Nordeste lidera ranking de jornalistas mortos em 2015

Coronelismo eletrônico, tráfico de drogas e milícias são os principais inimigos da liberdade de imprensa

Por Vanessa Forton | ODS 1 • Publicada em 15 de janeiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 15 de janeiro de 2016 - 14:27

Ao todo, no mundo, 536 jornalistas foram assassinados de 2010 para cá, uma média de 134 por ano ou 2,5 por semana
Ao todo, no mundo, 536 jornalistas foram assassinados de 2010 para cá, uma média de 134 por ano ou 2,5 por semana
Ao todo, no mundo, 536 jornalistas foram assassinados de 2010 para cá, uma média de 134 por ano ou 2,5 por semana

Oito jornalistas foram mortos, em 2015, no Brasil, segundo o levantamento anual da Press Emblem Campaign (PEC), o que coloca o país na 7ª posição entre os mais perigosos para a profissão.  Em 2014, o Brasil já respondia por 5 das 27 mortes de profissionais em serviço no mundo. Todas no primeiro trimestre. O país contabilizou ainda 6 mortes em 2013, ocupando o 8º lugar no ranking global. A violência tem se mostrado associada às investigações de esquadrões da morte e do crime organizado, às violações dos direitos humanos pelas forças de segurança do Estado, à corrupção e à conduta de servidores e políticos locais. O país acumula onze casos impunes, sendo o segundo pior da América Latina em impunidade, ainda de acordo com o relatório da PEC de 2015.

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Evany José Metzker, conhecido como Coruja, foi encontrado decapitado e com sinais de tortura na cidade de Padre Paraíso, em Minas Gerais. O jornalista tinha um blog chamado “Coruja do Vale” e era conhecido na região por investigar irregularidades na administração pública local.

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Dentro da estatística brasileira, o maior destaque é a alta concentração de casos no Nordeste, com 6 das 8 mortes ocorridas no ano passado. A região é marcada pela presença do coronelismo, que controla boa parte dos meios de comunicação. Para Janaine Aires, vice-coordenadora do projeto de pesquisa “Coronelismo eletrônico: dinâmicas assimétricas de negociação” e doutoranda da UFRJ, um reflexo desse coronelismo eletrônico na estrutura midiática brasileira é que a motivação política supera, em muitos casos, a viabilidade econômica dos negócios de mídia. Assim, parte significativa da produção da comunicação no nosso país, nas cinco regiões, é extremamente frágil e dependente de verbas públicas.

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Leonêncio Nossa, repórter especial do Estado de São Paulo e ganhador do prêmio Esso por revelar conexões entre lideranças políticas e assassinatos em todo o Brasil, acredita que o ambiente hoje é de maior liberdade editorial, mas ao mesmo tempo ressalta que existe uma exposição maior do profissional ao crime. Ele crê que os coronéis eletrônicos estão perdendo influência política devido ao surgimento das rádios comunitárias, dos blogs e dos pequenos grupos de comunicação. “Mas há o desafio de garantir que o aumento desse espaço editorial venha com um mínimo de proteção para o profissional”, diz Leonêncio.

Os casos nordestinos de 2015

No ano passado, o primeiro jornalista morto no Brasil foi Ivanildo Viana, da Líder FM de Santa Rita, na Paraíba. O radialista foi morto a tiros na BR-230, na Grande João Pessoa, quando saía da rádio em que trabalhava. Três meses depois, Evany José Metzker, conhecido como Coruja, foi encontrado decapitado e com sinais de tortura na cidade de Padre Paraíso, em Minas Gerais. Ele tinha um blog chamado “Coruja do Vale” e era conhecido na região por investigar irregularidades na administração pública local. Logo depois, Djalma Santos da Conceição, conhecido como Djalma Batata, foi assassinado e seu corpo deixado às margens da BR-101, em Timbó, área rural do município de Conceição da Feira, a 110 quilômetros de Salvador. O radialista da RCA FM da Bahia investigava a morte de uma adolescente, quando foi sequestrado por três homens encapuzados. Djalma costumava circular de colete à prova de balas, porém seu corpo foi encontrado na manhã seguinte com 15 marcas de tiros. O jornalista estava com a língua cortada e o olho direito arrancado. Contra a impunidade dos crimes acima, a ANJ (Associação Nacional de Jornalistas) fez um alerta e pediu esclarecimentos às autoridades, a fim de que os responsáveis sejam devidamente julgados.

