ODS 1
Império Serrano encara o desafio de fazer o Carnaval mais sustentável
Escola de samba de Madureira é a primeira a ter diretor de sustentabilidade e promoveu compensação de carbono no ensaio técnico na Passarela da Marquês de Sapucaí
Com 77 anos de história, o Império Serrano, tradicional escola de samba de Madureira (Zona Norte do Rio), já nasceu pioneiro: seus fundadores deixaram o Prazer da Serrinha para poder desfilar com enredo, com o desfile de Carnaval abordando uma história. No desfile de 1948, a mais nova escola da cidade estreou com uma homenagem ao poeta Castro Alves – e foi campeã. O pioneirismo prosseguiu como marca: o Império Serrano foi a primeira escola de samba a a ter uma mulher em sua ala de compositores (Dona Ivone Lara), a primeira a apresentar uma ala coreografada, a primeira a criar uma escola mirim, a primeira a usar agogô na bateria. Em 2024, o Reizinho de Madureira volta a ser pioneiro: é a primeira escola de samba a ter um diretor de sustentabilidade.
Tornar a folia na Passarela do Samba mais sustentável não é uma missão fácil: os desfiles, com seus carros alegóricos e fantasias, e seus preparativos usam muito plástico e muito isopor, consomem muita energia, geram muitos resíduos. “O desafio é grande porque a produção e a execução do desfile de uma escola de samba, pelas suas dimensões, causam danos ao meio ambiente. Mas a gente espera desenvolver um projeto que tenha real impacto ambiental e também social, porque sustentabilidade não se resume só a parte ambiental”, afirma Diego Carbonell, de 33 anos, que assumiu a menos de dois meses a nova Diretoria de Sustentabilidade do Império Serrano, atualmente na Série Ouro, a divisão de acesso ao Grupo Especial do Carnaval do Rio.
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Nestas primeiras semanas no cargo pioneiro, o foco de Carbonell – formado em administração e com experiência em sustentabilidade ao trabalhar na área em uma empresa de tecnologia para serviços financeiros – foi fazer um diagnóstico dos problemas e preparar um projeto para o Carnaval 2025 já que, ao assumir, faltavam só dois meses para o desfile de 2024; o Império Serrano entra na Passarela neste sábado, 10 de fevereiro, com o enredo ‘Ilú-ọba Ọ̀yọ́: a gira dos ancestrais’. “Mas nós achamos que era preciso dar um sinal agora, já em 2024, de que essa aposta na sustentabilidade é para valer, de que o Império Serrano está levando esse desafio a sério”, destaca o diretor da escola.
Assim, em mais uma ação pioneira, o Império Serrano fez, em seu ensaio técnico na Marquês de Sapucaí, o primeiro desfile com compensação de carbono, iniciativa em parceria com Atmmos, empresa que desenvolveu uma plataforma de compensação ambiental para identificar, mensurar e compensar impactos. Foram calculadas as emissões de carbono com o deslocamento de dois mil componentes do Império de Madureira, na Zona Norte, até a Passarela, no Centro do Rio, os gastos com energia elétrica e os carros iluminação LED usados no ensaio. “Foram 31 toneladas de carbono equivalente, compensadas com o pagamento de créditos de carbono que vão beneficiar um projeto na Amazônia”, explica Carbonell.
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Veja o que já enviamosNo desfile para valer, sábado pela Série Ouro, o Império vai repetir a compensação das emissões de carbono, agora com nova parceria, com a empresa GPX Ecofi, que procurou a escola de samba após ver as primeiras iniciativas na área de sustentabilidade. “Nós estamos vivendo um momento complicado com a crise climática, com eventos climáticos extremos, ondas de calor, chuvas intensas – então, a sustentabilidade é um tema que está em alta pelo menos para uma parte da sociedade. E o Carnaval é um meio popular de inserir esse tema na vida das pessoas, nas suas preocupações diárias”, argumenta o diretor da Império, acrescentando que a escola ainda prepara surpresas durante o desfile para marcar seu compromisso.
Diego Carbonell frisa, contudo, que o impacto maior será para o Carnaval de 2025. Para isso, já foi desenhado – e ainda vai ser aprofundado – o projeto Reizinho da Sustentabilidade, contemplando ações na comunidade da Serrinha, berço e base do Império Serrano, no barracão da escola, na quadra em Madureira e no próprio desfile. “Apesar do debate que já existe, sustentabilidade é um tema ainda novo e gera um pouco de desconfiança. Mas nós estamos recebendo de gente da comunidade, de componentes da escola. Acho que o Carnaval tem esse potencial de impulsionar o tema, de envolver as pessoas”, afirma.
Das quatro dimensões do projeto, a que está mais avançada é exatamente a das ações na comunidade da Serrinha – o Império já tem parceria praticamente acertada com uma empresa para a iniciativa. Será criado um Ecoponto na Serrinha onde os moradores poderão levar seus resíduos – de plástico, de metal ou de outros materiais recicláveis – e receber pagamento por isso num cartão que pode ser usado em estabelecimentos comerciais. “Parte desse material seria reciclado para ser usado, inclusive, no desfile do Império Serrano, envolvendo mais a comunidade no desfile da escola”, explica Carbonell, acrescentando que essa parte do projeto inclui ainda a educação ambiental para a população local.
