Nós no trânsito

Uber-X, a falsa solução nova para problemas muito velhos

Por Carla Rodrigues | Mobilidade UrbanaODS 16 • Publicada em 9 de agosto de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:00

A ideia de privilegiar a circulação do transporte público está presente também no sistema dos BRTs
A ideia de privilegiar a circulação do transporte público está presente no sistema dos BRTs
A ideia de privilegiar a circulação do transporte público está presente no sistema dos BRTs

Se durante as manifestações pela tarifa zero, organizadas pelo Movimento Passe Livre em 2013 em São Paulo e diversas outras capitais, algum governante tivesse repetido o gesto de Maria Antonieta e dissesse: “Não têm ônibus, andem de Uber-X!”, provavelmente perderia a cabeça, senão na guilhotina, pelo menos nas eleições. Passados pouco mais de três anos, as passagens continuam caras, os ônibus seguem monopolizados por grande empresas e atendem mal à população. A grande novidade no quesito mobilidade urbana é mesmo o Uber-X.

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O Uber-X corrompe as políticas de redução do automóvel nas ruas em prol de um tipo de solução de mercado que é predadora em todos os sentidos…Carros comuns que se pretendeu tirar das ruas estão fazendo com que essas ruas fiquem cada vez mais engarrafadas.

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Não por acaso a empresa acaba de anunciar um investimento de 500 milhões para ter seu próprio sistema de mapeamento. Hoje, a maioria dos aplicativos de geolocalização usa as imagens e satélites do Google, apenas alterando a interface e acrescentando eventuais interações. O Uber-X tornou-se a solução que o mercado tem a oferecer diante da incapacidade do Estado de responder à demanda por transporte bom e gratuito. Na prática, os ônibus piratas que saem todos os dias do Centro do Rio em direção aos bairros mais distantes da Zona Oeste também são a prova de que o mercado quase sempre pode oferecer soluções, mesmo ruins, para aquilo que não se resolve no âmbito da vida comunitária.

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Na cidade do Rio de Janeiro, as faixas exclusivas são parte da política de uso do espaço público. As multas inicialmente fixadas em  R$ 1.500  para quem ousar passar pelas pistas exclusivas das comitivas olímpicas estão aí para provar meu argumento. De fato, espaços destinados apenas para ônibus e táxis são uma conquista recente no ordenamento do espaço urbano e fizeram muita diferença na mobilidade. A racionalidade dos pontos de parada dos BRS custou um pouco a ser entendida, mas o confinamento dos ônibus fez diferença no trânsito. A ideia de privilegiar a circulação do transporte público está presente também no sistema dos BRTs, cuja pista exclusiva de novo tira espaço do automóvel individual em prol do coletivo (difícil é entender porque é sobre rodas, e não sobre trilhos, e porque tantas siglas). O recém-inaugurado VLT também segue a mesma lógica e reduz o espaço para os carros onde eles não deveriam mesmo estar, tornando quase europeia a experiência de desembarcar no Aeroporto Santos Dumont ou até mesmo na Rodoviária Novo Rio.

O Uber-X, no entanto, anda na contramão disso tudo. Não me refiro ao Uber Black por entender que este, custando o mesmo preço do táxi – ou eventualmente até mais – é menos relevante para o meu argumento. Minha ideia é pensar que o Uber-X corrompe as políticas de redução do automóvel nas ruas em prol de um tipo de solução de mercado que é predadora em todos os sentidos. Destitui a municipalidade de qualquer capacidade de ordenamento do trânsito; são incontáveis, e estão por toda parte sem qualquer tipo de fiscalização. Carros comuns que se pretendeu tirar das ruas estão fazendo com que essas ruas fiquem cada vez mais engarrafadas. Como cobram tarifas muito mais baratas, também estão acabando com a profissão de taxista. São, alega-se, alternativa para quem está desempregado. Lógica que não se sustenta, porque estão comendo uma fatia do mercado de trabalho de uma categoria – o motorista de táxi – que, por autônomo,  não soma na conta do desemprego.

O mais difícil de enfrentar, me parece, é o fato de que o Uber-X se apresenta como “solução horizontal”, facilitada pela possibilidade de compartilhamento de informações que caracteriza hoje a nossa forma de interação social via redes. Criticá-lo soa como uma forma anacrônica de pensar a vida em sociedade. Mas talvez seja possível por um instante conter nosso ingênuo entusiasmo com a roda frenética da inovação para pensar que  o Uber-X apenas fez ressurgir a velha “lotada”, aquela proibida aos taxistas, oferecendo, agora pela tecnologia, aquilo que as pessoas continuam querendo e precisando fazer: diminuir o custo de um trajeto longo e caro para chegar mais rápido em casa. Porque essa equação não pode ser resolvida pela via pública é a grande pergunta que circula todos os dias entre os nós do trânsito.

Carla Rodrigues

Professora de Ética do Departamento de Filosofia da UFRJ, mestre e doutora em Filosofia (PUC-Rio), e pesquisadora da teoria feminista. Coordena o laboratório "Escritas - filosofia, gênero e psicanálise" (UFRJ/CNPq). É autora, entre outros, de "Duas palavras para o feminino" (NAU Editora, 2013).

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