(De Belém, Pará) – As empresas de mineração Vale e as multinacionais Belo Sun, Emerys/ Artemyn e Hydro foram condenadas pelos graves e sucessivos crimes socioambientais cometidos no Pará. A condenação ocorreu ontem (13/11) na esteira dos protestos que vêm acontecendo em Belém desde o início da semana, quanto teve início da COP30. As empresas e o estado do Pará foram condenados por unanimidade.
Leu essa? Barcarena, Pará: território sob ameaça de mineradoras
O Tribunal Popular em Defesa da Amazônia ocorreu na Universidade Federal do Pará (UFPA), que cedeu espaço no campus universitário para a Cúpula dos Povos, o maior evento paralelo a conferência do clima. O julgamento foi simbólico, mas, nem por isso, menos formal. Não se abriu mão da toga, a tradicional vestimenta usada pelos magistrados, mesmo no calor escaldante que fazia no auditório, improvisado para o tribunal. O rito foi seguido à risco: além do escrivão, tinha também um oficial de Justiça.
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Veja o que já enviamos“Por causarem assoreamento e contaminação de igarapés e rios, por causarem miséria à comunidade, por cometerem crimes contra defensores dos direitos humanos, como ameaças, criminalização e homicídios”, proferiu a juíza Jessica Silva ao anunciar a sentença de condenação dos acusados.
Se a COP é o espaço onde o mundo discute soluções para a crise climática, também deve ser o espaço para denunciar decisões que ignoram quem protege os territórios que freiam as mudanças climáticas
Os réus foram condenados nos seguintes termos: com base na Constituição Federal e tratados internacionais foram responsabilizados criminalmente por cometer crimes ambientais. Não só as empresas foram condenadas. O governo do Pará também esteva no banco dos réus por conceder licenças e não coibir a práticas de crimes nos territórios quilombolas e indígenas onde as empresas atuam.
Ordem no plenário
A proibição de a plateia se manifestar verbalmente ou de forma que interfirosse no julgamento não foi respeitada. Indígenas, especialmente do povo Munduruku, e quilombolas dos territórios afetados não ouviam calados os comentários dos advogados de defesa, especialmente o das mineradoras – o estado do Pará também mandou um advogado pela defender-se das acusações. Palavras de ordem e hinos de resistência ecoavam na plateia de tempos em tempos.
Além de três observadores internacionais, os jurados, um total de sete, ouviram dez depoimentos de mulheres indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, ribeirinhos e especialistas, como professores da UFPA. Alguns dos testemunhos foram especialmente emocionados, como o de Sandra Georgete, do Quilombo Sítio São João impactado pela Hydro.
“Somos tratados pior do que cachorro, porque aqui no Brasil são tratados melhor do que as nossas crianças. O nós somos? Não somos nada. As empresas chegam e acabam com tudo”, contou Sandra, com a voz embargada, relatando que o rio Murucupi, Barcarena, é um “rio morto.”
Tribunais populares
Barcarena é o epicentro das violações cometidas pelas mineradoras no Pará. O julgamento que condenou as mineradoras não foi o único promovido ontem em Belém. Enquanto chefes de Estado, diplomatas, empresários e lobistas negociavam metas climáticas na COP30, lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas promoviam tribunais populares, levando empresas e governos ao banco dos réus.
O Território Quilombola Baião, no Tocantins, denunciou a morosidade do Estado na titulação de suas terras e a instalação de mineração sem consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No Ceará, a comunidade quilombola do Cumbe relata impactos de usinas eólicas instaladas sem diálogo com a população, resultando em perda de áreas de pesca e pressão fundiária. Há ainda relatos sobre a expansão de monoculturas de eucalipto sobre territórios de quebradeiras de coco babaçu e casos de especulação urbana em Belém no contexto da COP30.
“O Tribunal vai mostrar como decisões tomadas sem ouvir povos e comunidades locais podem prejudicar seus modos de vida. A transição dita ‘justa’ tem avançado com eólicas, energia solar e mineração sem consulta ou participação popular. Se a COP é o espaço onde o mundo discute soluções para a crise climática, também deve ser o espaço para denunciar decisões que ignoram quem protege os territórios que freiam as mudanças climáticas”, afirma Maryellen Crisóstomo, especialista em Justiça Econômica na ActionAid Brasil.