Apesar de já ter feito o diagnóstico de sustentabilidade do barracão da escola, instalado este ano em um galpão perto da Passarela, o jovem diretor espera que o Império vença a Série Ouro e, para 2025, volte a ocupar um espaço na Cidade do Samba, onde ficam os barracões das escolas do Grupo Especial, com melhor estrutura (O Império Serrano ficou em segundo lugar na disputa da Série Ouro e não conquistou o acesso*). “Nós temos aí um grande desafio na gestão dos resíduos, que é a separação de tudo isso – do isopor, do plástico, do metal. Precisamos verificar o que realmente pode ser reciclável e como descartar o que não é, com a preocupação de analisar, inclusive, a possível toxicidade de resíduos e materiais”, ressalta. “Precisamos ter um maior potencial de reciclabilidade, que atualmente é muito baixo porque hoje realmente não existe esse cuidado”, acrescenta. “O barracão é uma parte bem sensível que a gente vai precisar bastante conscientização e integração para operar e funcionar”, admite Carbonell.
Os planos da Diretoria de Sustentabilidade também já estão avançados em relação à quadra da escola de samba, vizinha à linha férrea em Madureira. O Império Serrano pretende instalar placas fotovoltaicas para que, se não 100%, a maior parte da da energia utilizada na quadra venha de fonte solar renovável – essa negociação também está em andamento. Como também já está prevista a substituição de todo o material plástico de uso único – copos, talheres, pratos usados nas tradicionais feijoadas – que será substituído por objetos feitos por material biodegradável.
A própria apresentação inicial do Reizinho da Sustentabilidade lembra do desafio envolvendo a quarta dimensão, e de maior visibilidade, do projeto: o desfile da escola de samba. Com dados da Prefeitura do Rio, o Império lembra que apenas um dia de desfile na Passarela do Samba gera 61 toneladas de lixo; em 2023, os desfiles na Sapucaí geraram, no total, 480 toneladas de resíduos. “O desafio aqui será usar menos materiais que signifiquem agressão ao meio ambiente. Substituir o isopor por materiais mais sustentáveis. Reutilizar os plásticos ao máximo. São iniciativas que, em 2025, vão depender também do enredo e de seu desenvolvimento”, aponta o jovem diretor de Sustentabilidade do Império Serrano.
Samba com sustentabilidade
Nascido em Ramos, filho de um integrante entusiasmado da Imperatriz Leopoldinense, escola do bairro, Diego Carbonell vive no samba desde a infância. Aos 17 anos, já tocava na bateria da Imperatriz – primeiro tamborim, depois quase todos os instrumentos de percussão, de caixa e repique até o surdo de terceira, outro de sua predileção. De lá para cá, já participou de mais de 20 baterias, de escolas de todos os grupos. Hoje, é mestre de bateria do Botafogo Samba Clube, escola da Série Prata, a terceira divisão do Carnaval, que desfila na Intendente Magalhães, na Zona Norte da cidade.
Formando em Administração, Carbonell tem pós-graduação em Controladoria, Auditoria e Compliance. Na Dock, empresa de tecnologia para serviços financeiros, onde trabalhava na área administrativa e contábil, criou um projeto para a reciclagem das maquininhas da pagamento com cartões, que se acumulavam na empresa. Quando a Dock começou a se voltar mais para questões de sustentabilidade e de ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança, foi indicado para liderar a área. “Foi estudando cada vez mais e me apaixonando pelo tema da sustentabilidade”, conta.
Ao deixar a empresa no ano passado, Diego Carbonell, já então coordenador da Comissão Especial de Sustentabilidade do CRA-RJ (Conselho Regional de Administração) e integrante da Câmara setorial de Desenvolvimento Sustentável do Fórum da ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), começou a pensar como podia juntar sua paixão. Ao ouvir uma entrevista do presidente da Superliga Carnavalesca, responsável pela organização das séries Prata e Bronze e do Grupo de Avaliação, Pedro Silva, onde ele falava de responsabilidade social e transparência nas escolas de samba, Carbonell o procurou para conversar.
Em setembro, virou diretor de Sustentabilidade e ESG da Superliga Carnavalesca, onde conheceu o vice-presidente de Finanças, Flávio França, que eleito presidente do Império, o levou para o cargo na tradicional escola de Madureira. “O projeto Reizinho da Sustentabilidade é um passo significativo, criando um departamento totalmente dedicado a avançar nas melhores práticas socioambientais, não apenas durante o desfile, mas também durante e após o carnaval. Estou muito empolgado com os projetos que vamos implementar em nossa escola”, afirma França.
Nove vezes campeão do Carnaval, berço de sambistas famosos como Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira, Dona Ivone Lara e Arlindo Cruz, o Império Serrano tem vivido tempos de instabilidade e dificuldades financeiras. Mas continua com uma legião de admiradores e torcedores, uma reconhecida tradição no mundo do samba e a vocação para o pioneirismo. “O Império Serrano, por seu peso e sua história no mundo do samba, tem enorme potencial para impulsionar e promover avanços positivos nas agendas de sustentabilidade. E o Carnaval tem esse potencial de mobilização popular. A mudança passa pela população, para motivar políticas políticas e para impactar as empresas. A comunidade da Serrinha também ser propulsora de mudanças de hábitos de consumo”, confia Diego Carbonell, que já vê movimentos em outras escolas para seguir os passos do Reizinho de Madureira e também colocar a sustentabilidade no enredo cotidiano do samba.
*Atualizado em 14/02 para adicionar a colocação do Império Serrano na disputa da Série Ouro do Carnaval 2024 no Rio de Janeiro
Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade