Diversão e terapia no ritmo do samba

Tá Pirando, Pirado, Pirou. Bloco do Pinel desfila com enredo sobre Augusto Boal

Por Atados | ODS 1ODS 9 • Publicada em 18 de fevereiro de 2017 - 09:56 • Atualizada em 20 de fevereiro de 2017 - 18:14

O desfile do Tá Pirando terá fantasias, carro alegórico e até escultura gigante. Foto Heitor Abreu
O desfile do Tá Pirando terá fantasias, carro alegórico e até escultura gigante. Foto Heitor Abreu
O desfile do Tá Pirando terá fantasias, carro alegórico e até escultura gigante. Foto Heitor Abreu

(Por Cristina Cople*) – O bloco “Tá Pirando, Pirado, Pirou!”, popularmente conhecido como Bloco do Pinel (Instituto Municipal Phillippe Pinel) corre contra o relógio para desfilar neste domingo (19/02),  com toda a riqueza de detalhes que o enredo inspirado em Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, merece. Tem fantasias, carro alegórico e até uma escultura gigante.

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Não queremos saber quem é quem, nós temos que nos misturar. E a gente faz isso como uma grande festa, só uma vez por ano, mas com o sonho de que essa questão de quem está se tratando e quem não está não se coloque mais como se coloca hoje

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Com o título “Meu caro amigo Augusto Boal, o arco-íris do desejo vai brilhar no carnaval”, o bloco quer reunir gente de todo o tipo em um dos cartões postais do Rio, o Pão de Açúcar, na 13ª edição do desfile. Além dos usuários da rede de saúde mental, saem no bloco os profissionais do setor – médicos, enfermeiros e assistentes sociais. A expectativa é que mais de 1500 pessoas sigam a batucada.

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Mas nem só de diversão vive o bloco do Pinel. A psicóloga do Núcleo de Intervenção Cultural do Instituto, Erínia Maria Belchior, lista os efeitos terapêuticos da preparação para o desfile. “Eles têm mais calma, organização, autonomia, amizade, respeito e disciplina. Sabem que têm um lugar onde podem falar e serão ouvidos. Têm um calendário e roteiro a seguir e, o mais importante, evitam a internação. É raro alguém voltar a se internar”.

O bloco reúne pacientes, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e quem mais chegar. Foto Heitor Abreu
O bloco reúne pacientes, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e quem mais chegar. Foto Heitor Abreu

O psicanalista e coordenador do Ponto de Cultura, Alexandre Ribeiro Wanderley, também destaca a importância da socialização. “Não queremos saber quem é quem, nós temos que nos misturar. E a gente faz isso como uma grande festa, só uma vez por ano, mas com o sonho de que essa questão de quem está se tratando e quem não está não se coloque mais como se coloca hoje”, completa.

[g1_quote author_name=”Enéas Elpídeo” author_description=”Autor do samba” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A música tem o poder da catarse. Tirar do inconsciente alguns elementos que, às vezes, atrapalham a gente. Eu me sinto leve quando eu componho e quando eu toco. Outra mudança é que agora não estou com tanta vergonha de falar que eu sou um paciente. A pior coisa é a pessoa se auto estigmatizar, e eu era assim

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Durante todo o ano, os organizadores mantêm oficinas semanais para preparar as pessoas em tratamento para o desfile. Enéas Elpídeo é o coordenador de uma delas, a Oficina de Composição Musical e Registro Fonográfico, e também faz tratamento psiquiátrico no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Franco Basaglia. Além de se beneficiar do tratamento, ele comemora a autoria do samba deste ano, em parceria com Messias Horizonte.

“A música tem o poder da catarse. Tirar do inconsciente alguns elementos que, às vezes, atrapalham a gente. Eu me sinto leve quando eu componho e quando eu toco. Outra mudança é que agora não estou com tanta vergonha de falar que eu sou um paciente. A pior coisa é a pessoa se auto estigmatizar, e eu era assim”, afirma Enéas.

