Fábrica de Marianas

Bancada conservadora pressiona para derrubar barreiras de proteção ao meio ambiente, como liberar projetos sem licença ambiental

Por Helena Celestino | FlorestasODS 11ODS 13ODS 15 • Publicada em 2 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 4 de julho de 2019 - 19:38

Índios Munduruku podem ter suas terras ameaçadas se forem aprovadas novas usinas no rio Tapajós
Índios Munduruku podem ter suas terras ameaçadas se forem aprovadas novas usinas no rio Tapajós
Índios Munduruku podem ter suas terras ameaçadas se forem aprovadas novas usinas no rio Tapajós

Lembram do grito de guerra das feministas nas manifestações pré-impeachment? “Ai,ai,ai, ai,ai , empurra o Cunha que ele cai”. Elas tinham razão. O  presidente da Câmara caiu, mas seus aliados fortaleceram-se e impulsionam a pauta conservadora tocada pela bancada do boi, da bala e da bíblia, com a bênção dos interinos no Planalto. Agora superpoderosos, os representantes do agronegócio ameaçam tornar irrelevante toda a legislação sobre a proteção ambiental criada na última década no Brasil. Tramitam no Congresso quatro projetos que dão às empreiteiras liberdade para iniciar grandes obras de infraestrutura, sem precisar de licença ambiental e ainda diminuem o poder da Justiça de embargar ações predatórias. No popular, a lei permitiria a construção de hidrelétricas ou barragens sem fiscalização do Estado.

“É a melhor maneira de criar uma fábrica de Marianas”, diz Paulo Adário, diretor do Greenpeace, referindo-se ao maior desastre ecológico do país causado pelo descaso e a irresponsabilidade da mineradora Samarco e suas controladoras – Vale e BHP Billiton.

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Estes argumentos são falsos. As licenças demoram a sair porque os projetos são ruins e inadequados. São caros porque foram feitos para pagar propinas
a partido político, não para construir hidrelétricas

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A base filosófica para a mudança na legislação é um desgastado mantra, recuperado apressadamente pela nova equipe no governo: “os ecologistas são agentes do atraso, fazem exigências descabidas e encarecem as grandes hidrelétricas ao levarem dez anos para dar uma licença ambiental”. Discurso velho, mas agora empoderado pela nova configuração política e a necessidade de o presidente interino Michel Temer mostrar resultados rapidamente. Como criar um ambiente “amigável” para os negócios e atrair investimentos? Entregar às próprias empreiteiras a tarefa de medir o impacto das suas obras sobre o meio ambiente e confiar em que elas mesmas criem soluções para reduzi-lo.

Estes são os pontos fortes do projeto relatado pelo agora ministro da Agricultura, Blairo Maggi, votado mês passado numa comissão do Senado, enquanto o país inteiro só pensava na Lava–Jato e fazia as contas sobre os votos no processo de impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff.
“Estes argumentos são falsos. As licenças demoram a sair porque os projetos são ruins e inadequados. São caros porque foram feitos para pagar propinas a partido político, não para construir hidrelétricas”, rebate Adário. Como se sabe, um dos depoentes da Lava–Jato contou que a Camargo Correa combinou dar R$ 150 milhões de propina ao PMDB e PT para atuar na construção da usina de Belo Monte, símbolo das relações promíscuas entre o público e o privado.

“Se o esquema de propina ainda precisa ser provado, as violações de direitos humanos, o etnocídio dos índios e a destruição ambiental estão fartamente documentadas em Belo Monte”, diz a colunista Eliane Brum na série de reportagens sobre a terceira maior hidrelétrica do mundo, publicada na edição Brasil do jornal El País.

