O som do silêncio: um bom efeito colateral da pandemia

Rua praticamente deserta em Austin, Texas, com lockdown contra a pandemia: redução da poluição sonora em todo o mundo (Foto: Montinique Monroe/AFP)

Barulho produzido pelo homem causa má qualidade do sono, pressão alta e riscos de acidentes vasculares, diabetes, problemas cardíacos e até câncer

Por José Eduardo Mendonça | ODS 11ODS 3 • Publicada em 20 de julho de 2020 - 08:30 • Atualizada em 23 de julho de 2020 - 10:30

Rua praticamente deserta em Austin, Texas, com lockdown contra a pandemia: redução da poluição sonora em todo o mundo (Foto: Montinique Monroe/AFP)

Quem vive, principalmente, em grandes cidades pelo mundo deve estar experimentando uma sensação inédita por conta do coronavírus: o silêncio. O trânsito quase desapareceu e ouvimos os pássaros que sempre estiveram presentes e cujo canto não mais ouvíamos. Os sinos da igreja próxima ficaram audíveis. Tudo que era antes barulho virou um ruído de fundo. Mesmo o ruído causado por multidões em uma rua não mais se encontra ao alcance de nosso audição. Pelo menos, por enquanto.

A natureza, da qual há muito nos apartamos, também produz ainda que em proporção muito menor sua algaravia sonora. Mas isso não nos incomoda. Já os ruídos produzidos pelo homem são mais do que apenas irritantes. Podem responder por males como a má qualidade do sono, pressão alta e um crescentes riscos de acidentes vasculares, diabetes, problemas cardíacos e mesmo câncer, como mostram décadas de pesquisas. “Sabe-se que barulho é um estressor fisiológico e psicológico”, afirma Marie Pedersen, epidemiologista da Universidade de Copenhague, que estuda efeitos ambientais na gravidez e crianças.

Na verdade, isto pode bem acontecer sem a interferência de outros fatores de risco. Os resultados dos estudos fornecem evidências de mecanismos biológicos da interação pouco entendida entre doenças cardiovasculares e a exposição crônica ao barulho. 

A vida selvagem também é afetada. Estudos mostram que o som da natureza é um componente vital para ela. Animais ouvem para se prevenir contra predadores, para perceber alarme territoriais e para localizar membros do grupo e parceiros sexuais. Há um movimentos nos Estados Unidos para proteger áreas quietas; e isso também vem sendo feito pela União Européia nos países do bloco desde 2002, quando foi aprovado uma diretiva para determinar níveis de ruídos em todos eles e tornar estes dados acessíveis e trabalhar para redução da perturbação ambiental.

O silêncio é parte de nosso cotidiano. É o que ajuda a separar as coisas essenciais da vida das não essenciais. Quando o lockdown for suspeito, vamos sentir falta do silêncio extra que tivemos

Fundador da Quiet Parks International, o ecologista Gordon Hempton, que circulou pelo globo três vezes registrando sons naturais, diz que “quanto mais ouvimos o silêncio mais relaxamos”.  De acordo com Hempton, não há nenhum lugar no planeta que seja totalmente desprovido de sons artificiais – o tráfego aéreo com helicópteros hoje é onipresente em, praticamente, toda parte. Mas certos lugares ainda oferecem a chance de sintonizar os verdadeiros sons do silêncio com o mínimo de intrusões. “E o silêncio, ao que parece, não é silencioso – é o som da natureza sem a cacofonia do ser humano” afirma Gordon Hempton.

A pandemia reduziu o barulho provocado pelos seres humanos. A própria Terra está ainda mais silenciosa: o Observatório Real da Bélgica registrou uma redução no ruído sísmico – o zumbido ambiental das vibrações que viajam através da crosta do planeta – como resultado da atividade humana reduzida. “O silêncio é parte de nosso cotidiano. É o que ajuda a separar as coisas essenciais da vida das não essenciais. O silêncio é um recurso que não se pode encontrar em todos os lugares do mundo”, diz Paavo Virkkunen, diretor do Visita Finland, principal órgão de turismo do país da Escandinávia. “Quando os decretos de lockdown forem suspensos, vamos sentir falta da dose extra de silêncio que tivemos”, acrescenta o finlandês.

Um sério problema é que o acesso à quietude tem a ver com a renda. Invariavelmente são os mais pobres que vivem em áreas industriais e rotas de transporte. Os mais ricos que podem acessar a tecnologia para levarem uma vida mais calma tendem a ser as pessoas com voz para reclamar de um barulho indesejável. Áreas mais silenciosas tendem a ser as mais rapidamente gentrificadas.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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