(De Belém, Pará) – “Estamos assistindo a erosão costeira e ao afundamento das nossas terras e florestas”. O depoimento de Aakaluk, nome nativo de Adrienne La-Ree Blatchford, 44 anos, evidencia como a crise climática é uma ameaça concreta à existência em vários locais do planeta. Indígena dos povos Inupiaq e Yup’ik, Aakaluk vive em Unalakleet, pequena cidade costeira do distrito de Nome, no Alasca, Estados Unidos.
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O Alasca é um dos locais do planeta mais ameaçados pelo derretimento acelerado de geleiras, consequência direta do aumento médio da temperatura global e da exploração da natureza pelo capitalismo. A perda da camada congelada chamada de permafrost libera gases de efeito estufa na atmosfera, causando inundações e afetando diretamente o bem-viver em locais como Unalakleet.
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Veja o que já enviamosA comunidade é acessível apenas por avião e fica às margens do Mar de Bering, perto do Oceano Ártico, com uma população estimada em cerca de 748 pessoas. A pesca de salmão e de caranguejo real estão entre as principais atividades no local, que abriga comunidades dos povos Athabascan e Inupiaq.
Os impactos se retroalimentam e incluem também a mudança nos padrões meteorológicos. “Temos visto tempestades às vezes precoces ou tardias e também ausência de gelo marinho na costa, que protegia nossas orlas e nossas terras dessas inundações e da erosão que ocorre devido ao aumento da intensidade das tempestades”, descreve Aakaluk.
Outro elemento dessa equação do caos climático na região é a contaminação gerada pelas indústrias petroquímicas e extrativistas. “Quando esses poluentes são emitidos pela industrialização, eles são levados para o norte, ficam retidos lá e se acumulam. Eles se bioacumulam em nossos alimentos e recursos. Estamos vendo mercúrio se infiltrar em nossas águas por causa do derretimento do permafrost”, explica ela.
Em Belém, Aakaluk participa da COP30 (30° Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) pela Rede Ambiental Indígena (IEN, na sigla em inglês). A organização, chamada também de Rede Educacional Indígena da Ilha da Tartaruga, atua na defesa de povos indígenas e tradicionais ao redor do mundo.
Trump e o negacionismo
Principal emissor histórico de combustíveis fósseis e, consequentemente, principal nação responsável pelas mudanças climáticas, os Estados Unidos passam por uma guinada negacionista sob o governo de Donald Trump. Além disso, o presidente estadunidense já afirmou que pretende incentivar a expansão da exploração de petróleo no país.
Aakaluk não esconde a frustração com a situação dos Estados Unidos, apesar disso, ela enfatiza a importância de combater essas narrativas. Ela também critica as propostas baseadas em geoengenharia como um novo modo de colonialismo e algo que desconsidera a relação simbiótica que os povos tradicionais possuem com os territórios.
Se os humanos fossem embora hoje, a Terra prosperaria. Mas, com isso, também sentiria falta da nossa presença. Os nossos parentes no céu, na água e na terra sentiriam falta da nossa presença
“Nós, como povos indígenas, sabemos que a manipulação só causará mais danos e mais destruição. As nossas dietas tradicionais são a forma como equilibramos e mantemos a nossa saúde mental, física e espiritual e, sem eles, somos verdadeiramente deslocados, não só das nossas casas, mas também dos nossos modos de vida”, disse Aakaluk
A líder comunitária e ativista também alerta para a importância de combinar ações de adaptação, sem deixar de cobrar que indústrias continuem a poluir e a lucrar como sempre costumam fazer. “Nossa expectativa na COP é continuar a mostrar resistência de uma forma que impulsione uma transição justa liderada pelos indígenas”. Para isso, ela menciona a recepção calorosa e as alianças com as populações indígenas brasileiras.
Energia nuclear
Indígena do Povo Acoma, Petuuche Gilbert é outro representante dos povos indígenas do Norte Global na COP30. Os Acomas habitam territórios no sudoeste estadunidense, no Novo México, Estados Unidos. O estado foi o primeiro lugar do mundo onde foram realizados testes nucleares, em julho de 1945, durante a Segunda Guerra Mundial.
“As pessoas, 75 anos depois, ainda são afetadas pela primeira bomba testada. Elas ainda são vítimas da radiação”, aponta o líder Acoma, contestando as mentiras do lobby nuclear. Petuuche denunciou o greenwashing da indústria de energia nuclear que tenta se vender como carbono zero, ou seja, constrói narrativas de que seus impactos no planeta podem ser compensados.
Petuuche também citou a preocupação com as possibilidades de expansão da energia no Brasil. Para ele, a justificativa de usos pacíficos da energia nuclear não se sustenta. “É preciso perceber que, quando se constrói um reator nuclear, pode-se usar o plutónio desse reator nuclear para fabricar bombas atômicas”, recorda.
Durante a Guerra Fria, a energia nuclear despertou temores sobre a sobrevivência da humanidade. Agora, a crise climática expõe a insuficiência dos modelos ocidentais e modernos de civilização, como um risco real à existência humana e às relações dela com os seres mais-que-humanos (rios, animais, plantas e florestas).
“Se os humanos fossem embora hoje, a Terra prosperaria. Mas, com isso, também sentiria falta da nossa presença. Os nossos parentes no céu, na água e na terra sentiriam falta da nossa presença”, afirma Aakaluk, ao lembrar que a resposta para a crise climática já é conhecida e praticada há milhares de anos pelos povos indígenas.
