ONU: fome atinge mais de 700 milhões com guerras e crises climática e econômica

Centro de distribuição de refeições para vulneráveis no Rio: relatório da ONU aponta que mais de 700 milhões passaram fome no mundo em 2023, mais de 8 milhões no Brasil (Foto: Tânia Rego / Agência Brasil – 03/03/2023)

Brasil registra redução da insegurança alimentar mas ainda tem pelo menos oito milhões de pessoas com fome

Por #Colabora | ODS 1ODS 2 • Publicada em 24 de julho de 2024 - 10:28 • Atualizada em 30 de julho de 2024 - 10:29

Centro de distribuição de refeições para vulneráveis no Rio: relatório da ONU aponta que mais de 700 milhões passaram fome no mundo em 2023, mais de 8 milhões no Brasil (Foto: Tânia Rego / Agência Brasil – 03/03/2023)

Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado na manhã desta quarta-feira (24/07), aponta que o mundo estaria longe de alcançar o objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS-2) de erradicar a fome até 2030 e haveria uma prevalência global de subnutrição em nível semelhante por três anos consecutivos depois de ter aumentado acentuadamente após a pandemia de covid-19. “Entre 713 e 757 milhões de pessoas podem ter enfrentado a fome em 2023 – uma em cada 11 pessoas no mundo, e uma em cada cinco em África”, afirma a FAO no documento “Situação da segurança alimentar e nutricional no mundo”.

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O relatório cita que a fome cresceu impulsionada por um número crescente de conflitos, crises econômicas e eventos climáticos extremos. “Prevê-se que 582 milhões de pessoas serão cronicamente subnutridas no final da década, mais de metade deles na África”, aponta o texto. Segundo o relatório, a fome está aumentando na Ásia Ocidental, no Caribe e na maioria das sub-regiões da África.

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Progressos, porém, têm sido vistos na redução da fome na maioria das sub-regiões da Ásia e na América Latina. “O aumento da fome não é inevitável. A América Latina já reduziu a fome pelo segundo ano consecutivo – mostrando que, com as políticas certas, os governos podem melhorar o acesso aos alimentos e construir sistemas alimentares resistentes ao clima. No Brasil, 13 milhões de pessoas foram retiradas da fome no ano passado através de programas que visam sistematicamente as famílias pobres, fornecendo alimentação escolar saudável proveniente de pequenos agricultores, apoiando a agricultura familiar e implementando políticas alimentares para as comunidades urbanas mais pobres. Com as ações certas, uma participação profunda e uma implementação coordenada, podemos inverter a maré da fome”, lembrou Elisabetta Recine, presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil (Consea) e integrante do Painel Internacional de Peritos em Sistemas Alimentares Sustentáveis, ao comentar o relatório

Europa, Estados Unidos e Canadá não têm estimativas de fome. Os principais fatores que levam à fome – conflitos, alterações climáticas e choques econômicos – estão ocorrendo com mais frequência e com maior intensidade. “Esses números sobre a fome são um grande alerta. A fome global permanece catastroficamente alta, com 733 milhões de pessoas ainda indo para a cama com fome todos os dias – 36% a mais do que há uma década”, disse Alberto Broch, presidente da Confederação das Organizações de Produtores Familiares do Mercosul Alargado (Coprofam).

O relatório da FAO ressalta que as mudanças climáticas, em particular, aceleraram muito e foram o fator mais preponderante para a insegurança alimentar e a subnutrição em 2023. “O sistema alimentar industrial global é desastrosamente vulnerável a choques climáticos, econômicos e de conflitos crescentes – com as mudanças climáticas afetando cada vez mais os agricultores. Construir sistemas alimentares resilientes ao clima agora é uma questão de vida ou morte. Assim como é estabelecer pisos de proteção social e garantir que os trabalhadores recebam salários dignos”, apontou Olivier De Schutter, Relator Especial da ONU sobre extrema pobreza e direitos humanos e co-presidente do Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-Food).

Redução da fome no Brasil

O relatório cita o Brasil ao falar sobre o percentual de investimento em segurança alimentar e nutricional dentro dos gastos com a agricultura, apontando que o país investe 9% dos seus gastos públicos em agricultura, sendo que 63% deles direcionados a segurança alimentar e nutrição “para fortalecer a resiliência econômica dos mais vulneráveis a adversidades”.

“É um dado impressionante”, destaca o relatório da ONU, citando o país com maior grau de investimento percentual nas Américas. Em relação à edição anterior, que trouxe dados do período 2020-22, o Brasil registrou avanços. O estudo mostra que cerca de 8,4 milhões de brasileiros passaram fome no Brasil entre 2021 e 2023. Os dados também indicam que, no mesmo período, o número de brasileiros em insegurança alimentar foi de 39,7 milhões, sendo que 14,3 milhões estavam em estado severo. No período 2020-2022, o número de brasileiros em estado de desnutrição —população com dieta abaixo de níveis mínimos de consumo de energia — era de 10,1 milhões. Já o total em insegurança alimentar era de 70,3 milhões. A insegurança alimentar no Brasil, no entanto, ainda está acima do período entre 2014 e 2016. O total da população nessa situação era de 27,2 milhões.

A divulgação oficial do relatório – coordenado pela FAO e com participação de Fida (Fundo de Desenvolvimento Agrícola), PMA (Programa Mundial de Alimentos), OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unicef, todas agências da ONU – foi realizada no Rio de Janeiro, para coincidir com o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, principal projeto brasileiro no G20.

Falta financiamento para combate a fome

O relatório da FAO avalia que um problema grave é a falta de uma solução comum em relação ao financiamento para a segurança alimentar e nutricional. “No caso de financiamento para a segurança alimentar e nutricional, não é possível avaliar adequadamente os níveis existentes, muito menos monitorar progressos ou retrocessos (para cumprir as metas)”, afirma o documento. O financiamento precisa crescer e ser mais eficaz. Para isso, de acordo com a agência da ONU, é preciso colocar atores nacionais e locais no comando, garantindo que o financiamento seja mais acessível a grupos-chave, como pequenos produtores. “Bilhões de dólares serão necessários para apoiar políticas transformadoras, mas o custo da inação será muito maior. A reestruturação do financiamento existente poderia fazer uma diferença significativa”, destaca o texto.

Na avaliação da FAO, governos em alguns países de renda média também parecem estar gastando relativamente mais parte do seu orçamento para resolver as principais causas da insegurança alimentar e da desnutrição em comparação com países de baixa renda. A FAO argumenta que o relatório é um apelo “forte e urgente” à ajuda global e também às ações nacionais para resolver este problema como parte da agenda global de ação dos objetivos de desenvolvimento sustentável. “Há desigualdades no acesso ao financiamento para segurança alimentar e nutrição entre países e dentro dos países”.

O estudo identifica que cerca de 63% dos países com alta ou crescente fome, insegurança alimentar e desnutrição lutam para obter financiamento para a segurança alimentar e nutrição. “A maioria destes países (82%) são afetados por um ou mais dos principais impulsionadores da fome (…). E, por isso, é importante aumentar o financiamento para países com níveis mais elevados de fome”.

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

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