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Veja o que já enviamosA Estação Leopoldina e a dívida da União com o Rio de Janeiro
Estação abandonada, a ser restaurada pelo governo federal, ilustra a decadência do transporte ferroviário no Brasil e, ao mesmo tempo, o caos no transporte público na antiga capital
O noticiário sobre o Rio de Janeiro, às vezes, dá um certo desânimo. O cidadão fica sabendo – graças aos colegas do UOL – novos detalhes sobre os esquemas altamente suspeitos de contratação de “simpatizantes” do governo estadual com altos salários na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro, um escândalo que começou no Ceperj, centro que deveria cuidar da formação e qualificação dos servidores e inchou, de contratados sem concurso em ano eleitoral. Neste mesmo final de maio, a nossa polícia se expôs mais uma vez ao ridículo ao promover um tiroteio de mais de 20 minutos numa comunidade favelada ao fazer uma operação para, segundo a própria corporação, “acabar com um evento irregular de música”. Mas, entre tanta picaretagem e truculência, o carioca recebeu a boa notícia que o governo federal vai reformar a Estação Leopoldina – uma construção quase centenária, parte da história da cidade – para transformá-la em centro cultural ou museu.
Leu essa? Aumento da passagem no transporte público inviabiliza direito à cidade
A estação ferroviária – oficialmente chamada Estação Barão de Mauá – não recebe trens desde 2001, quando as últimas linhas foram transferidas para a Central do Brasil, mas, desde sua inauguração em 1926, foi foi utilizada, por décadas, não apenas para viagens locais, mas também para cidades como Petrópolis, Nova Friburgo e Campos e para rotas interestaduais para São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. Depois de ter deixado de ser a maior estação da cidade, com a inauguração do prédio Central do Brasil em 1943, a Leopoldina foi sendo desativada aos poucos, em paralelo à decadência de todo o transporte ferroviário do Rio de Janeiro. O sistema de trens da Região Metropolitana chegou a transportar quase 1,5 milhão de passageiros por dia na década de 1980, quando ainda era operado pela Rede Ferroviária, hoje recebe uma média diária de apenas 600 mil pessoas.
Hoje quase vazio, com sinais de abandono (janelas quebradas, paredes descascadas, gradis deteriorados) e coberto de pichações, o prédio de quatro andares da estação é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Com inspiração em palácios da realeza britânica, a estação foi projetada pelo arquiteto escocês Robert Prentice – também responsável pelo desenho do Palácio da Cidade, sede da prefeitura do Rio, antes embaixada britânica – por encomenda da Estrada de Ferro Leopoldina, companhia que operava trens em Minas Gerais desde o Império e, adquirida por uma empresa da Inglaterra, teve autorização, em 1910, para estender suas linhas até a Praia Formosa, perto do porto da capital, então o principal do país. Em 1950, a empresa, em crise, foi encampada pelo governo federal e incorporada em seguida a Rede Ferroviária Federal.
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Veja o que já enviamosA estação fantasma de hoje serve para ilustrar a decadência do transporte ferroviário em todo o Brasil e, ao mesmo tempo, o caos no transporte público no Rio de Janeiro. O país abandonou, aos poucos, o transporte ferroviário, uma obsessão do imperador Pedro II, principalmente a partir do governo Juscelino Kubitschek, quando foi feito um grande investimento público nas rodovias e, ao mesmo, um incentivo pesado à indústria automotiva. Hoje o sistema rodoviário concentra mais de 60% do transporte de cargas no país; o transporte ferroviário interestadual de passageiros, marca da Estrada de Ferro Leopoldina, praticamente desapareceu; os trens de passageiros estão restritos às regiões metropolitanas e enfrentam a feroz concorrência das empresas de ônibus.
Apesar de ser um efetivo transporte de massa (uma única composição pode levar 1200 passageiros), com muito menos impacto ambiental que qualquer veículo movido a combustíveis fósseis, os trens nunca foram tratados como prioridade, nem receberam subsídios ou atenção especial das autoridades públicas. A SuperVia, empresa responsável pelos trens suburbanos do Rio, ameaça devolver a concessão: o colapso do sistema ferroviário parece iminente, com os seguidos prejuízos da concessionária, que presta um serviço cada vez pior aos seus usuários.
No mundo ideal, a Estação Leopoldina poderia voltar a servir ao transporte ferroviário – na Europa, há dezenas de estações centenárias que ainda recebem trens de passageiros, muitos atraídos, inclusive, pela arquitetura e pela história. Mas a restauração prevista – com investimentos previstos de R$ 25 milhões apenas para o projeto – aponta para outro destino das antigas estações que garantem sua conservação: o exemplo mais famoso é o Museu D’Orsay, em Paris, que guarda a mais famosa coleção de pinturas impressionistas do mundo, e o mais próximo é a Estação da Luz, em São Paulo, que ainda recebe trens metropolitanos mas abriga também o Museu da Língua Portuguesa. Esse modelo misto poderia funcionar no Rio – a Leopoldina, na área central da cidade, fica muito perto da linha do VLT (Estação Praia Formosa, lembrando a praia, próximo ao porto, que não mais existe) e a estação rodoviária.
Transformar a estação em centro cultural ou museu – ideia já levantada outras vezes e sempre inviabilizada por falta de interesse tanto da concessionária quanto dos governos – merece apoio e aplauso. E é um sinal que a ministra (carioca) Ester Dweck, do Ministério da Gestão e Inovação, pode dar ao Rio a atenção que a cidade precisa do Serviço de Patrimônio da União, subordinado à pasta. Há centenas de imóveis de propriedade da União (o Edifício A Noite é outro exemplo) por aqui, que foram abandonados pelo governo federal, durante o cruel processo de esvaziamento da cidade, após a transferência da capital para Brasília. Dar destino a esses imóveis que valorizem o Rio de Janeiro e beneficiem seus moradores seria uma maneira de pagar uma parte da imensa dívida do país com sua antiga capital.
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