ODS 11 • Publicada em 18 de novembro de 2025 - 09:01

É comum este #RioéRua viajar no tempo, como bem sabem aqueles que acompanham suas caminhadas, e assim foi no anúncio no dia do leilão de 16 imóveis na Rua do Teatro e adjacências, dentro da estratégia da Prefeitura do Rio de recuperar o patrimônio histórico do Centro do Rio. A fieira de casarões abandonados – quase todos estão degradados – na pequena via de menos de 100 metros obriga o carioca a fechar os olhos para imaginar o lugar dois séculos atrás quando não ainda não se chamava Rua do Teatro, mas já começava a ser chamado assim por conta da construção do Teatro Real de São João, inaugurado em 1813, na praça vizinha.

Leu essa? Reviver a esperança nos casarões históricos do Centro do RIo

A ruazinha chamava-se então Rua da Sé Nova porque fora aberta exatamente ao lado da Praça da Sé Nova, onde, como indica o nome, estava prevista a construção, iniciada em 1749, da nova catedral da cidade do Rio de Janeiro, já então cotado para ser tornar a capital da colônia. O Rio virou capital em 1763, mas a catedral nunca ficou pronta e as obras foram abandonadas: parte do material foi usado para erguer o teatro. Em outro canto da praça, foi erguida uma igreja, a de São Francisco de Paula, bancada pela própria ordem religiosa, que ficou pronta em 1801. Mas foi o teatro, inaugurado em 1813 por Dom João VI, que marcou essa região do Centro há dois séculos.

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Casarão centenário na Rua Teatro, que abrigou Dancing Eldorado, famoso no século 19: leilão de imóveis para recuperar área degrada do Centro do Rio (Foto: Oscar Valporto)
Casarão centenário na Rua Teatro, que abrigou Dancing Eldorado, famoso no século 19: leilão de imóveis para recuperar área degrada do Centro do Rio (Foto: Oscar Valporto)

A família real portuguesa, exilada no Brasil, frequentava o teatro que passou a ser chamado de Imperial Theatro São Pedro de Alcântara, em 1826: após a independência, os imperadores e a nova corte brasileira seguiram prestigiando o lugar que ganhou concorrência duas décadas depois, quando foi inaugurado na então Rua São Francisco de Paula, outro teatro, ocupado inicialmente por uma companhia francesa: o Teatro de São Francisco de Paula era chamado também de Teatro Francês e foi rebatizado posteriormente de Ginásio Dramático (nome inspirado no Gymnase Dramatique, de Paris).

Nas décadas de 1840 e 1850, o então jovem (nascido em 1825), imperador Pedro II, que adorava teatro, vivia entre o São Pedro e o Ginásio Dramático, uma presença assídua, muitas vezes acompanhado pela imperatriz Teresa Cristina e depois até pelas filhas Isabel e Leopoldina. Em 1861, Pedro II e a imperatriz prestigiaram a inauguração formal, após luxuosa reforma, da Igreja de São Francisco de Paula – naquele momento, a rua do teatro já se chamava formalmente Rua do Teatro e o Largo da Sé Nova fora rebatizado como Largo de São Francisco de Paula.

Imóveis em ruínas na Rua do Teatro: exemplo de degradação no Centro do Rio (Foto: Oscar Valporto)
Imóveis em ruínas na Rua do Teatro: exemplo de degradação no Centro do Rio (Foto: Oscar Valporto)

Da igreja de São Francisco ao fim da Rua do Teatro, que desagua na hoje Praça Tiradentes (antes Campo do Rossio, Campo da Lampadosa, Campo do Polé e Praça da Constituição), quase todos os imóveis foram desapropriados e serão leiloados: 10 com endereço própria rua e três junto ao Largo de São Francisco, vizinhos ao templo. Naquela pequena via que chegou a abrigar três teatros, alguns imóveis são apenas ruínas; outros estão em péssimo estado de conservação.

As pequenas salas de espetáculo da Rua do Teatro não chegaram ao século 20, mas a noite continuou agitada impulsionada pelas novas atrações da Praça Tiradentes: em 1872, foi inaugurado o Theatro Cassino Franco-Brésilien (atual Carlos Gomes), onde predominavam os espetáculos de café concerto. Antes da chegada da República, foram abertos o Variedades (futuro Recreio), o Príncipe Imperial (Moulin Rouge e São José) e o Novidades (Lucinda). E a vida noturna foi complementada por restaurantes, cafés e bares.

A Igreja de São Francisco no começo da rua onde funcionaram várias teatros no século 19: imperador Pedro II adorava peças e frequentava a área (Foto: Oscar Valporto)
A Igreja de São Francisco no começo da rua onde funcionaram várias teatros no século 19: imperador Pedro II adorava peças e frequentava a área (Foto: Oscar Valporto)

No sábado ensolarado do Século 21, só sobraram para lembrar os tempos áureos da Tiradentes os teatros João Caetano (no lugar do antigo São João ou São Pedro, pelos três vezes erguido das cinzas após incêndios e batizado, desde 1923 com o nome do ator, encenador e depois proprietário) e Carlos Gomes. Na Rua do Teatro, no número 37, placa informa que ali funcionou entre 1930 e 1960, o Dancing Eldorado, que rivalizava com a Gafieira Estudantina, na vizinha Tiradentes, entre os amantes da dança de salão.

As décadas finais do século 20 acompanharam a decadência da vida noturna de toda a região da Tiradentes. O casarão do Dancing Carioca – onde, na década passada, chegou a funcionar o Centro Cultural Carioca – está abandonado, mas parece preservado para uma boa reforma, com suas sacadas voltadas para o Real Gabinete Português e para a praça. Há pelo menos dois outros casarões também com um século de história – nos números 25 e 29 – que podem e devem ser restaurados.

O Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, em umas das pontas da Rua do Teatro: lugar histórico da vida noturna do Rio (Foto: Oscar Valporto)
O Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, em umas das pontas da Rua do Teatro: lugar histórico da vida noturna do Rio (Foto: Oscar Valporto)

O leilão desses primeiros 16 imóveis faz parte do programa Reviver Centro Patrimônio Pró-APAC, iniciativa com objetivo de recuperar prédios históricos degradados e estimular a ocupação residencial e comercial do Centro do Rio que os cariocas têm que torcer – cobrar, vigiar – para dar certo. Há áreas degradas semelhantes em outros pontos do Centro como a Praça da Cruz Vermelha e a Lapa.

Passear com a imaginação pelo passado tem o seu valor, mas, neste mesmo sábado ensolarado, a caminhada pelo Centro me levou da deserta Rua do Teatro para a Rua do Ouvidor e adjacências onde duas dúzias de atividades artísticas ocupavam imóveis recuperados pelo Reviver Cultural, outra iniciativa oficial com a mesma inspiração: passear pelo presente, sentindo a pulsação da vida da cidade é melhor.

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