Acolhimento provisório e colo

Berçário da ONG Lar, Luz e Amor

Lar Luz e Amor

Por Wilson Aquino | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 28 de julho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:21

Berçário da ONG Lar, Luz e Amor
Berçário da ONG Lar, Luz e Amor
Espaço para atividades lúdicas das crianças

Levando em conta o aconchego que é o Lar Luz e Amor, as famílias interessadas em adotar uma criança ou que queiram levar de volta para casa os pequenos que foram separados por ordem da Justiça, têm de estar muito bem preparadas para acolher esses bebês. Mais do que roupinha limpa, caminha arrumada e refeição feita na hora, as criancinhas abrigadas no Lar ganham colinho. Colinho de vovó. Nescy Fernandes da Silva, a Vó Nescy, mais do que fundadora e presidente, é a matriarca do abrigo Lar Luz e Amor, uma casa de acolhimento para crianças de zero a quatro anos, em situação de risco, que funciona em Higienópolis, em área anexa ao Abrigo Cristo Redentor.

A maioria dos acolhidos é de bebês, alguns com dias de nascido, filhos de moradores de rua, viciados em crack, que vivem em estado de abandono e necessitam de proteção – e colo. Ficam no abrigo até que o Juizado de Menores decida o destino deles. As alternativas são duas: adoção ou a reinserção familiar. “Temos algumas crianças um pouco maiores de quatro anos, pois quando há irmãos é preciso acolher a todos, mantendo-os juntos”, explica Cláudia Lóssio, uma das cinco pessoas que compõem a diretoria voluntária do abrigo. Os anjos da guarda de Vó Nescy.

Basta amor, não precisa ter fazenda em Mato Grosso

A solidariedade dos “amigos” e a dedicação de Vó Nescy é que mantêm o abrigo de portas abertas. Isso porque essas pessoas se recusam a enxergar a criança abandonada como problema social. Enxergam como criança que precisa de cuidados. “Basta amor, não precisa ter fazenda em Mato Grosso”, brinca Vó Nescy, que completa 79 anos em outubro. Atualmente, o Lar cuida de 17 crianças e, pelos cálculos do Ministério Público, fiscalizador das instituições, a média anual de atendimento chega a 180. A instituição não recebe um centavo de verba pública.

Da dor ao amor

Vó Nescy (no meio) e duas voluntárias do projeto
Vó Nescy (no meio) e duas voluntárias

Vó Nescy sempre teve vocação para cuidar de crianças. Teve sete filhos do casamento com Francisco Farias, seu cúmplice, que a ajudou a erguer o Lar. E adotou outros sete. “As mães solteiras pediam para eu cuidar, porque sabiam que eu tinha muitos filhos e, às vezes, sumiam. Aí, eu peguei a primeira, a segunda e, em 1992, já tinha meus sete filhos e duas adotadas”. Foi no dia 31 de outubro de 1992, aniversário de Vó Nescy, que ela sofreu o mais duro golpe da sua vida. O filho caçula, Cláudio, então com 22 anos, faleceu em um acidente de carro. “Ele estava vindo almoçar comigo”, lembra com profunda tristeza. “Fiquei perdida, não tinha mais fé em Deus.

Passei a costurar feito uma louca até de noite, para aliviar a dor”. Foi quando a vida lhe deu a oportunidade de transformar a dor, em amor. Nessa ocasião, oito crianças abandonadas foram parar dentro do Abrigo Cristo Redentor, uma instituição do Estado voltada para velhinhos desamparados e doentes. Como as crianças não poderiam ficar ali, corriam o risco de serem jogadas na rua. “Uma amiga pediu para eu abraçar essa causa. Eram oito crianças, com até quatro anos”, recorda Vó Nescy. “Abandonei a minha casa. Deixei marido, deixei tudo. Foi meio trágico, meus filhos ficaram sentidos, mas vim. Dormia no chão com essas oito crianças, mas um mês depois, já eram 38 crianças para eu cuidar”. Ficou com a criançada em uma casinha rudimentar, de quarto e sala, localizada num terreno dentro do Abrigo Redentor.”Talvez tenha sido um ato de loucura, mas que, pra mim, foi confortável. Aceitei a morte do meu filho. Continuei aqui sem nem ir em casa. Falei: não volto. Lá em casa tem um vazio que não me completa mais e eu quero ser mãe de quem não tem ninguém pra cuidar”.

