ODS 1
A árvore brilha e os peixes morrem
No país do supérfluo, segue a festa do descaso na Lagoa Rodrigo de Freitas
O espelho d`água da Lagoa Rodrigo de Freitas amanheceu brilhante, na altura das ruas Maria Quitéria e Garcia D`Ávila, em Ipanema. Seria poético se não fosse triste. O brilho vinha do reflexo do sol sobre milhares de pequenas savelhas mortas (Alosa fallax é o nome científico desses peixinhos prateados). Segundo a Comlurb, foram 55 toneladas. Um espetáculo quase tão tradicional quanto a Árvore de Natal da Lagoa, que este ano voltou a brilhar sobre os auspícios da Petrobrás. Durante 20 anos (de 1996 a 2015) ela foi bancada pela Bradesco Seguros, com ajuda da Lei Rouanet. Mas, afinal, o que tem a ver a mortandade de peixes com a árvore de Natal? Nada. Ou tudo. Depende do ponto de vista.
[g1_quote author_name=”Paulo Rosman” author_description=”Pesquisador da Coppe” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]As chuvas fortes que ocorreram no Rio, há mais ou menos 15 dias, carrearam uma quantidade grande de novos nutrientes para a água. Com o sol escaldante que estamos tendo e a proliferação das algas marinhas, falta oxigênio. Os peixes morrem, literalmente, afogados
[/g1_quote]A poluição da Lagoa e a morte dos peixes é antiga, crônica e recorrente. Mas tem solução. Um projeto que poderia acabar com o problema, conhecido como “dutos afogados”, repousa nas gavetas da prefeitura há, pelo menos, seis anos. Desenvolvida pela equipe do professor Paulo Rosman, do Departamento de Engenharia Costeira da Coppe, a proposta chegou a ter o seu EIA/RIMA aprovado e foi objeto de várias reuniões, inclusive com a presença do então prefeito Eduardo Paes. Ela permite uma troca maior e constante da água da Lagoa com as águas do mar, através do Canal do Jardim de Alah, obedecendo o ritmo natural das marés.
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Veja o que já enviamosRosman explica que o problema da Lagoa é o excesso de nutrientes: “As chuvas fortes que ocorreram no Rio, há mais ou menos 15 dias, carrearam uma quantidade grande de novos nutrientes para a água. Com o sol escaldante que estamos tendo e a proliferação das algas marinhas, falta oxigênio. Os peixes morrem, literalmente, afogados”. O projeto dos dutos levaria as águas da Lagoa, que têm muitos nutrientes, para o mar e traria a água do mar, pobre em nutrientes, para a Lagoa, permitindo um equilíbrio adequado.
O custo de implantação do projeto está estimado em US$ 25 milhões, cerca de R$ 100 milhões. Menos de um décimo do valor que a Petrobrás deve ao Ibama em multas não pagas por infrações ambientais das mais diversas. Em 2012, quando o EIA/RIMA do projeto chegou a ser aprovado, um dos seus maiores incentivadores era o então magnata Eike Batista. Ele chegou a bancar os estudos de viabilidade, e alguns esperavam que ele arcasse com o resto da conta. Veio a falência da EBX e nada aconteceu. Na verdade, deveria ter sido feito com dinheiro público. Mas os prefeitos que estiveram no posto nos últimos anos tinham outras prioridades.
E a árvore? Bem, a Árvore de Natal da Bradesco Seguros, em seus vinte anos de existência, custou alguma coisa entre R$ 180 milhões e R$ 400 milhões, de dinheiro público e privado. O que daria para despoluir a Lagoa algumas vezes. Já os custos da nova versão da árvore ainda não são conhecidos. Pelo menos não são públicos. O #Colabora tentou obter esses números através da Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não teve sucesso até a publicação a reportagem. No dia seguinte, 21 de dezembro, a Petrobras Distribuidora, através da LAI, informou: “O investimento no projeto “Árvore do Rio” foi de R$ 11,5 milhões. Informamos que não foi utilizada nenhuma lei de incentivo”. A Árvore da Lagoa é o terceiro evento mais importante do calendário do Rio, perdendo apenas para o Carnaval e para a festa do Ano Novo, em Copacabana. É bonita e democrática, mas esconde algumas das nossas mazelas: o descaso com o meio ambiente, a falta de transparência e a superficialidade das decisões estão entre elas.
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Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.