Abre alas para os foliões de SP

Carnaval de rua no centro de SP

Carnaval de rua tem 355 blocos e se transforma no evento mais lucrativo da cidade

Por Florência Costa | ODS 11 • Publicada em 12 de fevereiro de 2016 - 15:00 • Atualizada em 12 de fevereiro de 2016 - 17:47

Carnaval de rua no centro de SP
Multidão ocupa as ruas do centro da cidade: 64% dos foliões eram de São Paulo
Multidão ocupa as ruas do centro da cidade: 64% dos foliões eram de São Paulo

Alguma coisa aconteceu no Carnaval deste ano na Pauliceia Desvairada. Nenhum sinal da “aglomerada solidão”, cantada por Tom Zé, ou dos “bares cheios de almas vazias”, descritos pelo rapper Criolo. Era só sair às ruas nos quatro cantos da cidade para vê-las ocupadas com eufóricos paulistas. As espontâneas aglomerações de foliões não deixaram dúvidas: o carnaval de rua voltou para ficar na maior metrópole da América do Sul.

A cada R$ 1,00 investido, a cidade teve R$ 40,00 de retorno, sem incluir o desfile. Devemos superar a meta de R$ 400 milhões em negócios gerados na cidade.

Oficialmente, 355 blocos ocuparam a cidade durante o carnaval, além dos 60 previstos para desfilar no fim de semana pós-carnaval (até domingo 14). Foram 100 blocos a mais do que em 2015. E a prefeitura não permitiu a venda de abadás, para garantir que todos tivessem acesso à festa.

São Paulo esteve, nos últimos tempos, à frente do debate nacional sobre ocupação democrática de espaços urbanos. A metrópole tem se transformado em um grande palco de movimentos que exigem uma cidade mais humana, com transporte mais barato e mais espaços de lazer.

A própria “ocupação” da Avenida Paulista aos domingos, após a decisão da prefeitura de proibir carros para favorecer os pedrestes e ciclistas, foi um sinal do crescimento deste movimento. O carnaval de rua deste ano simbolizou ludicamente essa tendência.

A maioria dos foliões era de São Paulo e resolveu aderir à festa na cidade pela primeira vez (64%), revelou uma pesquisa da SPTrans (empresa municipal de transportes). Só 2% dos foliões vieram de fora. Hoje, muitos paulistanos batem no peito para proclamar: “São Paulo não é o túmulo do samba”. Mas também não é túmulo do axé, nem do forró, do sertanejo, do rock, do jazz ou da música brega. A trilha sonora carnavalesca teve de tudo, desde o Acadêmicos do Baixo Augusta, com as tradicionais marchinhas, até o Blocon, com sua homenagem à música brega e ao cantor Sidney Magal.

No carnaval paulistano até o rock tem seu lugar ao sol. O bloco Tô de Bowie, formado pelos fãs do músico inglês David Bowie, morto no mês passado aos 69 anos, atraiu 40 mil pessoas.  No alto do carro de som, um rapaz fantasiado de Batman fez um pedido de casamento surpresa à namorada, de Branca de Neve, desmentido a música de Criolo: “Não existe amor em SP”? Existe sim.

O democrático carnaval paulista teve até bloco com músicas indianas, o Bollywood
O democrático carnaval paulista teve até bloco com músicas indianas, o Bollywood

Na cidade mais internacional do Brasil, o carnaval teve ritmos novos, vindos de fora. O bhangra indiano, com sua percussão contagiante, foi apresentado aos paulistanos pelo carro de som do Bloco Bollywood, formado por integrantes desta comunidade e brasileiros ligados à cultura da Índia, em homenagem aos musicais da maior indústria cinematográfica do mundo. “Nosso Carnaval tem de tudo! Desfila agora pelas ruas do Centro o Bollywood, o primeiro bloco de rua indiano que se tem notícia nas terras de Piratininga”, postou em sua página do Facebook o secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki, no sábado (6).

Mas a invasão de foliões em bairros nobres e boêmios da Zona Oeste da cidade, como a descolada Vila Madelana, também gerou debate e reclamação dos moradores incomodados com a sujeira e o excesso de barulho. “Parabéns, SP foi demais. Apenas uma ressalva: o carnaval da Vila foi um caótico encontro de jovens que tem que ser resolvido de maneira profissional. Vi muito assedio a mulheres e drogas”, comentou Octacilio Alves, na mesma página da rede social de Bonduki.

“A Vila Madalena mais uma vez está sofrendo com abusos de ambulantes, pessoas sem educação e porcas que usam as ruas como banheiros”, criticou outra internauta, Yolanda Barozzi.  Bonduki, arquiteto, urbanista, e professor titular de Planejamento Urbano na USP, disse que pesquisa encomendada pela prefeitura mostrou que não há relação entre ocupação noturna da Vila Madalena e os blocos, que acontecem durante o período do dia.

Em um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o secretário explicou que nestas áreas críticas foi montado um esquema especial. Grandes blocos que não eram dos bairros foram deslocados para outros locais e o horário dos desfiles foi reduzido.

Os cofres da metrópole agradeceram: o carnaval de rua já é tido como o evento mais lucrativo da cidade, atingindo o posto que antes era ocupado pela Fórmula 1. “A cada R$ 1,00 investido, a cidade teve R$ 40,00 de retorno, sem incluir o desfile”, disse o prefeito Fernando Haddad. “Devemos superar a meta de R$ 400 milhões em negócios gerados na cidade”, afirmou.

O carnaval nasceu na rua (e São Paulo teve seus ‘cordões’ nos anos 40). Mas aos poucos essa festa foi enclausurada em clubes e sambódromos. A década de 70 marcou o início do processo de comercialização do carnaval. Mas tudo começou a mudar nos últimos anos.

“No Rio é banho de mar, o país todo de férias, aqui só trabalho”, canta Tom Zé. Será? O carnaval de 2016 quebrou alguns esteriótipos.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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