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Herança indígena no Rio: Museu do Índio fechado, Aldeia Maracanã abandonada

ODS 11 • Publicada em 7 de fevereiro de 2023 - 07:59 • Atualizada em 7 de fevereiro de 2023 - 08:01

A crise humanitária do povo Yanomami – com centenas de indígenas sofrendo de doenças e desnutrição – é apenas o mais recente capítulo dos mais de 500 anos de história do Brasil desde a chegada dos portugueses e outros europeus a essas praias e florestas. O ataque recente de garimpeiros, madeireiros e grileiros ameaça hoje os mundurukus, no Pará, os karipunas, em Rondônia, e muitas outras etnias que conseguiram sobreviver e manter seus territórios, sua cultura e seu modo de vida. Historiadores calculam que mais de três milhões de indígenas habitavam o que seria o Brasil em 1500. A maioria vivia nas matas ao longo do litoral – esses povos foram os mais dizimados na ocupação portuguesa.

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Este Rio de Janeiro, cidade de São Sebastião no batismo por Estácio de Sá, era território dos indígenas tupinambás e temiminós, etnias das quais restam poucos descendentes. Hoje, os nascidos aqui são cariocas – palavra vinda do tupi, língua indígena falada pelos povos locais. Para alguns estudiosos, carioca é uma fusão de kara’iwa (ou simplesmente kari: caraíba, homem branco) com oka (casa). Para outros, é o aportuguesamento da karióc, nome da aldeia tupinambá, uma das maiores do território, no sopé do morro do Outeiro da Glória, e também do rio que passava por ali. E Guanabara, Ipanema, Tijuca, Maracanã, Inhaúma, Jacarepaguá, Guaratiba e Sepetiba, marcas da identidade carioca, são todas palavras de origem indígena.

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De acordo com o Censo 2010 (o de 2022 ainda está longe de ser concluído), a cidade do Rio de Janeiro tinha quase 7 mil habitantes indígenas – em sua maioria, guaranis (que, em 1500, viviam mais ao sul do estado do Rio), tupiniquins (concentrados há cinco séculos no sul da Bahia e Espírito Santo) e tupinambás. No Brasil todo, 896 mil pessoas se declaravam ou se consideravam indígenas.

No Rio, o Censo registrou 127 grupos étnicos, que falavam 26 línguas indígenas. Mas 63% dos autodeclarados indígenas recenseados no Rio em 2010 não sabia dizer qual era sua etnia. Apesar de responsáveis por tantas palavras usadas pelos cariocas, de terem trabalhado – como escravos – na construção do Aqueduto da Lapa, e de fazerem parte viva da história da cidade, os indígenas, sua cultura e sua memória são maltratados no Rio de Janeiro, particularmente por quem deveria cuidar da preservação e da valorização.

Museu do Índio no Rio, fechado desde 2016: herança indígena maltratada na cidade (Foto: Oscar Valporto)
Museu do Índio no Rio, fechado desde 2016: herança indígena maltratada na cidade (Foto: Oscar Valporto)

Fica aqui na cidade o Museu do Índio, criado em 1953 pelo antropólogo Darcy Ribeiro, então funcionário do Serviço de Proteção ao Índio, depois ministro, vice-governador e senador pelo Rio de Janeiro. O acervo do museu reúne quatorze mil peças etnográficas, dezesseis mil publicações especializadas em etnologia e mais de 50 mil imagens, além de quinhentos mil documentos sobre os povos indígenas. Subordinado à Funai, o Museu do Índio funciona, desde 1978, em um casarão em Botafogo, construído em 1880, que integra um conjunto arquitetônico tombado pelo Iphan, do qual também fazem parte dois anexos que também abrigam parte do acervo e a área de trabalho dos funcionários.

O Museu do Índio, antes local de peregrinação de estudantes e pesquisadores, está fechado desde o governo Temer, para realização de obras de infraestrutura jamais terminadas – e praticamente paralisadas durante o governo Bolsonaro. Neste Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas (7 de fevereiro), fica aqui a lembrança para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e para a presidente da Funai, Joenia Wapichana: é preciso completar a obra e reabrir esse espaço de valorização da cultura, quem sabe agora, sob nova direção, também com novo nome, Museu dos Povos Indígenas.

Prédio histórico em ruínas na chamada Aldeia Maracanã: ocupação por famílias indígenas em área abandonada (Foto: Oscar Valporto)
Prédio histórico em ruínas na chamada Aldeia Maracanã: ocupação por famílias indígenas em área abandonada (Foto: Oscar Valporto)

De sua fundação até a transferência do acervo para Botafogo, o Museu do Índio funcionou em uma área ao lado do Estádio do Maracanã, outro símbolo dos maus tratos à cultura indígena. Após a desativação, o espaço – onde, em 1910, funcionou a primeira sede do Serviço de Proteção ao Índio, antecessor da Funai –  nunca teve novo destino: abandonado, o edifício foi reduzido a ruínas. Em 2006, a área foi ocupada por um grupo de indígenas que reivindicava a criação de um centro cultural no local; em 2013, teve tiro, porrada e bomba quando o governo do Rio tentou desocupar o terreno – cedido, na ocasião, pelo governo federal – para ampliar o estacionamento do Maracanã para a Copa do Mundo.

Parte dos indígenas saiu, parte ficou na por eles chamada Aldeia Maracanã, que é alvo de ação judicial envolvendo o governo estadual, os invasores e a Funai, por envolver indígenas. Ainda há cerca de 50 pessoas, inclusive algumas crianças, vivendo em barracas no terreno do prédio em ruínas. Pesquisadores defendem a criação de uma universidade indígena no espaço.

Diante das dramáticas ameaças enfrentadas pelos povos indígenas em quase todas as partes do Brasil, o fechamento do Museu do Índio e o abandono da área da Aldeia Maracanã não devem estar entre as prioridades do ministério ou da Funai. Mas Sônia Guajajara e Joenia Wapichana são mulheres guerreiras indígenas: vão saber a hora de olhar para o patrimônio de seus povos também em território carioca.

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