#RioéRua – O pandemônio das máscaras

Ambulante mascarado vende máscaras a cliente mascarada, em frente à fila de mascarados em agência bancária na Zona Sul do Rio: isolamento social em queda (Foto: Oscar Valporto)

Troca de #FiqueEmCasa por #MáscaraSalva provoca queda do isolamento social e novo figurino ganha apoio até do Capitão Corona

Por Oscar Valporto | ODS 11ODS 3 • Publicada em 4 de maio de 2020 - 08:42 • Atualizada em 11 de maio de 2020 - 09:59

Ambulante mascarado vende máscaras a cliente mascarada, em frente à fila de mascarados em agência bancária na Zona Sul do Rio: isolamento social em queda (Foto: Oscar Valporto)

Acabo de completar 45 dias confinado a um círculo de 200 metros em torno do meu apartamento, limite onde estão farmácias, laboratório de exames, supermercados, petshops, bancas de jornal, padarias e o mar. Nos últimos dias de março, a vizinhança parecia viver uma eterna manhã de feriado: ruas praticamente desertas, só aqueles poucos estabelecimentos permitidos abertos, trânsito nenhum, com exceção daqueles infelizes entregadores circulando de motos e bicicletas. A chegada da pandemia assustava: #FiqueEmCasa era a clara mensagem, versão brasileira de #StayHome, #StareaCasa, #YoMeQuedoEnCasa. Isolamento e distanciamento social eram a estratégia para prevenir a multiplicação a doença e o colapso dos sistemas de saúde.

Essa estratégia, no Brasil, tinha um poderoso opositor: o Capitão Corona, o inquilino do Palácio do Planalto, o militante anti-ciência, o populista do emprego em primeiro lugar, o defensor do vírus, da gripezinha e da cloroquina.  Aqui, no meu círculo, a militância do capitão não entusiasmou: ruas permaneciam vazias. A maioria da vizinhança ajudou a botar o deputado de oito mandatos medíocres na presidência mas não por ignorância ou por ter sido enganado pelo discurso populista. Votaram nele por demofobia, por elitismo, por preconceitos variados, pela insuportável (para eles) perda de privilégios ou mesmo pelo compartilhamento de benefícios da sociedade que julgam ser exclusividade dos hipócritas da tal meritocracia. Mas, na hora da pandemia, preferiram seguir as autoridades de saúde ao Capitão Corona.

O isolamento e o distanciamento já iam melhor aqui do que em áreas menos privilegiadas, quando, no começo de abril, a Organização Mundial de Saúde (OMS) mudou a recomendação sobre o uso de máscaras caseiras como forma extra de prevenção. A OMS, inicialmente, havia desencorajado o uso de máscaras, exceto por pessoas com sintomas ou profissionais; o objetivo era evitar uma corrida às máscaras cirúrgicas pelos privilegiados com dinheiro para comprá-las e o consequente desabastecimento para quem realmente precisava. Essa mensagem se multiplicou rapidamente: se sair de casa, use máscara. No Brasil, autoridades locais chegaram a proibir a saída sem máscara. No Rio, o prefeito Crivella baixou decreto proibindo ir à rua sem máscara e disse que distribuiria 1 milhão de máscaras (pauta pronta para o jornalismo investigativo).

Propaganda do uso da máscara no asfalto de rua de Copacabana: mudança na comunicação (Foto: Thiago Ribeiro/AGIF/AFP)
Propaganda do uso da máscara no asfalto de rua de Copacabana: mudança na comunicação (Foto: Thiago Ribeiro/AGIF/AFP)

O efeito da mudança na comunicação foi rápido aqui no meu círculo: mascarados se multiplicaram pelas ruas. As filas nos bancos aumentaram; os cachorros, que tinham saídas limitadas, voltaram a passar tempo na pracinha; pais de máscara passaram a levar filhos mascarados para passear; atletas do calçadão retornaram à rotina usando máscaras de variadas maneiras. Ambulantes reapareceram com seu novo produto: máscaras simples ou coloridas, com estampas alegres, com escudos de times de futebol. Pela TV, era possível acompanhar o que acontecia fora do círculo: queda no isolamento social, queda no distanciamento social, máscaras por toda parte. Até nas manifestações em defesa do vírus, incentivadas pelo Capitão Corona, o pessoal foi às ruas de máscara.

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A coisa piorou 10 dias atrás quando a hashtag #MáscaraSalva suplantou o #FiqueEmCasa nos veículos de comunicação e nas redes sociais. O movimento nos supermercados e nas farmácias cresceu e fui obrigado a descobrir os horários com menos mascarados. Não, eu não uso serviço de entrega: gosto de dizer que é por solidariedade aos entregadores, profissão mais exposta ao vírus depois dos profissionais da saúde, mas creio que é temor de ser contaminado por quem circula o tempo todo. Deixei de dar a caminhada na areia no fim de semana: a praia segue vazia, mas tornou-se impossível atravessar o calçadão e ficar a mais de um metro de um mascarado. Comunicação é decisiva: isolamento social segue caindo em quase toda a parte.

Bolsonaro. com a máscara no queixo, posa com admiradores em passeio em Goiás: Capitão Corona em campanha contra o isolamento social (Foto: Reprodução)
Bolsonaro. com a máscara no queixo, posa com admiradores em passeio em Goiás: Capitão Corona em campanha contra o isolamento social (Foto: Reprodução)

O ápice do pandemônio das máscaras aconteceu neste primeiro fim de semana de maio, comandado pelo infalível Capitão Corona. Sempre empenhado em sua campanha contra o isolamento social e pela reabertura do comércio e de outras atividades, ele foi passear com larga comitiva em uma estrada de  Goiás, com paradas em posto de gasolina e lanchonete. O roteiro habitual – aglomeração, fotos e selfies com os fãs, discurso contra o isolamento – ganhou figurino especial. O inquilino do Planalto, assessores e seguidores usavam máscaras – naturalmente, não com cuidado nem da forma certa. O Capitão Corona já percebeu que a máscara está sendo sua aliada contra o distanciamento social. “Tomem cuidado, usem máscara”, recomendou o ideólogo da gripezinha.

A máscara não salva: ela reduz a chance de contágio. Por isso, caso você tenha que sair de casa, rompendo o isolamento, e chegar mais perto de alguém, sem manter o distanciamento social, use uma máscara. Mas melhor para prevenir são o isolamento e o distanciamento.

#RioéRua – mas #FiqueEmCasa

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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