Em agosto, o Ceará entrou para a estatística quando dois homens armados e encapuzados invadiram a Rádio Liberdade FM, em Comacim, e fizeram vários disparos contra Gleydson Carvalho, durante a programação musical. O radialista era conhecido por fazer denúncias de políticos da região. Já em novembro, mais um radialista e dois blogueiros foram assassinados de forma quase idêntica: motoqueiros armados e encapuzados surpreenderam as vítimas com disparos. Israel Gonçalves Silva trabalhava na Rádio Itaenga FM, em Recife, Pernambuco, e já havia recebido ameaças de morte antes de ser executado. O blogueiro independente Ítalo Eduardo Diniz Barros, de 30 anos, morreu após levar quatro tiros enquanto caminhava com um amigo em Governador Nunes Freire, no Maranhão. No mesmo estado, próximo a São Luís, Orislandio Timóteo Araújo, conhecido como Roberto Lano, foi atingido na cabeça quando andava em uma moto com a mulher. O blogueiro, de 37 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu no local. Os três jornalistas opinavam sobre a vida política de suas cidades e denunciavam regularmente a corrupção de políticos locais. Em cada um dos casos, a polícia abriu uma investigação para identificar as motivações dos crimes e seus mandantes, porém sem resultado.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em nota, considerou preocupante a sequência recente de execuções a jornalistas e cobrou das autoridades uma apuração precisa sobre a origem dos crimes. Especificamente sobre os blogueiros, a Abraji diz que é preciso esclarecer se as execuções foram consequência das matérias publicadas para punir os responsáveis porque só assim será possível evitar novos crimes contra a liberdade de expressão.

“A cobrança ao jornalista vem na exigência de silêncio ou no cerceamento da sua liberdade, mas pode ser mais alta quando lhe cobram a vida”, afirma Janaine Aires. A fragilidade econômica e a precariedade das empresas de mídia se refletem no exercício profissional, colaborando com a exposição demasiada dos profissionais ao risco, diz ela.

O coronelismo eletrônico não é a única força contrária à liberdade de expressão e à liberdade de informação, de acordo com Leonêncio Nossa. São quatro os grandes inimigos do jornalismo, hoje, no Brasil, e especialmente no interior. O mais forte deles é o tráfico. Alguns dos repórteres mortos foram autores de reportagens sobre a criminalidade local. “Não é que os crimes políticos tenham diminuído, mas aumentaram o número de crimes motivados pelos traficantes, mais frequentes até que os políticos”, comenta Nossa. Outro inimigo do profissional da comunicação é o grupo criminoso que atua na política, geralmente no controle da máquina da prefeitura. Empresários locais, como donos de postos de combustível ou imobiliárias, também são outra preocupação. Geralmente envolvidos em crimes ambientais, eles não raro motivam reportagens. Por fim, há ainda os poderes policiais paralelos, isto é, milícias entrando na lista contra a liberdade da notícia.

Em um panorama mundial, somente em 2015 o Brasil apresentou o mesmo número de assassinatos que países atualmente em guerra, como o Iêmen e o Sudão do Sul. Foram mortos mais jornalistas no país do que na Somália, onde cerca de um terço da população precisa de assistência humanitária ou de apoio para subsistência. De acordo com a PEC, o Brasil continua entre os mais perigosos países para o trabalho dos jornalistas no mundo, com 36 casos de morte nos últimos cinco anos. Ao todo, 536 jornalistas foram assassinados de 2010 para cá, uma média de 134 por ano ou 2,5 por semana. Pelo fim da impunidade, a ONU declarou que nenhum jornalista, em nenhum lugar, deve ter que arriscar a vida para divulgar informações.

Vanessa Forton

Jornalista formada pela PUC-Rio com especialização em marketing pela FGV. Foi produtora dos canais de esporte da Globosat, trabalhou na BandNews e participou de projetos paralelos para as marcas Melissa, Novo Ambiente e Eletrobrás. Carioca, apaixonada por fotografia e pelo meio ambiente.

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