Messias Horizonte, que é funcionário de serviços gerais do CAPS, se juntou ao grupo há apenas um ano. “O samba é a nossa cultura e, através da música, também combatemos o preconceito. Ele existe desde a origem do samba, neste caso por causa da raça, com Pixinguinha, Cartola e Paulinho da Viola. Eles foram quebrando tabus”.

Quatro instituições se entrelaçaram para construir esse projeto: Instituto Philipe Pinel, o Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB), o Instituto Franco Basaglia e a Associação de Moradores da rua Lauro Müller.
Voluntariado vira experiência

Gabriela Renan Cortez, 19 anos, estudante do 5º período de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se tornou voluntária do projeto depois de assistir a um ensaio do bloco no jardim do CAPS. “A primeira vez que eu cheguei na beiradinha, eu fiquei olhando através da grade e me sentia presa do lado de fora de tudo isso. Mas logo fui convidada a entrar e participar. Eu acho que a ideia é incluir, estar todo mundo junto. No sábado da escolha do samba, eu voltei para casa morta, mas pensava: acho que valeu todo este esforço! Ver que a vida de muita gente depende do que estamos fazendo”, diz.

Alexandre Wanderley incentiva outros voluntários a se juntarem ao grupo. “Cada pessoa tem uma coisa que pode acrescentar, uma sugestão, algo que a gente nunca pensou. Trabalho não falta.  Quem vê de fora não consegue imaginar a dimensão”.

A música que transforma

Gilson Secundino, usuário do CAPS, acompanhou o nascimento do bloco, em 2004, e foi quem sugeriu o nome “Tá Pirando, Pirado, Pirou!”, aceito por todo o grupo. “A gente ainda carrega esse estigma. A loucura é inerente ao ser humano. Tem muito mais coisa no nosso inconsciente do que se apresenta no dia a dia”, diz o historiador que toca atabaque na bateria. Mas a paixão pela música supera qualquer dificuldade. “O primeiro presente que eu ganhei de Natal do meu pai foi um tamborim de madeira. Eu me lembro até hoje. Isso é orgânico, nasce com a gente”.

Na sua 13ª edição, o bloco vai desfilar nos arredores do Pão de Açúcar. Foto Heitor Abreu
Na sua 13ª edição, o bloco vai desfilar nos arredores do Pão de Açúcar. Foto Heitor Abreu

A psicóloga Erínia Maria Belchior ressalta que o bloco está rompendo barreiras, mas acrescenta que ainda há um longo caminho pela frente. “Sempre tem aquele resquício, gente que acha que o louco tem que ficar trancafiado. Mas, em geral, o bloco é bem aceito na sociedade. As pessoas vêm, curtem e não tem confusão. Sabem que é tranquilo, que ali ninguém está surtado, rasgando a roupa etc. Quem vem sabe a função do bloco e quer agregar. Tem louco? Tem! Mas todo mundo pode ser um pouco”, completa.

Nos dias que antecederam o desfile, Alexandre Wanderley ainda buscava doações e ajuda financeira. Depois de perder o apoio da Petrobras, o bloco ficou com o orçamento prejudicado, mas conseguiu do Sindipetro de Caxias a doação de garrafas d´água para distribuição. Agora, ele conta com a participação de voluntários e interessados na questão da saúde mental.

(*) Jornalista, com especialização em Ajuda Humanitária e ao Desenvolvimento pelo Departamento de Relações Internacionais da PUC-Rio. Trabalhou em vários veículos, como a Globonews, a Rede Record, os portais Zip.Net e Click 21. Atualmente se dedica à área de comunicação e educação na empresa Plano B, além de colaborar com projetos sociais.

Atados

É um site que conecta ONGs e projetos sociais com voluntários. Através do endereço (www.atados.com.br) é possível conhecer algumas iniciativas e se inscrever para um trabalho voluntário. O Atados também presta serviços na área de responsabilidade social corporativa, engajando empresas em causas sociais, além de criar projetos próprios como o Abraço Cultural, um curso de línguas em que os refugiados são os professores. Esse texto faz parte de um desses projetos: o comunicadores. São jornalistas e fotógrafos que, voluntariamente, contam histórias inspiradoras sobre pessoas que atuam na área social.

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