Rio, essa enorme área de risco

Do Leblon ao Cavalão, o cada vez mais escasso direito de ir e vir

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 11 • Publicada em 17 de maio de 2017 - 19:49 • Atualizada em 16 de fevereiro de 2022 - 10:16

Moradora do Compelxo do Alemão carrega o filho durante a marcha pela paz no Rio de Janeiro. Foto de Christophe Simon/AFP

O conceito de risco é bastante amplo e faz parte da rotina de todas as pessoas. Quem atravessa a Avenida Brasil e não usa as passarelas corre o risco de ser atropelado, quem mergulha na Baía de Guanabara ou na Lagoa Rodrigo de Freitas está sujeito a todo tipo de doença de pele. Os trabalhadores brasileiros, neste momento, correm o sério risco de seguir labutando até o túmulo, caso a reforma da previdência seja aprovada. Não existe risco zero, ensinam os livros de administração. Basta estar vivo para correr algum.

Como estamos falando de Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, o risco em questão é mesmo o risco de vida, ou de morte, como preferem certos autores. O risco de assalto, de violência, de ser atingido por uma bala perdida, de estupro, furto, tunga… O tema ou o risco não é novo. Somos conhecidos mundialmente por ele. Mas nos últimos tempos ele vem se tornando ainda mais relevante. Não é à toa que páginas como “Copacabana em alerta” e “Onde tem tiroteio?” vêm ganhando cada vez mais espaço nas redes sociais.

Entre 2008 e 2017, a Enel (antiga Ampla), empresa que distribui energia em Niterói, São Gonçalo e adjacências, registrou um crescimento de 600% no volume de clientes vivendo em áreas de risco. Eram 75 mil, em 2008, e hoje o número supera os 450 mil. Importante frisar que para a Enel, bem como para a Light e outros prestadores de serviços, uma área de risco é aquela onde não é possível entrar, instalar, consertar, reparar, cobrar e outros verbos terminados em ar. São espaços terceirizados para quadrilhas de vendedores de drogas.

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Mas tão assustador quanto os números é o fato de que essas pessoas não moravam num lugar seguro e resolveram estranhamente se transferir, em massa, para um local mais perigoso. O risco é que se mudou para lá. Um vizinho espaçoso, barulhento, que já chegou dando ordem, e com quem não dá para reclamar.

A explicação é que traficantes fugindo das falecidas UPPs cariocas se instalaram em comunidades como o Cavalão, o Buraco do Boi, o Complexo da Alma, o Sossego e o Morro do Estado. O raciocínio lógico seria: se eles fugiram da capital, atravessaram a poça e se abrigaram em outros municípios, logo, a situação no Rio ficou mais tranquila. Certo? Errado. Segundo a Light, os clientes que vivem em áreas de risco na cidade chegam a 850 mil. Cifra que vem se mantendo estável nos últimos anos.

Moradores do Leblon planejam investir R$ 10 milhões por ano para garantir a segurança do bairro. Foto de Clarice Castro/GERJ

Ou seja, não foi uma fuga, mas um projeto de expansão, uma espécie de franchinsing. Hoje, só considerando os clientes da Enel e da Light, temos 1,3 milhão de famílias vivendo à margem do Estado. Mas o número é bem maior. Agora, por exemplo, os representantes dos 46 mil moradores do Leblon decidiram que o bairro mais chique da cidade também está correndo risco e resolveram tomar uma providência: vão investir R$ 10 milhões por ano para contratar uma milícia armada que tome conta do seu patrimônio.

Obviamente, em suas reuniões, os moradores não usam a expressão “milícia armada”. Isso é coisa da Zona Oeste. Segurança privada ou Leblon Presente soa muito melhor. Mas, na prática, é tudo a mesma coisa. São policiais e ex-policiais armados que vão fazer, nas horas vagas, privadamente, o trabalho que deveria ser público e para todos. Esse, talvez, seja o maior risco. Achar que o problema pode ser resolvido dessa maneira. Depois das grades nas janelas, dos carros blindados e dos condomínios na Barra, agora teremos os bairros privados. Parece que não aprendemos nada. Se nas áreas de risco de Niterói e São Gonçalo continua sendo difícil entrar, da Zona Sul da capital será cada vez mais difícil sair. O Leblon e o Cavalão nunca estiveram tão próximos, o medo une as duas regiões. No entanto, se a solução não for para todos, não haverá solução.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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