Mohammed El Jazouli já é bem grandinho, mas está ansioso como uma criança para viver sua primeira noite de Natal. Marroquino, desde julho ele vive numa igreja em Botafogo, no Rio, onde chegou na condição de refugiado, como oito mil pessoas de diversos países já são reconhecidas no Brasil – outros 28 mil ainda estão aguardando reconhecimento. “No Marrocos, também temos Papai Noel e presentes na árvore, principalmente para crianças, mas não temos nada de diferente na noite de Natal. Jantamos normalmente. Estou curioso para ver como os brasileiros vivem esse momento”, conta ele, num português mesclado com inglês. Mohammed é um dos 16 refugiados cadastrados no projeto Meu Amigo Refugiado, que tem como objetivo dar uma espécie de presente, tanto a essas pessoas, de países tão diferentes, como a famílias brasileiras interessadas em conhecer um pouquinho mais sobre elas. E que ocasião seria melhor do que o Natal para isso? Os convidados para a ceia são incentivados a levar um prato típico para os anfitriões, a fim de promover ainda mais a troca de culturas e experiências. Mohammed promete preparar uma salada marroquina.
[g1_quote author_name=”Milena Zindeluk” author_description=”Agência NBS” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Entre os refugiados inscritos, há sírios, angolanos, venezuelanos, colombianos, um palestino e um cidadão da Costa do Marfim. São pessoas que tinham uma vida, uma profissão, uma família, seus sonhos, mas agora estão começando tudo do zero.
[/g1_quote]“Já temos (até 12 de dezembro) 529 famílias cadastradas para receber algum refugiado em sua ceia. Refugiados inscritos eram 16 até sexta-feira passada. A procura está muito grande, em várias cidades do Brasil. Então, estamos entrando em contato com outras ONGs para expandir a ideia a outras cidades. Talvez a gente não consiga atender agora a todas as famílias inscritas, mas a nossa intenção é não parar o projeto no Natal. Este é um pontapé inicial para mostrar um pouco quem são essas pessoas, tirar os estereótipos, quebrar barreiras, gerar outros encontros. O Natal está sendo importante por ser uma data em que as pessoas estão mais abertas às questões sociais. Mas famílias que não conseguirem receber um refugiado agora serão incentivadas a abrir suas casas em outros momentos ao longo do ano, da vida”, explica Milena Zindeluk, redatora da agência NBS e uma das idealizadoras do Meu Amigo Refugiado.
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Veja o que já enviamos“A NBS já tem a questão social como um pilar. Tanto que a gente abriu uma agência no Santa Marta, que é a primeira numa favela. Queremos usar nosso potencial criativo e nosso poder de mobilização também para causas sociais, e não apenas para a construção de marcas e venda de produtos. E, hoje em dia, o tema da migração, com certeza, é um dos mais importantes do mundo. Por isso, a gente se interessou em fazer alguma coisa a respeito. Mais especificamente sobre integração, e não só sobre necessidades básicas. A gente foi procurar parcerias com ONGs e pessoas ligadas à essa causa e que tivessem legitimidade. Foi aí que chegamos à Migraflix, uma ação social que promove a integração de refugiados e imigrantes (através de workshops culturais e atividades ministradas por eles para brasileiros), que se tornou nossa parceira. Juntos, elaboramos o projeto, que foi lançado no dia 5 de dezembro”.
Ainda de acordo com Milena, entre os refugiados inscritos, há sírios (a maioria entre os que chegam ao Brasil), angolanos, venezuelanos, colombianos, um palestino e um cidadão da Costa do Marfim, por exemplo: “Tentamos refugiados de lugares diferentes, para mostrar bem a questão e a diversidade de histórias. São pessoas como a gente, que tinham uma vida, uma profissão, uma família, seus sonhos, mas agora estão começando sua vida do zero. Esta é a semelhança entre eles, mas cada um tem suas particularidades”. Mohammed, por exemplo, não veio para cá por motivos políticos, mas econômicos. “Vivemos uma crise. Minha família precisa da minha ajuda”, diz ele, que tem 30 anos, é solteiro e deixou os pais e duas irmãs na cidade natal. “Eu era bancário e dava aulas de inglês, mas perdi o emprego. Se fosse para os Estados Unidos ou para a Europa, precisaria de visto”.
O site do projeto mostra os rostos e as histórias dessas pessoas. “Ali, as famílias brasileiras podem convidar um deles para participar do Natal em sua casa. É isso que quebra o preconceito e abre muitas portas para eles”, diz Jonatan Berezovsky, fundador do Migraflix. Afinal, uma das principais dificuldades que esses estrangeiros enfrentam é a de integração na sociedade. Muita gente ainda tem preconceito em relação a eles, principalmente por não conhecerem suas histórias. “Eu preciso sempre explicar mais sobre muçulmanos, sobre o Islã. Eu não sou como o Estado Islâmico, eu sou diferente, somos diferentes”, explica Muna Darweesh, que fugiu de Damasco, na Síria, junto com o marido e quatro filhos, e atualmente mora em São Paulo.
Segundo Milena, a decisão sobre qual família vai receber qual refugiado ainda está sendo feita, mas tudo deve estar acertado até o fim desta semana. “Ainda estamos fazendo esses matches das ceias. Marcadas mesmo, a gente ainda tem poucas, por questões como proximidade. Mas já tivemos um encontro. Recebemos o convite na quarta-feira da semana passada, em São Paulo, e corremos para fazer, porque tinha que ser no sábado. Foi muito bacana!”.
Era uma prévia de Natal, que todo ano acontece na casa de Erika Dias Costa Gouvêa, no Sumaré, para reunir um grupo de aproximadamente 20 pernambucanos muito próximos, que moram em São Paulo e que nessa época do ano se tornam uma trupe de uns 60. “Fazemos uma festa de esquenta de Natal para reunir todo mundo, e os amigos de todo mundo, antes que comecem as viagens para aqueles que voltam para casa. Diria que 90% desse grupo é de ‘forasteiros’. Se não pernambucanos, são baianos, cearenses, goianos… tem de tudo. A ideia é realmente garantir a confraternização e matar um pouco a vontade de Natal daqueles que não estarão com as suas famílias”, escreveu ela ao se cadastrar. E lá foi Alphonse Nyembo, da República do Congo, que é jornalista e fala cinco idiomas. Ele levou um prato chamado fufu – que pode ser feito com inhame, mandioca ou milho, banana-da-terra e até arroz, e é a base da alimentação de seu país -, acompanhado de legumes e peixe.