(De Belém, Pará) – Para quem serve às negociações nas inúmeras salas da estrutura montada no Parque da Cidade para a COP30? Os resultados dos 29 encontros anteriores, sem contar a Rio-92, indicam que as discussões fiquem aquém do necessário para enfrentar a crise climática. Para as pessoas com deficiência (PcDs) é mais um espaço de disputa contra o capacitismo.
“A acessibilidade está terrível, não só para pessoas com deficiência, mas para pessoas como um todo”. O depoimento de Artur De Mari, 15 anos. sintetiza alguns problemas – ainda comuns – em eventos do tamanho de uma conferência da ONU, mas que se agravam no contexto da crise climática global. “Em um desastre, todo mundo corre e as pessoas com deficiência são esquecidas”, pontua o adolescente cego.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosCrianças, pessoas idosas e PcDs estão entre os grupos mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Na Zona Azul, a lógica moderna de pensar os espaços impera, com diversos estandes que apresentam tecnologias inovadoras e a promessa de um “futuro verde”. Porém, para alcançar a entrada, é preciso caminhar por um trecho de cerca de 1km sob sol ou chuva, sem piso tátil. Pela zona verde, o caminho é mais direto, mas as filas costumam ser longas e demoradas.
Usuária de cadeiras de rodas, Jéssica Ribeiro, 29 anos, teve de esperar mais de uma hora no sol para conseguir acessar a zona verde do evento, ao lado de crianças e pessoas idosas, além disso, não existem filas prioritárias. “Vi alguns estandes que têm rampa e tradução de Libras (Língua Brasileira de Sinais), mas não têm legendas automáticas para as pessoas surdas”, observa ela.
Leu essa? Resgate Inclusivo: pessoas com deficiência também lutam por justiça climática
Secretária Nacional da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella abre um sorriso constrangido ao ser perguntada sobre a acessibilidade no evento. Também usuária de cadeiras de rodas, ela sente de perto as dificuldades geradas pelas barreiras e deficiências arquitetônicas do local.
“A inclusão é um processo, nunca vai estar totalmente estabelecida, porque ela não é uma agenda de ciência exata, mas está sempre em evolução. As pessoas com deficiência, há 30 ou 40 anos atrás, não eram nem percebidas como integrantes deste ambiente”, pondera Anna Paula. É verdade, as deficiências arquitetônicas não são exclusivas da COP de Belém e, provavelmente, seriam iguais ou piores em metrópoles do sul ou sudeste.
Anna Paula foi responsável por mediar a roda de conversa “Emergência climática e resgate da dignidade: proteção de pessoas com deficiência em desastres climáticos”, realizada no sábado (15/11), no estande dos Direitos Humanos na COP30. Foi um dos poucos espaços a contar com a participação efetiva de PcDs, além de autodescrição pelos participantes e tradução em Libras.
Adaptação
Biólogo e doutor em Ecologia, Alexandre Castro estuda mudanças climáticas há 25 anos, sendo os últimos 15 com foco em adaptação. “A interface entre pessoas com deficiência e mudança do clima foi uma das últimas pautas que vieram para a agenda”, explica, ao se referir aos temas discutidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).
Pai de uma criança com Trissomia 21 (síndrome de down), ele descreve as vulnerabilidades e diferenças entre países e pessoas que demandam sensibilidade e ações específicas em termos de adaptação. Ainda assim, por muito tempo as agendas sociais e de direitos humanos estiveram distantes das discussões climáticas.
Assim como falamos em racismo climático, também temos o capacitismo climático. Precisamos construir tanto protocolos que reconheçam as diferentes especificidades de PcDs e dos seus territórios
“Os especialistas que falavam em inclusão de pessoas com deficiência, não entendiam nada de mudança do clima. E as pessoas que trabalhavam com mudança do clima, não entendiam nada de inclusão”, pontua Alexandre. O despertar para a necessidade de combinar essas agendas acontece, justamente, pelo aumento na intensidade e frequência de eventos extremos.
