O cemitério dos smartphones

Manifestantes do Greenpeace na Índia, protestam contra a exportação de lixo eletrônico. Foto Raveendran/AFP

Volume de lixo eletrônico chega a 55 milhões de toneladas, mais de 7 kg por pessoa

Por José Eduardo Mendonça | LixoODS 14 • Publicada em 6 de março de 2017 - 09:20 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:58

Manifestantes do Greenpeace na Índia, protestam contra a exportação de lixo eletrônico. Foto Raveendran/AFP
Trabalhadores chineses removem ouro, paládio e cobre das placas de circuitos eletrônicos. Foto Imaginechina
Trabalhadores chineses removem ouro, paládio e cobre das placas de circuitos eletrônicos. Foto Imaginechina

Se existisse um cemitério de smartphones, onde esses brinquedinhos eletrônicos estariam enterrados? Na Ásia, provavelmente, junto com computadores e aparelhos similares. O nível de poluição causado por eles chega a ser alarmante, principalmente na China.  Lá, a quantidade mais que dobrou de 2010 a 2015, de acordo com um novo estudo da Universidade das Nações Unidas.  Na média, o lixo eletrônico descartado, nos 12 países do sudeste da Ásia, chegou a 12,5 toneladas, apenas em 2015. O crescimento de renda, o aumento da população jovem, a obsolescência de produtos provocada pelas inovações tecnológicas e pela moda, e o mercado de comércio ilegal respondem pela maior parte do desastre.

Todos nos beneficiamos do luxo destes produtos elétricos e eletrônicos que, em certa extensão, tornam nossas vidas mais fáceis, e às vezes mais complicadas. Mas se quisermos continuar como estamos, devemos investir na reutilização

“Na ausência de materiais de proteção, como luvas e máscaras, a inalação e a exposição direta a substâncias perigosas afeta diretamente a saúde”, diz Shunichi Honda, coautor do trabalho. “Foram relatadas associações de tratamento impróprio do lixo com funções alteradas da tireoide, redução da função pulmonar, crescimento reduzido em crianças, problemas com o desenvolvimento cognitivo, citotoxicidade e genotoxicidade” afirma ele.

Entram também na lista problemas de fertilidade, danos aos rins e fígado e saúde mental. Os trabalhadores que vivem desse lixo estão atrás de ouro, prata, paládio e cobre, principalmente das placas de circuito, mas o processo de extração por banho de ácido libera fumaça tóxica e também é ineficaz, recobrando apenas uma porção dos metais valiosos.

“Os consumidores da Ásia trocam agora seus aparelhos com mais frequência. Além disso, muitos equipamentos são desenhados para produção de baixo custo, mas não necessariamente para reparo e fácil reciclagem”, afirma o relatório. Ele pede que os governos coloquem em vigor leis específicas de manejo. Mas, principalmente, que garantam rigorosamente a aplicação das leis existentes.

Manifestantes do Greenpeace na Índia, protestam contra a importação de lixo eletrônico. Foto Raveendran/AFP
Manifestantes do Greenpeace na Índia protestam contra a importação de lixo eletrônico. Foto Raveendran/AFP

Apenas a Coréia do Sul, Taiwan e Japão têm há tempos sistemas de reciclagem baseados em leis introduzidas nos anos 1990. O descarte de componentes com mercúrio e chumbo, locais de queima de plástico para a extração de cobre e operações de fundo de quintal para a retirada de metais preciosos são a norma na maioria dos países na área, que incluem Indonésia, Tailândia e Camboja. Eles também não possuem leis para enfrentar o problema.

Cerca de 40% do lixo gerado por norte-americanos foram parar em países asiáticos E quase todas essas exportações foram ilegais segundo a lei americana

Para dar um exemplo, um smartphone usa mais da metade da tabela periódica de elementos, alguns dos quais muito raros e que, a longo prazo, estarão exauridos sem reciclagem.

Ruediger Kuehr, um dos autores do estudo, diz que a quantidade de lixo gerado é mais alta do que as autoridades estimam, em parte por causa de suas definições estreitas, e deveriam ser um alerta para legisladores e consumidores.

“Todos nos beneficiamos do luxo destes produtos elétricos e eletrônicos que, em certa extensão, tornam nossas vidas mais fáceis, e às vezes mais complicadas”, afirma. “Mas se quisermos continuar como estamos, devemos reutilizar os materiais usados.”

Na China, a montanha de TVs, computadores, monitores e brinquedos eletrônicos e aparelhos domésticos pequenos cresceu 6,78 toneladas apenas em 2015. Isto é um aumento de 107% em cinco anos. Para se ter uma ideia de escala, se cada homem, mulher e criança na China tivesse um monitor de LCD e o jogasse no lixo, a pilha não alcançaria a tonelagem de 2015.

A maior parte do lixo que se encontra na Ásia provem da Europa e América do Norte, apesar das restrições de exportação e importação da maioria dos países, diz Jim Puckett, coordenador da ONG Basel Action Network (BAN).

“Já foi mais difícil rastrear a escala do que é importado pela Ásia. A BAN colocou rastreadores GPS dentro de velhas impressoras e monitores enviados no ano passado a centros de reciclagem nos Estados Unidos para obter um quadro mais claro. “Cerca de 40% do lixo gerado por norte-americanos foram parar em países asiáticos E quase todas essas exportações foram ilegais segundo a lei americana”, diz Puckett. “Alguns dos rastreadores foram apagados, e eu colocaria isso em 50%”.

A China faz repressão aos centros importadores, mas mesmo assim a cada dia 100 containers de lixo entram nos portos chineses. “Existem pelo menos 100 pontos onde materiais de valor são retirados, em uma área semi-rural de Hong Kong chamada Os Novos Territórios. Foi lá que achamos a maioria das impressoras e monitores com nossos rastreadores”, acrescenta Puckett.

O volume global de lixo eletrônico deve crescer 33% nos próximos quatro anos, quando terá o peso equivalente a oito das grandes pirâmides do Egito, diz a Step, organização da ONU montada para combater a crise. No ano passado, foram geradas no mundo 55 milhões de toneladas – ou mais de 7 quilos para cada pessoa no planeta.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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