ODS 1
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Conheça as reportagens do Projeto Colabora guiadas pelo ODS 1.
Veja mais de ODS 1Com fotos de Flávio Tavares
São João das Missões (MG) – A maior população indígena de Minas Gerais é a nação Xakriabá, também uma das dez maiores do país (conforme o Censo 2010). A reserva tem 35 aldeias, sendo as mais distantes a cerca de 80 km do centro de São João das Missões, percorridos por estrada de chão. Diferentemente das aldeias na Floresta Amazônica, os povos de regiões de Cerrado e Caatinga, como o Norte mineiro, precisaram ter contato cedo com os brancos, já que a sobrevivência por meio dos recursos naturais ficou inviável. “Nossas nascentes secaram. A falta de acesso à água prejudica tudo”, afirma o cacique Domingos de Oliveira.
O pajé Vicente Xakriabá, de 44 anos, acompanhou as mudanças na região. “Com os desmatamentos, estão se acabando os pássaros, as raposas, o rio São Francisco. Queremos ver o cerrado em pé, as matas floradas com os animais”, afirma Vicente, que, aos 7 anos, descobriu que seria o pajé a representar seu povo.
Filho e neto de parteira e benzedeira, ele encarou sua missão em uma época de muitas ameaças, de parentes que iam nas cidades vizinhas e não voltavam. Mas aprendeu a se proteger nas matas, entre animais e mulheres guerreiras. “Fomos os primeiros habitantes do Brasil, mas a ameaça ao nosso povo continua do mesmo jeito. A gente pede aos governantes que respeitem o nosso direito ao território e à nossa cultura. Queremos uma justiça social verdadeira. Não estamos contra os fazendeiros. Mas eu vejo que hoje o dinheiro é uma tragédia para quem não tem coração. Não vamos parar de lutar, mas vamos na paz, pela união e tradição”, garante Vicente Xakriabá.
Fomos os primeiros habitantes do Brasil, mas a ameaça ao nosso povo continua do mesmo jeito. A gente pede aos governantes que respeitem o nosso direito ao território e à nossa cultura
Muitos Xakriabá já percebem que o ciclo da chuva mudou: eles não conseguem preparar a terra, dominar o clima, pois a chuva já não chega como antes. A mudança climática, que tanto se estuda nas capitais, é sentida mais fortemente, há pelo menos sete anos, pelos indígenas.
Confira todas as reportagens da Série Especial sobre a Terra Xakriabá
Encontramos um grupo na reserva em um momento de reza e cantos para chamar a chuva, que demorava a chegar. Antes chovia a partir de setembro e o mês de novembro inteiro. Eles lembram de não darem conta de colher tudo que tinham plantado: milho, batata, mandioca, abóbora. Os riachos que cortam a reserva Xakriabá eram cheios, agora estão praticamente todos secos.
Apesar de o território se transformar muito nas épocas chuvosas, com as árvores mais verdes, é o clima Semiárido, quente, do Cerrado e partes de Caatinga, que sobressai a maior parte do ano.
Sebastiana Correia de Sá, de 86 anos, e a irmã Helena Alexandre Ferreira, de 67, recordam que lá “toda vida foi muito sofrimento”, mas antes chovia, tinha água e elas plantavam feijão, tempero, cebola, alho… “A seca e o modo de viver mudaram muito”, lamentou Helena.
Nosso território foi saqueado e destruído com gado e plantio de monoculturas. Os brancos falam que é muita terra pra pouco índio, mas, na verdade, tem muita terra nas mãos de poucos fazendeiros
Desmatamento e mudança climática
Os Xakriabá eram originalmente caçadores, mas foram cercados pela atividade agropecuária que reduziu a terra deles, levando-os a adotar a agricultura como modo de subsistência. Mas eles mantêm a sabedoria de conservar a natureza para os animais sobreviverem e de não acabar com a madeira para ter material para fazer as casas depois. A relação deles com o território é diferenciada. “A gente tem que dar valor a nossa terra, ela que dá tudo para a gente”, disse a indígeja Anelita de Souza.
Característico do Cerrado, o pé de pequi para os Xakriabá é aproveitado até a folha, que serve de remédio e para dar banho de energia. Eles usam o fruto para cozinhar junto com a comida, usam o óleo do pequi e a castanha da fruta para fazer paçoca. Mas as plantações de pequi estão ameaçadas pelas queimadas.
Outra ação humana que prejudica há 40 anos o Norte de Minas Gerais são os eucaliptos, com suas grandes áreas de plantio conhecidas como Deserto Verde, por consumirem muita água, secando as nascentes no entorno. E o objetivo maior é a produção de carvão e energia para siderúrgicas localizadas no Estado.
Cerca de 20% do território reconhecido Xakriabá são compostos por serras e morros, 40% são áreas de preservação e extrativismo, 20% são espaços de moradias e apenas 20% são utilizados para o cultivo da agricultura e pecuária. Essa divisão é relatada por Célia Nunes Corrêa, do Povo Indígena Xakriabá, em sua dissertação de mestrado. Para ela, o desafio é garantir a sobrevivência da população de 11 mil indígenas com sua cultura e tradição neste pedaço de terra.
“Nosso território foi saqueado e destruído com gado e plantio de monoculturas. Os brancos falam que é muita terra pra pouco índio, mas, na verdade, tem muita terra nas mãos de poucos fazendeiros”, defendeu Edgar Kanaykõ Xakriabá.
Ainda que eles tenham sido confinados, violados e invadidos, os Xakriabá resistem naquelas terras há milhares de anos. “Eles nunca descontinuaram a ocupação territorial; tem histórico desse povo há 3 mil anos ali, esse vínculo indissolúvel com a terra que os define”, destacou o antropólogo Pedro Rocha.
Joana Suarez é pernambucana mineira, viveu metade da vida em cada Estado e, atualmente, como jornalista freelancer, decidiu habitar os dois lugares para se sentir completa. É formada há 11 anos e sempre atuou dentro de redações. Como repórter já recebeu quatro prêmios (regionais e internacionais) pelos trabalhos aprofundados na área de saúde. Desde 2018, vem se dedicando de maneira independente a cobrir também pautas de gênero, direitos humanos e meio ambiente. Publica em veículos brasileiros e estrangeiros reportagens feitas no Nordeste e Sudeste do país. Agora é também podcaster, produz e apresenta o Cirandeiras Podcast - sobre mulheres e suas lutas em cada canto do Brasil