ODS 1
ltália precisa de imigrantes
Com população envelhecida, país não pode abrir mão do trabalho de estrangeiros e nem da riqueza que geram
Todos os dias centenas de refugiados chegam à Itália. Somente em 2015 o país acolheu cerca de 170 mil imigrantes e gastou cerca de 3 bilhões de euros com programas emergenciais para conter o fluxo imigratório. Diante de uma suposta invasão em massa tanto anunciada pelos jornais locais, os italianos continuam achando que a imigração é um problema para o país. Porém, os números apresentados pela última pesquisa divulgada pela Fundação Leone Moressa contrariam o pensamento comum e mostram como os imigrantes salvam a economia e a pensão de 620 mil italianos.
[g1_quote author_name=”Umberto Eco” author_description=”Escritor” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Em breve a Europa será um continente multirracial ou, se preferirem, colorido. Gostem ou não gostem, será assim.
[/g1_quote]Publicada no final de 2015, a pesquisa que analisa a economia da imigração, aponta que 620 mil pensões de italianos são pagas graças à contribuição de 2,3 milhões de trabalhadores estrangeiros que moram no país. Somente em 2014, eles pagaram cerca de 10 bilhões de euros para a previdência social. Os imigrantes também são responsáveis por 8,6% do PIB nacional, o que significa que, da riqueza produzida em 2014, 125 bilhões de euros vieram dessa mão de obra.
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Veja o que já enviamosDe acordo com a pesquisa, mais de 5 milhões de imigrantes vivem no país. Eles representam 8,2% do total da população, são “atores reais do desenvolvimento econômico”. Destes, 632 mil são empresários. Os marroquinos são cerca de 69 mil e ocupam a primeira posição no ranking da nacionalidade de empreendedores estrangeiros, seguidos pelos chineses (62 mil) e romenos (60 mil). Os principais ramos de atividade são o comércio (71%), a construção (13%) e a prestação de serviços (7%). As empresas estão localizadas, principalmente, nas regiões da Lombardia, Piemonte, Campânia, Toscana e Emília Romanha.
Os números, porém, fazem refletir sobre o quanto é difícil o processo de integração e valorização profissional, o que segundo Mauro Valeri, funcionário do Órgão Nacional Antidiscriminação Racial – UNAR, explicaria a porcentagem de estrangeiros empreendedores. “Não havendo possibilidade de trabalhar em certos setores, os imigrantes apostam neles mesmos”. Quase metade dos que têm entre 15 e 64 anos possuem ensino médio, 40,1% têm colegial e 10,1% são graduados (entre os italianos esse percentual é de 15,5%).
Para Stefano Solari, diretor científico da Fundação Moressa, “apesar da crise, o papel econômico dos imigrantes permitiu que o sistema produtivo italiano permanecesse em pé.” Um dos motivos dessa produtiva introdução de estrangeiros no sistema político, econômico e social do país é que apenas 0,9% deles têm idade para se aposentar. De fato, hoje, 1 em cada 10 italianos tem mais de 65 anos, já entre os estrangeiros, a proporção aumenta de 1 a cada 100. O que significa que nos próximos anos a população italiana tende a envelhecer e se aposentar, enquanto os imigrantes continuarão a pagar impostos e crescer – hoje o país tem 1 milhão de menores estrangeiros.
O último balanço demográfico feito pelo Instituto Nacional de Estatística – ISTAT, referente a 2014, revelou dados preocupantes: a queda no número de nascimentos, o envelhecimento da população (idade média de 44,4 anos) e muito mais mortes do que nascimentos. Este é o pior quadro demográfico desde 1917, época da Primeira Guerra Mundial. E pensar que são, principalmente, os mais velhos a seguirem partidos políticos de direita como a Liga Norte, por exemplo, que através de discursos xenófobos, racistas e populistas impõe a ideia de que eles (os imigrantes) devem voltar para seus países de origem porque “roubam” o trabalho aos italianos.
Pago e não recebo
Após anos de trabalho duro, muitos realmente fazem a viagem de retorno. Mas diferentemente dos italianos, a maioria dos trabalhadores imigrantes dificilmente receberá o benefício da previdência social. Isto porque “98% deles trabalha na Itália por 5 a 10 anos e depois volta ao país de origem, perdendo o direito à pensão porque não possuem os requisitos de tempo de contribuição e idade mínima”, afirma Solari.
Tal fenômeno é definido como “social free riding” e diz respeito a 21% dos estrangeiros (198.430 dos 927.448) nascidos antes de 1949 que pagaram contribuições, mas não receberam pensões. Segundo o relatório Worldwide INPS, nas caixas do instituto existem cerca de 3 bilhões de euros provenientes de contributos pagos por estrangeiros que deixaram o país.
A mão de obra imigrante é fundamental para a economia e a Itália precisa dessas pessoas. Somente ano passado, segundo a Organização Mundial da Imigração (OIM), 3.771 pessoas morreram no Mediterrâneo tentando chegar à Europa. Fugidas da fome e da guerra, morreram carregando apenas um punhado de esperança. Aos italianos não cabe outra alternativa a não ser aceitar o fato que os imigrantes vieram para ficar. Como disse Umberto Eco, “em breve a Europa será um continente multirracial ou, se preferirem, colorido. Gostem ou não gostem, será assim”.
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Formada pela Universidade São Judas Tadeu (SP), trabalha há 17 anos como jornalista e vive há 15 na Itália, onde fez mestrado em imigração, na Universidade de Veneza. Escreve para Estadão, Opera Mundi, IstoÉ e alguns veículos italianos como GQ, Linkiesta e Il Giornale di Vicenza. Foi gerente de projetos da associação Il Quarto Ponte, uma ONG que trabalha com imigração.