Lembram do grito de guerra das feministas nas manifestações pré-impeachment? “Ai,ai,ai, ai,ai , empurra o Cunha que ele cai”. Elas tinham razão. O presidente da Câmara caiu, mas seus aliados fortaleceram-se e impulsionam a pauta conservadora tocada pela bancada do boi, da bala e da bíblia, com a bênção dos interinos no Planalto. Agora superpoderosos, os representantes do agronegócio ameaçam tornar irrelevante toda a legislação sobre a proteção ambiental criada na última década no Brasil. Tramitam no Congresso quatro projetos que dão às empreiteiras liberdade para iniciar grandes obras de infraestrutura, sem precisar de licença ambiental e ainda diminuem o poder da Justiça de embargar ações predatórias. No popular, a lei permitiria a construção de hidrelétricas ou barragens sem fiscalização do Estado.
“É a melhor maneira de criar uma fábrica de Marianas”, diz Paulo Adário, diretor do Greenpeace, referindo-se ao maior desastre ecológico do país causado pelo descaso e a irresponsabilidade da mineradora Samarco e suas controladoras – Vale e BHP Billiton.
[g1_quote author_name=”Paulo Adário” author_description=”diretor do Greenpeace” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Estes argumentos são falsos. As licenças demoram a sair porque os projetos são ruins e inadequados. São caros porque foram feitos para pagar propinas
a partido político, não para construir hidrelétricas
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Veja o que já enviamosA base filosófica para a mudança na legislação é um desgastado mantra, recuperado apressadamente pela nova equipe no governo: “os ecologistas são agentes do atraso, fazem exigências descabidas e encarecem as grandes hidrelétricas ao levarem dez anos para dar uma licença ambiental”. Discurso velho, mas agora empoderado pela nova configuração política e a necessidade de o presidente interino Michel Temer mostrar resultados rapidamente. Como criar um ambiente “amigável” para os negócios e atrair investimentos? Entregar às próprias empreiteiras a tarefa de medir o impacto das suas obras sobre o meio ambiente e confiar em que elas mesmas criem soluções para reduzi-lo.
Estes são os pontos fortes do projeto relatado pelo agora ministro da Agricultura, Blairo Maggi, votado mês passado numa comissão do Senado, enquanto o país inteiro só pensava na Lava–Jato e fazia as contas sobre os votos no processo de impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff.
“Estes argumentos são falsos. As licenças demoram a sair porque os projetos são ruins e inadequados. São caros porque foram feitos para pagar propinas a partido político, não para construir hidrelétricas”, rebate Adário. Como se sabe, um dos depoentes da Lava–Jato contou que a Camargo Correa combinou dar R$ 150 milhões de propina ao PMDB e PT para atuar na construção da usina de Belo Monte, símbolo das relações promíscuas entre o público e o privado.
“Se o esquema de propina ainda precisa ser provado, as violações de direitos humanos, o etnocídio dos índios e a destruição ambiental estão fartamente documentadas em Belo Monte”, diz a colunista Eliane Brum na série de reportagens sobre a terceira maior hidrelétrica do mundo, publicada na edição Brasil do jornal El País.
[g1_quote author_name=”Eliane Brum” author_description=”colunista do El País Brasil” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Se o esquema de propina ainda precisa ser provado, as violações de direitos humanos, o etnocídio dos índios e a destruição ambiental estão fartamente documentadas em Belo Monte
[/g1_quote]Vamos repetir os erros? Já começou o novo embate entre ambientalistas e empreiteiras , desta vez em torno da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, projeto megacontrovertido, orçado em US$ 10 bilhões e pronto para ser licitado. Os dois lados estão alertas e usando as armas disponíveis para o confronto inevitável. No apagar das luzes do governo Dilma, a Funai (Fundação Nacional do Índio) atestou que a usina exigiria a retirada dos Mundukurus de suas terras – uma tribo com dez mil índios, tradição guerreira e presença na história do Brasil desde a chegada dos portugueses. Machucado com as críticas pela atuação submissa aos interesses do governo Dilma, o corpo técnico do Ibama ( Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) rapidamente suspendeu a licença ambiental para a hidrelétrica. Pela lei, índios são irremovíveis a não ser se estiverem ameaçados por uma peste ou catástrofe semelhante. O Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) também entrou nessa briga, apresentando projeto para suspender a construção da usina por causa da destruição prevista de uma floresta ancestral, protegida pelas fronteiras do Parque da Amazônia.
“O discurso é preservacionista, mas muda-se os limites do parque com a maior facilidade.É só pra aumentar a confusão”, desconfia Adário, com base numa experiência de mais de dez anos como diretor no Greenpeace na Amazônia.
A bancada ruralista acusou o golpe. O governo Dilma estava esperando uma conjuntura mais favorável para marcar a data do leilão, mas agora complicou porque os prazos são muito curtos para derrubar a proibição da Funai de usar a terra dos Mundukurus. Os habituais candidatos a tocar a obra estão na cadeia, porém, o grupo chinês responsável pela construção da maior hidrelétrica do mundo – Three Gorges- está interessado no projeto do Rio Tapajós e certamente encontrará um Congresso cheio de boa vontade para acolher o investimento estrangeiro. A bancada ruralista tem um cacife alto, entre 160 a 200 votos, preciosos para um governo com reformas impopulares a aprovar e necessidade de consolidar a maioria parlamentar. Nesta conjuntura cairia bem a aprovação do projeto relatado por Blairo Maggi – a velha PEC 65 – entregando às empresas a tarefa de calcular o impacto ambiental dos seus próprios projetos.
A preocupação com a aprovação dessa emenda constitucional já foi destaque no Washington Post, com ambientalistas temerosos com o possível crescimento do desmatamento na Amazônia. Desde os anos 70, a floresta já perdeu 20% das suas árvores – o equivalente à uma área maior do que a França – mas leis mais duras e áreas protegidas do agronegócio diminuíram muito o ritmo do desmatamento a partir de 2005. “O sucesso conseguido nos últimos anos em preservar a floresta era um dos poucos ganhos na luta contra o aquecimento global. A perspectiva da volta ao passado é especialmente triste”, disse Bill McKibben da Universidade de Vermont ao jornal americano. Também achamos.
Obras de infraestrutura são necessárias e sempre justificadas com a “necessidade de desenvolvimento” do país, no entanto se faz necessário colocar em questão o conceito de desenvolvimento que vem sendo aplicado. Não se pode conceber como desenvolvimento empreendimentos que colocam em risco a sustentabilidade, que operam para a construção futura de prejuízos ambientais e humanos. O concepção de exploração do planeta sem medir as consequências, os impactos sobre a vida, seguindo a filosofia predatória empregada nos séculos passados não são mais aceitáveis. O mundo é de todos e não pode haver lucro para alguns e prejuízo para a maioria. As medidas que estão sendo tocadas pelas bancadas do atraso precisam ser combatidas com formação de opinião e mobilização da sociedade. Chega de Marianas!