A força da mulher no mercado

Progresso das sociedades é incompatível com a discriminação de gênero e com a subutilização da produção feminina

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 1 • Publicada em 1 de maio de 2017 - 08:00 • Atualizada em 9 de outubro de 2023 - 13:16

Dia Internacional da Mulher é comemorado no dia 8 de março e foi criado com o objetivo de questionar as desigualdades de gênero e comemorar as conquistas econômicas, sociais e políticas. As mulheres brasileiras obtiveram diversas vitórias desde o início do século XX: conquistaram o direito de voto em 1932, tornaram-se maioria da população na década de 1940, reduziram as taxas de mortalidade e ampliaram a diferença na esperança de vida em relação ao sexo masculino, conquistaram direitos jurídicos iguais na Constituição de 1988, obtiveram diversas vitórias na legislação nacional, tornaram-se maioria do eleitorado a partir do ano 2000, aumentaram a presença nos espaços de poder (inclusive conquistando o cargo máximo do Poder Executivo), são maioria dos beneficiários da previdência social, ultrapassaram os homens em todos os níveis de ensino e ampliaram as taxas de participação no mercado de trabalho, dentre outras conquistas.

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Evidentemente, nem tudo são flores. Por exemplo, a maior inserção feminina no mercado de trabalho reduziu, mas não eliminou a segregação ocupacional, nem a discriminação salarial e muito menos a dupla jornada (no emprego e em casa).

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Evidentemente, nem tudo são flores. Por exemplo, a maior inserção feminina no mercado de trabalho reduziu, mas não eliminou a segregação ocupacional, nem a discriminação salarial e muito menos a dupla jornada (no emprego e em casa). Mas os avanços ocorridos entre 1950 e 2010 foram estupendos. De acordo com os censos demográficos, do IBGE, durante 60 anos a PEA masculina cresceu 3,6 vezes, enquanto a PEA feminina cresceu 16 vezes. As taxas de atividade masculinas caíram de 80,8% em 1950 para 67,1% em 2010, enquanto a taxa de atividade feminina passou de 13,6%, em 1950, para 48,9%, em 2010. Ou seja, as mulheres foram a força renovadora do mercado de trabalho brasileiro e deram uma contribuição inestimável ao desenvolvimento do país. E o mais importante, foram as mulheres com maiores níveis educacionais que apresentaram as maiores taxas de inserção produtiva.

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A mulher brasileira impulsionou o bônus demográfico. O bônus é o aproveitamento do momento em que a estrutura etária da população atua no sentido de facilitar o crescimento econômico e o bem-estar social. Isso acontece quando há um grande contingente da população em idade ativa (PIA) e um menor percentual de crianças e idosos no total da população. Esta janela de oportunidade demográfica só acontece uma vez na história de cada país e a colheita da estrutura etária favorável aconteceu graças ao bônus demográfico feminino, pois foram as mulheres que garantiram o crescimento da PEA, desde o fim da Segunda Guerra até recentemente.

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O Brasil tornou-se um bom exemplo de retroalimentação sinérgica entre o empoderamento da mulher e o desenvolvimento econômico, já que o caminho da emancipação feminina e da emancipação social passa, necessariamente, pela conquista de direitos substantivos e pela prevalência da igualdade de oportunidade entre os sexos na família e na sociedade

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A igualdade de gênero, em geral, contribui para o progresso socioeconômico e o desenvolvimento, justo e inclusivo, impulsiona a equidade entre homens e mulheres. No final do ano passado, a ONU Mulheres divulgou o relatório “El Progreso de las Mujeres en el Mundo 2015-2016: Transformar las Economías para Realizar los Derechos”, onde mostra o vínculo indissociável entre o respeito aos direitos humanos das mulheres, o empoderamento feminino e a prosperidade econômica. É crescente o reconhecimento de que o progresso das sociedades é incompatível com a discriminação de gênero e com a subutilização da capacidade produtiva e criativa da metade da população mundial. Por tudo isso, não há como ignorar a inflexão ocorrida no mercado de trabalho brasileiro a partir de dezembro de 2012. A base de dados que nos permite avaliar as mudanças mais recentes é a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE. A PME tem periodicidade mensal e cobre as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

Segundo dados da PME, a população feminina em idade ativa (PIA) das seis regiões metropolitanas mais dinâmicas do país era de 19,8 milhões de pessoas com 10 anos e mais de idade, em janeiro de 2003. A população ocupada (PO) era de 7.9 milhões de mulheres e a taxa de ocupação (PO/PIA) era de 40% em janeiro de 2003. Com o crescimento da população, a PIA feminina atingiu 23,5 milhões em dezembro de 2012 e com o número cada vez mais elevado de mulheres mais escolarizadas no mercado de trabalho, a PO feminina atingiu o número máximo de 11,2 milhões, representando uma taxa de ocupação de 48%. Houve um ganho de cerca de 8 pontos percentuais em 10 anos. Se este ritmo promissor tivesse se mantido a taxa de ocupação atingiria 50% em janeiro de 2016, conforme mostra o gráfico abaixo. Esta seria uma condição fundamental para colher o bônus demográfico e para a decolagem do desenvolvimento brasileiro.

Porém, tudo mudou com o desajuste da economia brasileira. A taxa de ocupação começou a cair em 2013 e há evidências de que as manifestações populares de junho de 2013 já foram reflexo da perda de dinamismo do mercado de trabalho. Em dezembro de 2014, a população feminina ocupada caiu para 11,1 milhões e a taxa de ocupação despencou para 45,9%. Mas o que estava ruim entre 2013 e 2014, piorou muito nos meses seguintes. Em janeiro de 2016 a população feminina ocupada diminuiu para 10,6 milhões e a taxa de ocupação recuou para 43%. Ou seja, a taxa de ocupação, que deveria estar no patamar de 50%, encontra-se sete pontos abaixo. Portanto, há pelo menos 2 milhões de mulheres que poderiam estar trabalhando, mas estão fora da PEA nas 6 regiões metropolitanas cobertas pela PME.

Gráfico Dia Internacional da Mulher
Gráfico Dia Internacional da Mulher

 

A crise econômica brasileira está revertendo uma tendência de aumento da inserção feminina no mercado de trabalho que prevaleceu entre 1950 e 2012. Nos últimos 3 anos tem caído o emprego e crescido o desemprego feminino, especialmente entre as mulheres mais escolarizadas. O Brasil precisaria aproveitar a janela de oportunidade que, demograficamente, vai durar até 2030, quando ainda haverá uma alta proporção de pessoas em idade produtiva e uma baixa proporção de idosos. Com o processo de envelhecimento populacional, o bônus demográfico vai se interromper em um horizonte de tempo limitado. Não dá para perder esta oportunidade histórica. Ou a taxa de ocupação cresce agora ou não crescerá no futuro.

O aproveitamento do bônus demográfico feminino é condição fundamental para melhorar o padrão de vida da população brasileira. Como as mulheres brasileiras possuem maiores níveis educacionais do que os homens, a queda da taxa de ocupação significa não só um grande desperdício de capital humano, mas também uma reversão do processo de empoderamento feminino. Mulheres desempoderadas resultam em uma nação manca e fraturada.

Quem sabe possamos aproveitar o Dia Internacional da Mulher para discutir alternativas para garantir o pleno emprego e o trabalho decente para o conjunto da população brasileira e para a redução das desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Fica a dica do revolucionário francês, Charles Fourier que, em 1808, disse: “o grau de emancipação das mulheres em uma sociedade é o termômetro geral através do qual se mede a emancipação geral”.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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