[g1_quote author_name=”Eliane Brum” author_description=”colunista do El País Brasil” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Se o esquema de propina ainda precisa ser provado, as violações de direitos humanos, o etnocídio dos índios e a destruição ambiental estão fartamente documentadas em Belo Monte

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Vamos repetir os erros? Já começou o novo embate entre ambientalistas e empreiteiras , desta vez em torno da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, projeto megacontrovertido, orçado em US$ 10 bilhões e pronto para ser licitado. Os dois lados estão alertas e usando as armas disponíveis para o confronto inevitável. No apagar das luzes do governo Dilma, a Funai (Fundação Nacional do Índio)  atestou que a usina exigiria a retirada dos Mundukurus de suas terras – uma tribo com dez mil índios, tradição guerreira e presença na história do Brasil desde a chegada dos portugueses. Machucado com as críticas pela atuação submissa aos interesses do governo Dilma, o corpo técnico do Ibama ( Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) rapidamente suspendeu a licença ambiental para a hidrelétrica. Pela lei, índios são irremovíveis a não ser se estiverem ameaçados por uma peste ou catástrofe semelhante. O Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) também entrou nessa briga, apresentando projeto para suspender a construção da usina por causa da destruição prevista de uma floresta ancestral, protegida pelas fronteiras do Parque da Amazônia.

“O discurso é preservacionista, mas muda-se os limites do parque com a maior facilidade.É só pra aumentar a confusão”, desconfia Adário, com base numa experiência de mais de dez anos como diretor no Greenpeace na Amazônia.

A bancada ruralista acusou o golpe. O governo Dilma estava esperando uma conjuntura mais favorável para marcar a data do leilão, mas agora complicou porque os prazos são muito curtos para derrubar a proibição da Funai de usar a terra dos Mundukurus. Os habituais candidatos a tocar a obra estão na cadeia, porém, o grupo chinês responsável pela construção da maior hidrelétrica do mundo – Three Gorges- está interessado no projeto do Rio Tapajós e certamente encontrará um Congresso cheio de boa vontade para acolher o investimento estrangeiro. A bancada ruralista tem um cacife alto, entre 160 a 200 votos, preciosos para um governo com reformas impopulares a aprovar e necessidade de consolidar a maioria parlamentar. Nesta conjuntura cairia bem a aprovação do projeto relatado por Blairo Maggi – a velha PEC 65 – entregando às empresas a tarefa de calcular o impacto ambiental dos seus próprios projetos.

A preocupação com a aprovação dessa emenda constitucional já foi destaque no Washington Post, com ambientalistas temerosos com o possível crescimento do desmatamento na Amazônia. Desde os anos 70, a floresta já perdeu 20% das suas árvores – o equivalente à uma área maior do que a França – mas leis mais duras e áreas protegidas do agronegócio diminuíram muito o ritmo do desmatamento a partir de 2005. “O sucesso conseguido nos últimos anos em preservar a floresta era um dos poucos ganhos na luta contra o aquecimento global. A perspectiva da volta ao passado é especialmente triste”, disse Bill McKibben da Universidade de Vermont ao jornal americano. Também achamos.

Helena Celestino

Jornalismo é um vício assumido, é difícil me imaginar longe da notícia. Acostumei a viver com o dedo na tomada: aprendi isto trabalhando, viajando pelo mundo e sendo por muitos anos editora executiva do Globo.

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Um comentário em “Fábrica de Marianas

  1. Hylton Sarcinelli Luz disse:

    Obras de infraestrutura são necessárias e sempre justificadas com a “necessidade de desenvolvimento” do país, no entanto se faz necessário colocar em questão o conceito de desenvolvimento que vem sendo aplicado. Não se pode conceber como desenvolvimento empreendimentos que colocam em risco a sustentabilidade, que operam para a construção futura de prejuízos ambientais e humanos. O concepção de exploração do planeta sem medir as consequências, os impactos sobre a vida, seguindo a filosofia predatória empregada nos séculos passados não são mais aceitáveis. O mundo é de todos e não pode haver lucro para alguns e prejuízo para a maioria. As medidas que estão sendo tocadas pelas bancadas do atraso precisam ser combatidas com formação de opinião e mobilização da sociedade. Chega de Marianas!

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