A luta pela igualdade

Equipe do IDBB com Teresa D´Amaral, sócia fundadora da ONG

IBDD - Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Por Luciana Calaza | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 3 de março de 2016 - 08:00 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:24

Equipe do IDBB com Teresa D´Amaral, sócia fundadora da ONG
Equipe do IDBB com Teresa D´Amaral, sócia fundadora da ONG
Equipe do IDBB com Teresa D´Amaral, fundadora da ONG, e Valdir Mansur (de camisa vermelha)

Valdir Mansur é a cara do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD). Há 10 anos, é ele quem recebe o público na sede da organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Até os 13 anos, Mansur, hoje com 36, viveu quase todos os seus dias num hospital. Não podia andar, pois nascera com as duas pernas atrofiadas e os pés virados para dentro. Depois de sete cirurgias, inclusive para colocação de placas de platina para ter mais força nas pernas, passou a caminhar com muletas. Mas os estudos ficaram para trás. Deficiente, sem qualificação profissional, “favelado” (ele é morador da Rocinha), Mansur não vislumbrava oportunidade no mercado de trabalho. Mas ela veio – para ele e para outras 4.614 pessoas com deficiência no Estado do Rio. Com a ajuda do IBDD.

A consciência da cidadania usurpada das pessoas com deficiência e a crença na participação da sociedade para a construção de um Brasil mais justo levaram a historiadora Teresa Costa D’Amaral a fundar, em 1998, o IBDD, que atua em duas frentes principais: a inclusão pelo trabalho e a defesa de direitos. Em sua bagagem, Teresa trazia a experiência de ter sido uma das criadoras, em 1986, da Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), ligada à Presidência da República. Por cinco anos, no Governo Sarney, esteve à frente da Corde e liderou a discussão e a aprovação da Lei dos Direitos das Pessoas com Deficiência (7853/89), no Executivo e no Legislativo. Programática por excelência, a lei representou um marco inovador através do qual, pela primeira vez, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade em assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos.

Luta por emprego e renda

No núcleo de inclusão pelo trabalho, o IBDD busca oportunidades para pessoas com deficiência e oferece cursos de profissionalização. Desde 2002, já qualificou 6.356 pessoas e tem, atualmente, 425 funcionários espalhados por empresas de ramos diversos, em contratos de terceirização. O IBDD presta, ainda, às empresas, consultoria especializada para a contratação de pessoas com deficiência, já tendo recebido demandas de instituições como Furnas, Coca-Cola, Leader, Vale, Embratel, Merck, Ipiranga e Shell Brasil, entre outras.

O núcleo de defesa de direitos, formado por advogados, trabalha tanto em ações individuais quanto em ações coletivas. Até hoje, cerca de mil pessoas com deficiência já tiveram seus direitos assegurados na Justiça por ações individuais propostas pelo IBDD – a equipe de advocacia obteve vitória em 99% dos casos. Os resultados de sua atuação na Justiça tornaram o IBDD uma referência nacional e, por isso, frequentemente o instituto é convidado a compartilhar seu know-how com entidades públicas e privadas.

Todos os serviços ao público do IBDD são gratuitos, independentemente de renda. A organização se mantém com o dinheiro das consultorias prestadas às empresas. Em 2016, o orçamento total, adicionando o custo dos funcionários com contratos de terceirizações de mão de obra, é de R$ 35 milhões. Mas o orçamento real, isto é, sem esse custo, que é pago pelas empresas contratantes, é de R$ 2,3 milhões. Trabalham diretamente na sede do IBDD 18 pessoas.

Havia um espaço não atendido para estes serviços voltados às pessoas com deficiência. Isso fez com que o IBDD, sem nunca ter feito um anúncio, tivesse sempre uma forte demanda

Desde o início, se optou por não receber verbas públicas. “Decidimos que viveríamos dos serviços de consultoria que prestamos, seja para empresas ou mesmo para governos, mas não receberíamos verba de doação. Pois uma coisa era clara: precisávamos ter independência política para fazer as ações civis públicas”, explica Teresa. Pelo plano de negócio autossustentável, o IBDD recebeu, em 2002, o Prêmio Empreendedor Social Ashoka McKinsey.

Ganhou, mas não levou

Mesmo com a independência política, as ações civis públicas são o calcanhar de Aquiles do IBDD. O instituto já ganhou quatro relativas à acessibilidade: uma para os prédios públicos, outra para prédios particulares de uso coletivo, duas para meios de transporte. Em todas, a Justiça entendeu que o direito era inquestionável e determinou sua efetivação. Mas, até hoje, nem a lei nem a sentença judicial foram obedecidas. Com a multa estabelecida de mil reais por dia por prédio não adaptado, o valor devido, até 18 de janeiro, por União, Estado do Rio e município do Rio de Janeiro, é de R$ 39,4 bilhões – esse valor está sendo atualizado diariamente no site do IBDD, pelo “Multômetro”.

Lutamos pelo direito à igualdade. Não o direito de ser igual, mas a possibilidade de, sendo diferente, ter acesso aos mesmos direitos. Não somos uma instituição assistencialista: o IBDD cria oportunidades reais para que o próprio deficiente resgate sua auto-estima e exerça seu papel de cidadão na sociedade

Por que a fundadora do IBDD, atualmente no cargo de superintendente, abraçou essa causa? Teresa teve uma irmã, quatro anos mais nova, que tinha uma paralisia cerebral grave, e morreu aos 12 anos. E teve um sobrinho, com síndrome de Down, que morreu aos 18, num acidente. “Mas nunca foi uma questão pessoal, pois eles já não estavam entre nós quando o IBDD foi fundado”, diz ela. “Eu queria de alguma forma ajudar a construir um país mais justo. Acho que era um sonho e uma ousadia que, quando a gente é jovem, consegue ter”.

Mansur, o recepcionista do IBDD, foi parar no instituto por pura sorte. Morador da Rocinha, na juventude ele costumava ir, com amigos da favela, para a Praia de São Conrado. Aprendeu a nadar sozinho, no mar, e era o que fazia diariamente. Não vislumbrava a possibilidade de trabalhar. Até que, em 2004, um funcionário do IBDD o viu nadando. E o convidou para fazer natação num clube que era parceiro do instituto, na Glória. Mansur começou a praticar natação, basquete e rúgby em cadeira de rodas, num projeto esportivo que, infelizmente, acabou por falta de verba. Até que surgiu uma vaga, para cobrir férias, de porteiro do clube. Aos 25 anos, era a primeira oportunidade do rapaz no mercado de trabalho. Pouco tempo depois, ele era o titular da vaga de recepcionista da sede do IBDD.

Hoje, Mansur vai à praia só aos fins de semana. De segunda a sexta, pega seu ônibus e bate ponto às 8h no IBDD: “Eu mesmo tinha preconceito contra mim.Agora, digo aos deficientes que vêm ao instituto: ‘Foca nos estudos! Seja produtivo!’ Cheguei a requerer, antes de ter um emprego, aposentadoria por invalidez. Foi negada. Depois que comecei a trabalhar, decidi não mais batalhar por ela. Se eu tivesse esse benefício, iria me acomodar. E hoje não teria um trabalho, uma vida social, uma esposa”.

Luciana Calaza

Carioca, jornalista com mais de 15 anos de experiência na redação de O Globo, mãe de Felipe e Rafael. Em 2014 começou a pensar de que modo a comunicação pode ajudar a criar um mundo sem barreiras e decidiu colocar sua carreira a serviço da garantia dos direitos humanos, especialmente de crianças e adolescentes com deficiência.

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