Meu orgulho gay

Chegou a hora da representatividade, das cores definidas, do barulho que deixa o opressor sem espaço, sem palavras, sem exército e sem armas

Por Rodrigo Barbosa | ODS 1 • Publicada em 30 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 30 de junho de 2016 - 10:24

Participantes da Parada do Orgulho LGBT ocupam a Avenida Paulista, em São Paulo
Participantes da Parada do Orgulho LGBT ocupam a Avenida Paulista, em São Paulo
Participantes da Parada do Orgulho LGBT ocupam a Avenida Paulista, em São Paulo

As únicas vezes em que não senti orgulho em ser gay foram quando me senti abusado e não tive forças para reagir. Foram poucas vezes. Mas, como se sabe, os pesadelos marcam mais do que os sonhos. Esses pesadelos ficaram todos na minha infância, quando o mundo insistia em me colocar medo, me fazer sentir sozinho e perdido, deslocado, errado. Foi tudo tão difícil e tão triste que até hoje tenho segredos só meus. Mas passou. Passou tudo, até o medo.

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Até aqui se passaram 20 anos de vida gay, 13 anos de casamento, e eu me sinto tão, mas tão confortável em ser quem eu sou que eu chego a ficar emocionado.

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Aos 14 me senti orgulhoso quando me deixei levar pelo o que meu coração, meu corpo e melhor, minha cabeça, queriam. Já não existia dúvida, mas ainda existia o medo. Eu ainda me via sozinho, mas já não estava perdido. Um tanto deslocado, mas nada errado. Vivi as aventuras que me propus a viver. Me arrisquei muito. Podia ter morrido, mas sobrevivi.

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Aos 17 achei que tivesse acabado o medo. Aos 18 já não me via deslocado. Só me sentia sozinho. Muito sozinho. Eu já amava, mas ele não me amava. Ele nem sabia que podia me amar, ou talvez ainda estivesse perdido, deslocado, errado, com medo. Eu o amei, mas nunca nos amamos.

Aos 22 já não me sentia mais sozinho. Um outro ‘ele’ apareceu. E por mais entranho que essa expressão possa parecer, dito no dia do Orgulho Gay, foi ele quem me fez homem. Ele me ensinou a lutar, a militar. Aprendi tudo isso com ele. Aprendi até que ainda tinha algum medo, que ele também me fez perder.

Até aqui se passaram 20 anos de vida gay, 13 anos de casamento, e me sinto tão, mas tão confortável em ser quem sou que chego a ficar emocionado. É muito bom ser livre. Sendo gay, tive muitos dias de orgulho e tristeza. Vergonha, nunca. Nunca. Gosto de ser gay. Gosto muito. No fim de semana participamos da gravação de um documentário sobre a ‘saída do armário’ e começamos falando justamente da possível existência de um estado de espírito gay. Acredito que exista, sim. Terça-feira repeti um ritual que até então só tinha nos meus aniversários, que é ler sempre os mesmos textos e ouvir sempre as mesmas músicas; vejam o tamanho da importância do Dia do Orgulho Gay. Um texto de Fabricio Carpinejar fala desse estado de espírito, leve, sensível, festeiro, exagerado. Tem muito disso, sim. E me percebi choroso por grande parte do dia. Gosto disso. Gosto de poder dar o gritinho quando tenho vontade, de dizer que tenho medo de barata sem qualquer constrangimento e de chorar se por qualquer razão me emociono. Que bom que posso chorar. Mas é muito mais do que isso. É bom ser gay, que bom que sou gay e que bom que me orgulho disso.

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Eles não vão precisar dar todo o dinheiro da carteira para o policial corrupto, aos 15 anos, porque ele te segue na rua e ameaça ligar para os seus pais para dizer que você foi pego fazendo sacanagem no banheiro com outro cara, quando nem verdade isso era.

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A melhor parte é que tenho encontrado cada vez mais pessoas que se orgulham de sua sexualidade também. Poucos dias atrás, o massacre em Orlando me aproximou de um menino de 15 anos que fez um desenho que me impactou muito. Parte da emoção veio em ver algo que ele retratou tão bem. Mas o que me derrubou mesmo é que esse desenho veio de um menino gay de 15 anos, que já se conhece, já vive o adolescente que ele deve viver e se orgulha disso. Na mesma hora mandei uma mensagem pra ele e disse que queria conhecê-lo. O encontro foi ótimo. Que cabeça boa. Que potencial transformador esse menino tem.

Essa semana, por conta do trabalho, comecei a procurar uma babá para ficar com meu filho num mês de trabalho mais apertado. Não encontrei uma babá, mas um cuidador. Explico: ele nasceu menina, mas aos 21 anos pode transitar entre algo que ele já sabe que não quer ser e algo que ele não sabe ainda se vai se tornar. A segurança ao falar disso tudo impressiona e que facilidade ele tem com crianças.

Mãe leva um cartaz de apoio à filha durante a Parada do Orgulho Gay, nos Estados Unidos, em 2009

Eles não vão precisar viver o medo que vivi. Ou passaram por todas estas etapas quando mais jovens. Talvez os pesadelos tenham sido mais curtos, menos assustadores. Não vão precisar de encontros secretos que resultam num cara maior e mais forte que você apertando seu pescoço ainda magrelo, ainda de menino, dizendo que é melhor fazer o que ele manda porque se gritar ninguém vai ouvir. Eles não vão precisar dar todo o dinheiro da carteira para o policial corrupto, aos 15 anos, porque ele te segue na rua e ameaça ligar para os seus pais para dizer que você foi pego fazendo sacanagem no banheiro com outro cara, quando nem verdade isso era. Eles não vão precisar chorar sozinhos na hora de dormir porque o professor da escola fez uma piadinha de mau gosto, dizendo que você é do tipo que vai ficar olhando os caras pelados no vestiário da faculdade. Nada disso precisa mais existir porque eles têm orgulho, perderam o medo de ser quem são e sabem se posicionar. Lutaram cada um de sua forma para ser quem são e merecem o direito de viver sem serem perseguidos. Não se fere assim quem perdeu o medo. Nós não estamos mais no armário, mas há muita gente lá dentro ainda e precisamos ajudá-los.

É aí que aparece um outro tipo de medo. O medo do outro, aquele que mata. E mata muito, mata diariamente, cruelmente. É para isso que surgiu o Dia do Orgulho Gay. Não é uma data para celebrar a sexualidade, mas marca a luta pela garantia do direito de existir sem medo, sem perseguição. Vamos vencer esse medo, vamos vencer a perseguição e vamos nos orgulhar disso. É a hora da representatividade, das cores definidas, dos discursos mais calorosos, do barulho que deixa o opressor sem espaço, sem palavras, sem exército e sem armas. É a hora de integrar os jovens mais do que nunca, de trazer a eles um mundo de igualdade de direitos, de fazê-los crescer na diversidade que é tão bonita. É a hora da quebra dos rótulos, porque os rótulos nos fazem sentir diferentes e temos, todos, problema com o diferente. Deixem que a bondade nos rotule. Fica muito mais gostoso assim. Terminei a tarde mais tranquilo, me organizando para buscar meu filhote na escola enquanto amigos se encontravam para uma marcha bonita numa noite já não tão fria. Que orgulho de vocês, amigos. Que orgulho de todos nós.

Rodrigo Barbosa

Rodrigo é enfermeiro no diploma, empreendedor imobiliário na prática e acha que a empatia, o amor e a colaboração são a única salvação num mundo auto-centrado e radicalizado.

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