Depois de seis meses sem voltar para seu espaçoso apartamento na Penha, Vó Nescy recebeu o marido no abrigo improvisado. Seu Francisco, que ganhava a vida como serralheiro, também largou tudo e foi ficar com ela e as crianças.

“A gente trazia as coisas de casa, os vizinhos davam, eu costurava, fazia roupa, vendia, mas ninguém passou fome e meu trabalho seguia”, conta. A história da velhinha que cuidava de dezenas de crianças abandonadas, numa casinha, cercada de mato, na área do Abrigo Cristo Redentor, ganhou as ruas e as casas das pessoas que queriam ajudar. Muitas delas passaram a fazer doações regularmente para manter o lugar funcionando, mesmo que precariamente. Mas, a história também chegou aos ouvidos das autoridades competentes. “Aí, veio o pessoal do Juizado de Menores, porque chegaram muitas denuncias sobre uma senhora de idade com uma porção de crianças sem nada legalizado”, lembra Vó Nescy, para em seguida exibir um delicioso sorriso. “Cada vez que o juiz vinha aqui, a casa aumentava um pouco, abria outra porta. A casa cresceu, construímos o outro lado”, diz a Vó, referindo-se ao móvel maior, onde além de quartos e banheiros, brotou uma bela cozinha. Tudo com dinheiro de doação e a força de trabalho do seu Francisco e dos voluntários.

Espaço vitalício

Até que em 1998, mais denúncias e veio um pessoal de Brasília. O terreno, apesar de estar dentro dos muros do Abrigo Cristo Redentor, pertencia à Legião Brasileira de Assistência (LBA). Vó Nescy sorri novamente. “Eles me cederam o espaço, para que fizesse a obra social, sem interferência de ninguém. É vitalício. Fiquei feliz da vida. Comecei a fazer almoços, eventos e a sonhar. Queria uma casa de dois andares. Aí legalizou tudo e o Colégio Santa Mônica e a Eletromar ajudaram a fazer o prédio”.

O prédio, do jeito que Vó Nescy sonhava, tem três quartos: o dos meninos, das meninas e dos bebês. Tem ainda salas para atividades e um cômodo onde Vó Nescy guarda as coisas do bazar e a velha máquina de costura, que até hoje ela usa para fazer fronhas e umas roupinhas para vender no bazar. Seu Francisco morreu há oito anos. Ele e Nescy foram casados durante 52 anos. “Sou do Rio Grande do Norte. Ele era do Ceará. Vim pro Rio de Janeiro, com 16 anos. Tinha família estruturada. Mas conheci ele, casei com 19 anos e mudei minha vida”, conta a Vó, que chegou a estudar até o quinto período na faculdade de Serviço Social. “A minha vida é isso e eu vou continuar”, diz Vó Nescy, aquela que saiu de casa para erguer um Lar.

Wilson Aquino

Wilson Aquino é repórter e autor do livro Verão da Lata (editora Leya)

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Um comentário em “Acolhimento provisório e colo

  1. Christiane Cerboni disse:

    Prezados, estou ajudando a uma moça de 24 anos com um filho de 2 anos a encontrar um abrigo provisório, por 15 dias, para permanecer, pois ela não tem emprego e nem dinheiro para alimentar seu filho. A necessidade dela é IMEDIATA!

    No aguardo de um retorno, sobre como proceder para o amparo através de sua instituição, desde já agradeço.
    Att.

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