Na chuva e no sol, moradores das oito cidades que compõem a Região Metropolitana de Belém sobrevivem em meio à crise climática. Esse contexto é ainda mais desafiador nas favelas e para populações negras, duas maiorias da região. Dos lares localizados em áreas de alto risco de inundação, 75% estão em áreas de favelas. O Painel Climático de Belém, plataforma inédita lançada nesta segunda-feira (10/11) para mapear os desafios da justiça climática na sede da COP30, aponta que a população negra – em especial mulheres negras que representam cerca de 40% da população da RMB, é a mais impactada pela crise climática na região. Quase metade das casas da região não possui abastecimento, destas 80% são chefiadas por pessoas negras.
A sessão “Perdas e Danos” do Painel Climático de Belém contabilizou que mais de 300 mil pessoas foram afetadas pela chuva nos últimos cinco anos na RMB, entre desabrigados, desalojados, desaparecidos, entre outros. A plataforma revela ainda que, frente a esse cenário, há poucas ações da gestão pública voltadas para o enfrentamento ao racismo ambiental e planejamento de cidades mais resilientes.
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Veja o que já enviamosNenhum dos oito municípios da Região Metropolitana de Belém possui Plano de Habitação de Interesse Social ou Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil. Apenas a capital conta com um Plano de Proteção e Defesa Civil e um Plano de Adaptação Climática, os outros sete municípios não dispõem desses instrumentos.
A plataforma busca não apenas apresentar dados existentes, mas também tensionar o que está posto, revelar o que ainda não é visível e provocar a revisão de metodologias que não dialogam com a realidade amazônica
Além disso, apenas Belém, sede da COP30, já possui um Plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Apesar de todas as cidades possuírem seu Plano Diretor, em Belém, Ananindeua, Benevides, Santa Isabel do Pará e Santa Bárbara do Pará esse planejamento não está atualizado – e apenas três das oito cidades mencionam o termo “clima” neste documento que organiza o crescimento e o funcionamento da cidade.
Foi esse cenário desolador que inspirou o Centro Brasileiro de Justiça Climática, o Observatório das Baixadas e a Casa Fluminense a se unirem para a elaboração do Painel Climático de Belém. O estudo resulta de um intercâmbio entre pesquisadores da Região Metropolitana do Rio e da Região Metropolitana de Belém. “São muitas camadas de desigualdades e vulnerabilidades que nossa região enfrenta, mas nem sempre o acesso a essas informações é acessível a toda população”, explicou Thaila Maria, pesquisadora do Observatório das Baixadas e moradora de Belém, no lançamento da plataforma.
A pesquisadora acrescentou que a criação do Painel Climático da Região Metropolitana de Belém surgiu como resposta a essa lacuna. “A plataforma busca não apenas apresentar dados existentes, mas também tensionar o que está posto, revelar o que ainda não é visível e provocar a revisão de metodologias que não dialogam com a realidade amazônica”, afirmou Thalia Maria.
A Região Metropolitana de Belém e, especialmente, a capital apresentam alguns dos piores indicadores urbanos do país. Belém está entre as três piores capitais com a menor cobertura de saneamento básico do país, uma das capitais com menor área verde por habitante, baixa taxa de arborização urbana e a maior proporção de moradores vivendo em favelas e comunidades urbanas. Esses indicadores revelam um profundo déficit histórico de investimento em infraestrutura, planejamento urbano e políticas de justiça territorial.
Para lidar com os problemas emergenciais é preciso cuidar dos desafios estruturais, o Painel Climático é um olhar 360 sobre os principais desafios das cidades, as maiores vítimas desses fenômenos e como a gestão está olhando – ou não – para essa crise
O painel revela ainda que, na Região Metropolitana de Belém, 72% das crianças negras vivem sob altas temperaturas extremas, um cenário que agrava problemas de saúde, aprendizado e segurança. Na capital paraense, o quadro é ainda mais alarmante: 72% das crianças negras estão expostas ao risco de inundação, vivendo em territórios que sofrem diretamente os impactos dos eventos climáticos. Para Taynara Gomes, coordenadora de Pesquisa e Dados do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), esses números reforçam como “a crise climática aprofunda desigualdades raciais e territoriais, colocando infâncias negras na linha de frente da vulnerabilidade climática”.
A plataforma de monitoramento de Belém é uma reaplicação do Painel Climático do Rio, metodologia criada pela Casa Fluminense. Por meio de infográficos, mapas georreferenciados e do acompanhamento dos planos de gestão municipal, o Painel Climático de Belém chega à COP30 com o objetivo de colocar nas mãos de moradores, ativistas e pesquisadores um diagnóstico da região. Além da plataforma digital lançada em 10/11, na Casa Abong, o conteúdo também estará disponível em totens instalados em pontos estratégicos de circulação durante a conferência.
Coordenadora de Informação da Casa Fluminense, a jornalista Luize Sampaio destacou que a iniciativa nasce diante de desafios semelhantes de acesso a dados nas cidades brasileiras. “O Painel Climático do Rio nasceu da mesma urgência que nasce agora o de Belém: dados que deveriam ser públicos não estão acessíveis para todos. Para lidar com os problemas emergenciais é preciso cuidar dos desafios estruturais, o Painel Climático é um olhar 360 sobre os principais desafios das cidades, as maiores vítimas desses fenômenos e como a gestão está olhando – ou não – para essa crise”, resumiu.
