Sem regra ambiental: desmonte à vista

Proposta em discussão aponta para retrocessos. Agronegócio e grandes obras de infraestrutura podem ficar isentos de restrições para implantar novos projetos

Por Liana Melo | FlorestasODS 14 • Publicada em 9 de maio de 2017 - 15:46 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:52

Reconstrucao da mina da Samarco, apos acidente em Mariana. Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP
Reconstrucao da mina da Samarco, apos acidente em Mariana. Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP
Reconstrução da mina da Samarco, após acidente em Mariana, considerado o mais relevante do mundo envolvendo rejeitos minerais. (Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP)

O Brasil virou um país monotemático. Só se fala na Operação Lava-Jato e nas delações dos investigados. Enquanto isso, a pressão para aprovar reformas estruturais, como a trabalhista e a da previdência, avança a galope e a legislação ambiental está a um passo de ser desmontada. O substitutivo do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) coloca uma pá de cal nas atuais regras ambientais e libera geral. É um golpe no licenciamento. Se o texto do parlamentar for aprovado, não serão mais necessários estudos de impacto ambiental para quaisquer projeto, do agropecuário ao das grandes obras de infraestrutura. Bastará tão somente preencher um documento eletrônico autodeclaratório.

Em nome de mais eficiência e menos burocracia, a proposta foi feita a quatro mãos pela Frente Parlamentar da Agropecuária e a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Avaliada ontem em uma audiência pública, convocada pela Comissão de Meio Ambiente e requerida pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP) – a primeira desde que a sugestão foi apresentada -, ela foi rejeitada por unanimidade por ONGs ambientalistas e entidades de classe, como a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e a Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma).

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Tanto o Ibama quanto o Ministério do Meio Ambiente estão muito preocupados com o texto do Mauro Pereira. Há fragilidades jurídicas e técnicas graves. Nós não acreditamos que esse texto pode servir de base para a futura Lei Geral do Licenciamento Ambiental

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“Tanto o Ibama quanto o Ministério do Meio Ambiente estão muito preocupados com o texto do Mauro Pereira. Há fragilidades jurídicas e técnicas graves. Nós não acreditamos que esse texto pode servir de base para a futura Lei Geral do Licenciamento Ambiental”, afirmou Suely Araújo, presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que esteve presente ao encontro. O parecer do órgão é claro: “não tem condições técnicas ou jurídicas de prosperar sem alteração profunda.”

A cada nova versão do substitutivo – o documento já está na sua sétima versão – o movimento oposicionista cresce na mesma proporção que o texto flexibiliza mais e mais o licenciamento.

Cerca de 60 organizações já assinaram carta denunciando medidas que violam direitos humanos e colocam em risco a proteção ambiental. O documento ressalta especialmente o retrocesso no licenciamento ambiental, além de outros que estão a caminho: venda de terras para estrangeiros, liberação de agrotóxicos, facilitação da grilagem de terras, ocupação de terras públicas de alto valor ambiental e fim do conceito de função social da terra e flexibilização das regras de mineração.

Recuo estratégico

É a primeira vez que Pereira, membro da bancada ruralista, dá um passo atrás – ele retirou a discussão da pauta da próxima reunião da Comissão de Justiça. O recuo, no entanto, não chegou a ser interpretado como uma vitória pela oposição, que considera o texto um dos mais graves retrocessos à legislação atualmente em vigor. A briga vem se arrastando há alguns meses. Como o projeto de lei está tramitando em regime de urgência, ele poderá ir ao plenário da Câmara a qualquer momento, mesmo sem a anuência das comissões. É que o prazo para sua aprovação já venceu.

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Esse projeto não foi discutido com ninguém. Só com a bancada do agronegócio. Trata-se de uma proposta desastrosa do ponto de vista ambiental, que também compromete a segurança jurídica e tende a aumentar a judicialização do assunto

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“Esse projeto não foi discutido com ninguém. Só com a bancada do agronegócio. Trata-se de uma proposta desastrosa do ponto de vista ambiental, que também compromete a segurança jurídica e tende a aumentar a judicialização do assunto”, alerta o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), A Maurício Guetta.

A sugestão de Pereira vai na direção contrária ao posicionamento do próprio ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), que defende mais rigor do licenciamento ambiental especialmente para os empreendimentos de grande porte. Em meio a queda-de-braço, Sarney Filho apelou à Casa Civil numa tentativa de conter o lobby ruralista – pelo visto, não tem tido muito sucesso.

No documento encaminhado ao ministro Eliseu Padilha são ressaltadas as “deficiências” da proposta do peemedebista, especialmente a que transfere para os entes federativos a decisão do tipo de licenciamento ambiental a ser adotado em cada caso. A justificativa é que essa decisão poderá instaurar um “quadro de competição predatória, em que estados podem acabar flexibilizando demais sua legislação ambiental para atrair investimentos, tais como uma mineradora, sendo dispensada de licenciamento em um estado e submetida a licenciamento trifásico com EIA (o mais rigoroso dos procedimentos) em outro.”

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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