A árvore brilha e os peixes morrem

Milhares de pequenas savelhas mortas na Lagoa Rodrigo de Freitas. Foto Agostinho Vieira

No país do supérfluo, segue a festa do descaso na Lagoa Rodrigo de Freitas

Por Agostinho Vieira | ODS 11ODS 15 • Publicada em 20 de dezembro de 2018 - 15:27 • Atualizada em 4 de janeiro de 2019 - 13:05

Milhares de pequenas savelhas mortas na Lagoa Rodrigo de Freitas. Foto Agostinho Vieira
Milhares de pequenas savelhas mortas na Lagoa Rodrigo de Freitas. Foto Agostinho Vieira
Milhares de pequenas savelhas mortas na Lagoa Rodrigo de Freitas. Foto Agostinho Vieira

O espelho d`água da Lagoa Rodrigo de Freitas amanheceu brilhante, na altura das ruas Maria Quitéria e Garcia D`Ávila, em Ipanema. Seria poético se não fosse triste. O brilho vinha do reflexo do sol sobre milhares de pequenas savelhas mortas (Alosa fallax é o nome científico desses peixinhos prateados). Segundo a Comlurb, foram 55 toneladas. Um espetáculo quase tão tradicional quanto a Árvore de Natal da Lagoa, que este ano voltou a brilhar sobre os auspícios da Petrobrás. Durante 20 anos (de 1996 a 2015) ela foi bancada pela Bradesco Seguros, com ajuda da Lei Rouanet. Mas, afinal, o que tem a ver a mortandade de peixes com a árvore de Natal? Nada. Ou tudo. Depende do ponto de vista.

As chuvas fortes que ocorreram no Rio, há mais ou menos 15 dias, carrearam uma quantidade grande de novos nutrientes para a água. Com o sol escaldante que estamos tendo e a proliferação das algas marinhas, falta oxigênio. Os peixes morrem, literalmente, afogados

A poluição da Lagoa e a morte dos peixes é antiga, crônica e recorrente. Mas tem solução. Um projeto que poderia acabar com o problema, conhecido como “dutos afogados”, repousa nas gavetas da prefeitura há, pelo menos, seis anos. Desenvolvida pela equipe do professor Paulo Rosman, do Departamento de Engenharia Costeira da Coppe, a proposta chegou a ter o seu EIA/RIMA aprovado e foi objeto de várias reuniões, inclusive com a presença do então prefeito Eduardo Paes. Ela permite uma troca maior e constante da água da Lagoa com as águas do mar, através do Canal do Jardim de Alah, obedecendo o ritmo natural das marés.

Mortandade de peixes, um problema crônico que a Prefeitura insiste em não resolver. Foto Agostinho Vieira
Mortandade de peixes, um problema crônico que a Prefeitura insiste em não resolver. Foto Agostinho Vieira

Rosman explica que o problema da Lagoa é o excesso de nutrientes: “As chuvas fortes que ocorreram no Rio, há mais ou menos 15 dias, carrearam uma quantidade grande de novos nutrientes para a água. Com o sol escaldante que estamos tendo e a proliferação das algas marinhas, falta oxigênio. Os peixes morrem, literalmente, afogados”. O projeto dos dutos levaria as águas da Lagoa, que têm muitos nutrientes, para o mar e traria a água do mar, pobre em nutrientes, para a Lagoa, permitindo um equilíbrio adequado.

Fogos de artificio na inauguração da nova Árvore da Lagoa, agora patrocinada pela Petrobras. Foto Mauro Pimentel/AFP
Fogos de artificio na inauguração da nova Árvore da Lagoa, agora patrocinada pela Petrobras. Foto Mauro Pimentel/AFP

O custo de implantação do projeto está estimado em US$ 25 milhões, cerca de R$ 100 milhões. Menos de um décimo do valor que a Petrobrás deve ao Ibama em multas não pagas por infrações ambientais das mais diversas. Em 2012, quando o EIA/RIMA do projeto chegou a ser aprovado, um dos seus maiores incentivadores era o então magnata Eike Batista. Ele chegou a bancar os estudos de viabilidade, e alguns esperavam que ele arcasse com o resto da conta. Veio a falência da EBX e nada aconteceu. Na verdade, deveria ter sido feito com dinheiro público. Mas os prefeitos que estiveram no posto nos últimos anos tinham outras prioridades.

E a árvore? Bem, a Árvore de Natal da Bradesco Seguros, em seus vinte anos de existência, custou alguma coisa entre R$ 180 milhões e R$ 400 milhões, de dinheiro público e privado. O que daria para despoluir a Lagoa algumas vezes. Já os custos da nova versão da árvore ainda não são conhecidos. Pelo menos não são públicos. O #Colabora tentou obter esses números através da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não teve sucesso até a publicação a reportagem. No dia seguinte, 21 de dezembro, a Petrobras Distribuidora,  através da LAI, informou: “O investimento no projeto “Árvore do Rio” foi de R$ 11,5 milhões. Informamos que não foi utilizada nenhuma lei de incentivo”. A Árvore da Lagoa é o terceiro evento mais importante do calendário do Rio, perdendo apenas para o Carnaval e para a festa do Ano Novo, em Copacabana. É bonita e democrática, mas esconde algumas das nossas mazelas: o descaso com o meio ambiente, a falta de transparência e a superficialidade das decisões estão entre elas.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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