Artur de Mari mora em Canoas (RS) e, apesar de não ter sido atingido diretamente pelas enchentes de 2024, também foi impactado indiretamente. “Tive conhecidos que foram atingidos e ficou bem claro para mim que no RS existe um negacionismo muito grande. As pessoas não acreditam que isso (enchentes) foi por conta da mudança climática”, relata o jovem.
Na COP30, Artur foi indicado pela Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB) para compor a Comissão de Participação dos Adolescentes (CPA), organizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). “Se você notar quem está na zona azul, nas negociações, não é quem está sendo afetado pelas mudanças climáticas: é quem mora em mansão e tem mais de 1 milhão na conta”, critica o adolescentes, acerca da presença massiva de lobistas na COP30.
Acessibilidade na cidade
Oficial de justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Pablo Pinto notou a falta de orientações para PcDs na zona verde, ainda assim, conseguiu encontrar a sala de descompressão, espaço destino para aliviar o estresse e a carga sensorial. “Eles atendem o público em geral, PcD e autistas que estão em crise sensorial. Mas eu achei uma sala meio escondida e não muito divulgada”, relata.
Autista com nível 1 de suporte, Pablo aponta que a infraestrutura urbana de Belém recebeu investimentos para a COP30, porém, muitos problemas de acessibilidade permanecem. A soma entre eventos extremos mais frequentes, a exemplo de ondas de calor, com essas lacunas, aumentam a vulnerabilidade de PcDs.
“Quanto mais calor, mais desgaste e mais tende a você chegar numa crise, porque sente mais desconforto. Não é só o autista vai ter isso, mas esse público tem uma predisposição neurológica já aumentada para esse tipo de sensibilidade”, explica Pablo.
Jéssica Ribeiro também menciona essas assimetrias e cita dificuldades que encontra diariamente para se locomover pela cidade de Belém, principalmente, para usar o transporte público. “As pessoas com deficiência já têm dificuldade na mobilidade da cidade em uma situação comum, imagine uma questão de resgate de uma situação extraordinária. É preciso que políticas públicas considerem isso”, complementa.
PcDs e ambientes
Para Alexandre Castro, é preciso que as pessoas com deficiência passem a ocupar espaços em outros ambientes, para além de eventos sobre a deficiência. “A COP representa uma identidade global da tomada de decisão e a tomada de decisão global ainda é feita a partir de um arranjo social global excludente. Isso melhorou ao longo dos anos? Muito, mas, infelizmente, a gente não encontra ainda pessoas com deficiência nesse ambiente”.
Cleidi Paiva, 57 anos, atua como pedagoga em Castanhal (PA). Especialista em educação especial e inclusiva, ela é mãe de Izabelli Paiva, 24 anos, uma pessoa com trissomia 21 e autista. Segundo ela, as áreas da saúde e meio ambiente precisam incorporar a acessibilidade e as questões de inclusão, assim como já ocorre na área da educação.
Em relação ao clima, Cleidi menciona as crises sensoriais em relação ao calor. Devido à uma perda auditiva, Izabelli se comunica em Libras e, na entrada na zona verde, enfrentou dificuldades pela ausência de pessoas fluentes na língua brasileira de sinais. “Tive que me colocar dizendo que ela era uma pessoa que se comunicava em Libras e autista para que não tocassem nela. São coisas que para algumas pessoas podem ser bem insignificantes, mas que para ela têm um valor enorme”, relata Cleidi,
O caminho de inserir as questões de deficiência na pauta ambiental, segundo Anna Paula Feminella, já começou a ser trilhado. “Assim como falamos em racismo climático, também temos o capacitismo climático. Precisamos construir tanto protocolos que reconheçam as diferentes especificidades de PcDs e dos seus territórios. Ser ribeirinho com deficiência é diferente de estar numa zona urbana ou em uma zona rural”.
