ODS 1
A solitária decisão de Maria
A triste história de uma mulher, entre tantas, que abortou no banheiro
Atualização em 14/11: Diante da ameaça da PEC do Aborto, o Projeto #Colabora relembra a história de Maria.
“A solidão não decorre da ausência de pessoas à nossa volta, mas é vivenciada quando as pessoas à nossa volta não entendem o que sentimos em nosso íntimo”, Carl Jung
Maria (nome fictício), tinha 24 anos quando conheceu seu namorado, que tinha mais do que o dobro da sua idade. Os amigos a alertavam que ele não a reconhecia como namorada e pediram que ela diminuísse as expectativas sobre a relação. Ela então o indagou: “O que somos afinal?”. Ele respondeu: “Somos uma aventura, baby!”. Foi o suficiente para que ela se afastasse. No entanto, ele continuou a procurá-la e com promessas de que ficariam juntos. Ele então assumiu a relação. Sobre filhos, as conversas eram raras. Ele disse para ela que não havia feito a vasectomia pois ainda sonhava em ter mais filhos. “Apenas não quero um filho agora. Me separei há pouco tempo, vamos esperar as coisas se acalmarem”, ele teria dito.
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Veja o que já enviamosComo Maria possui a Síndrome do Ovário Policístico suas chances de engravidar eram mínimas. E ela e o namorado usavam apenas o tradicional método da tabelinha como prevenção. Em maio de 2014, já com 27 anos, começaram os primeiros enjôos. Estava grávida. E com 2 meses e meio do processo de gestação. Mas estava feliz por ter um homem que a amava ao seu lado e com toda a segurança financeira.
Enviou para ele uma mensagem SMS para contar a novidade. Ele respondeu “não quero ter um filho agora”.
As brigas começaram. Ela queria ter o filho, mas ele insistia que não. Então ele disse que ela teria todo o apoio legal e financeiro que precisasse para ter a criança, mas que esta escolha levava ao fim da relação deles e nem mesmo o bebê ele desejaria conhecer. E ele a pressionava de todas as formas, prometendo uma vida maravilhosa com mais viagens e compras, caso decidisse pelo aborto.
As trocas de mensagens SMS entre eles se intensificam e as brigas ficam cada vez mais constantes.
Ela decide ter o filho.
Furioso com a decisão, decide abandoná-la. Não atendia as ligações e nem as mensagens.
Aos poucos retornam os contatos. Ele desqualificava as qualidades dela como mãe. Afirmava que ela teria que viver uma vida completamente diferente e que ele queria era curtir a vida. Se decidisse ter a criança, seria um bastardo. Ao mesmo tempo em que a desqualificava, a levava ao shopping para compras de artigos caros.
O tempo avançava.
Após diversas pressões psicológicas, ela aceita realizar o aborto, mas o médico que ele conhecia se recusa a fazer o procedimento devido ao tempo avançado no processo de gestação. Então ele recorre ao Citotec. Ela tomou o remédio em uma noite qualquer as 20h e abortou as 5h da manhã seguinte, em um vaso sanitário, como é bastante frequente em mulheres que abortam por este método. Fisicamente, ele ficou ao lado dela. Após o aborto ele a levou a clínica do amigo para o processo de curetagem.
Eles continuam juntos. Ela ainda está sozinha.
*O texto conta uma história verídica, sem revelar nomes dos envolvidos
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Fotógrafo especialista em documentários, viagens e culturas. Abandonou o doutorado em Relações Internacionais pela Universidad de Santiago do Chile para se dedicar a contar histórias. Atualmente reside em Curitiba (PR). Publica reportagens independentes sobre desastres ambientais, crise hídrica, imigração, trabalho escravo etc. no Guardian (Inglaterra), na National Geographic (Brasil), no El País (Brasil), no Roads and Kingdoms (EUA), no GlobalPost (EUA), na Gazeta do Povo (Paraná) e no #Colabora.