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Racismo ambiental: como a crise climática afeta os povos de terreiro


Eventos extremos trazem impactos materiais às comunidades e prejudicam a relação com o sagrado


(De Belém, Pará) – “Os líderes mundiais vieram para a Amazônia falar do clima, mas não conversam com o povo da Amazônia”. Mãe Juci de Oyá denuncia o racismo ambiental que perpassa os espaços e as discussões sobre a crise climática na COP30. Para a ialorixá, não há como pensar em mitigação ou adaptação sem escutar as guardiãs e os guardiões dos territórios.
“Afrochefa” e “ribeirona” da Ilha de Cotijuba, em Belém, Mãe Juci defende o reconhecimento das mulheres pretas e dos povos de matriz africana na preservação da Amazônia. “Estamos aqui clamando por justiça climática, porque nós sentimos aqui na pele tudo o que tem acontecido na terra hoje”, enfatiza a dona do Acarajé da Juci D’Oyá e fundadora da Rede Matriarcas.
Leia mais: COP30: Indígenas denunciam danos espirituais e adoecimento mental pela degradação dos territórios
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Mesmo morando em um local cercado por Rios, Mãe Juci relata a falta recorrente de água potável em novembro, final da época de seca na região. O caso ilustra o racismo ambiental que afeta diferentes comunidades tradicionais, excluídas do acesso à direitos, como saneamento básico. Além disso, para as populações de matriz afro-brasileira, a degradação ambiental dos territórios inviabiliza diversos rituais e a própria relação com o sagrado – a natureza.
Rayana Burgos dos Santos também sente os reflexos da crise climática no llê Asé Esú Byiii. O terreiro de Umbanda fica no bairro Jardim Maranguape, na periferia de Recife (CE). “É muito difícil falar de adaptação climática em terreiros, principalmente, quando a está em periferia. Por exemplo, quando chove, não conseguimos chegar ao terreiro”.
A estratégia adotada foi organizar o calendário com base nos períodos de chuva, geralmente, mais intensos no mês de maio. Porém, para as ondas de calor a solução não é tão simples, diante da impossibilidade de realizar certas práticas em ambientes totalmente fechados. “Sem contar que ondas de calor e eventos climáticos extremos afetam a disponibilidade das plantas, das ervas que precisamos para manter a nossa fé”, acrescenta Rayana.
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Racismo ambiental na COP30
Como parte das obras para a COP30 (30° Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), milhares de árvores foram derrubadas para ampliar estradas e rodovias. Mãe Juci de Oyá aponta que as comunidades próximas a essas vias não foram consultadas sobre a destruição dessas matas. O processo traduz uma lógica moderna de privilegiar o trânsito e ignorar o bem-viver das pessoas.
“Para nós qualquer árvore é a habitação de um ancestral. Nossos caboclos moram no tronco das árvores, então, cada vez que se mata uma árvore, também morre com ela um encantado”, destaca a ialorixá. Ela também critica o avanço do turismo desordenado e, como resposta, cita projeto de afroturismo em parceria com o Ministério da Igualdade Racial.
Mesmo sendo empreendedora e “afrochefa”, Mãe Juci de Oyá teve de lutar para garantir espaço para seus pratos tradicionais na COP30. “Quantos não conseguiram chegar aqui por serem pretos ou por serem do axé?”, questiona. Segundo ela, o próprio apagamento da presença de povos de terreiro na Amazônia revela outra dimensão do racismo ambiental.
Diferente dos povos indígenas que já possuem um histórico de maior participação nos debates climáticos, os povos de matriz africana ainda não têm seu papel reconhecido na proteção da natureza, o que se reflete em situações como a vivenciada por Mãe Juci no Parque da Cidade. Ao chegar ao local com suas vestes tradicionais, a líder espiritual relata ter sido confundida com uma pessoa de um grupo responsável por uma apresentação cultural.
Na COP30, uma das principais reivindicações do movimentos negros é a menção à essas populações como grupos vulneráveis à crise climática. A inclusão dos afrodescendentes nos documentos oficiais da conferência é vista como essencial, por exemplo, para o acesso ao financiamento climático. Porém, o termo enfrenta resistência de países africanos que temem perder os recursos já escassos para lidar com a crise climática.


Terreiros pelo Meio Ambiente
Cientista política e especialista em política pública e justiça de gênero, Rayana conta que seu vínculo com o terreiro começou ainda na infância. Mais tarde, ela fundou a Rede de Terreiros pelo Meio Ambiente. A iniciativa trabalha para promover a educação climática e difundir o papel dos povos de matriz afro-brasileira na proteção da natureza.
Para mitigar os impactos ambientais, a rede orienta práticas ecológicas para realização de oferendas, como descartar apenas flores no mar e não acender velas em florestas. “Um dos nossos trabalhos na rede é fazer com que as pessoas entendam essa relação com a natureza e com o sagrado também para além das quatro paredes do terreiro”, explica Rayana, também integrante da Aliança Sagrada pelo Clima.
A partir da visão da natureza como parte integrante da identidade, Rayana entende que fazer parte de um terreiro já é uma forma de ativismo ambiental. “Porque para cultuar Iemanjá, preciso do mar limpo e de uma praia que não esteja privatizada. Para cultuar Oxum, o Rio não pode estar poluído”, complementa.
Criada há dois anos, a Rede de Terreiros pelo Meio Ambiente conta com a participação de comunidades de todos os Estados do Nordeste, do Rio de Janeiro e do Distrito Federal. Segundo Rayana, está em andamento um mapeamento de todos os terreiros que fazem parte da rede.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.











































