ODS 1
Rio, essa enorme área de risco
Do Leblon ao Cavalão, o cada vez mais escasso direito de ir e vir
O conceito de risco é bastante amplo e faz parte da rotina de todas as pessoas. Quem atravessa a Avenida Brasil e não usa as passarelas corre o risco de ser atropelado, quem mergulha na Baía de Guanabara ou na Lagoa Rodrigo de Freitas está sujeito a todo tipo de doença de pele. Os trabalhadores brasileiros, neste momento, correm o sério risco de seguir labutando até o túmulo, caso a reforma da previdência seja aprovada. Não existe risco zero, ensinam os livros de administração. Basta estar vivo para correr algum.
Como estamos falando de Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, o risco em questão é mesmo o risco de vida, ou de morte, como preferem certos autores. O risco de assalto, de violência, de ser atingido por uma bala perdida, de estupro, furto, tunga… O tema ou o risco não é novo. Somos conhecidos mundialmente por ele. Mas nos últimos tempos ele vem se tornando ainda mais relevante. Não é à toa que páginas como “Copacabana em alerta” e “Onde tem tiroteio?” vêm ganhando cada vez mais espaço nas redes sociais.
Entre 2008 e 2017, a Enel (antiga Ampla), empresa que distribui energia em Niterói, São Gonçalo e adjacências, registrou um crescimento de 600% no volume de clientes vivendo em áreas de risco. Eram 75 mil, em 2008, e hoje o número supera os 450 mil. Importante frisar que para a Enel, bem como para a Light e outros prestadores de serviços, uma área de risco é aquela onde não é possível entrar, instalar, consertar, reparar, cobrar e outros verbos terminados em ar. São espaços terceirizados para quadrilhas de vendedores de drogas.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosMas tão assustador quanto os números é o fato de que essas pessoas não moravam num lugar seguro e resolveram estranhamente se transferir, em massa, para um local mais perigoso. O risco é que se mudou para lá. Um vizinho espaçoso, barulhento, que já chegou dando ordem, e com quem não dá para reclamar.
A explicação é que traficantes fugindo das falecidas UPPs cariocas se instalaram em comunidades como o Cavalão, o Buraco do Boi, o Complexo da Alma, o Sossego e o Morro do Estado. O raciocínio lógico seria: se eles fugiram da capital, atravessaram a poça e se abrigaram em outros municípios, logo, a situação no Rio ficou mais tranquila. Certo? Errado. Segundo a Light, os clientes que vivem em áreas de risco na cidade chegam a 850 mil. Cifra que vem se mantendo estável nos últimos anos.
Ou seja, não foi uma fuga, mas um projeto de expansão, uma espécie de franchinsing. Hoje, só considerando os clientes da Enel e da Light, temos 1,3 milhão de famílias vivendo à margem do Estado. Mas o número é bem maior. Agora, por exemplo, os representantes dos 46 mil moradores do Leblon decidiram que o bairro mais chique da cidade também está correndo risco e resolveram tomar uma providência: vão investir R$ 10 milhões por ano para contratar uma milícia armada que tome conta do seu patrimônio.
Obviamente, em suas reuniões, os moradores não usam a expressão “milícia armada”. Isso é coisa da Zona Oeste. Segurança privada ou Leblon Presente soa muito melhor. Mas, na prática, é tudo a mesma coisa. São policiais e ex-policiais armados que vão fazer, nas horas vagas, privadamente, o trabalho que deveria ser público e para todos. Esse, talvez, seja o maior risco. Achar que o problema pode ser resolvido dessa maneira. Depois das grades nas janelas, dos carros blindados e dos condomínios na Barra, agora teremos os bairros privados. Parece que não aprendemos nada. Se nas áreas de risco de Niterói e São Gonçalo continua sendo difícil entrar, da Zona Sul da capital será cada vez mais difícil sair. O Leblon e o Cavalão nunca estiveram tão próximos, o medo une as duas regiões. No entanto, se a solução não for para todos, não haverá solução.
Relacionadas
Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.