ODS 1
A devastação das palmeiras
Madagascar, que abriga 98% das espécies conhecidas da planta, já perdeu 80% das florestas
(Mijoro Rakotoarinivo*) Madagascar, país insular no sudeste da África, é crucial do ponto de vista da diversidade das palmeiras. Das 204 espécies conhecidas, 98% só ocorrem ali. Explica-se: a ilha teve um longo período de isolamento após a ruptura do supercontinente de Gonduana – a maior parte das zonas de terra firme que hoje constituem o Hemisfério Sul. As florestas úmidas do nordeste de Madagascar têm a maior diversidade de espécies: pode haver até 45 espécies diferentes de palmeiras em um quilômetro quadrado.
A singularidade e disponibilidade das palmeiras em Madagascar as transformaram numa das plantas mais exploradas e utilizadas na alimentação, construção, forragem e até na medicina. A situação é tão grave que a última lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) estimou que 83% das espécies nativas estão ameaçadas e/ou à beira da extinção. No caso da “Tahina spectabilis”, por exemplo, apenas 30 indivíduos maduros são conhecidos na natureza. É uma espécie particularmente vulnerável pois, embora possa viver até 50 anos, cada árvore produz flores apenas uma vez.
As palmeiras são vitais para os moradores da zona rural, cuja subsistência diária depende fortemente dos recursos naturais. Eles as usam para construir sua habitação, para fazer ferramentas – vassouras, cordas ou capas de faca – e comem o coração das plantas. A palmeira também é valorizada por suas propriedades medicinais, para tratar da tosse ou problemas de digestão. Infelizmente, muitos desses usos são letais para elas. Extrair o palmito, por exemplo, mata a árvore.
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Veja o que já enviamosOutra ameaça é a introdução das palmeiras de Madagascar na horticultura. Começou durante as explorações botânicas da ilha, mas, devido ao valor ornamental da planta, a colheita para o mercado internacional explodiu nos últimos 30 anos. Isso resultou na extração de grande quantidade de sementes do habitat natural. Infelizmente, a colheita de sementes nem sempre é feita de forma sustentável. Muitos cortam o tronco da palma, matando-a. Hoje, a maioria das espécies de palmeiras de Madagascar é vendida nos mercados internacionais e a maioria das sementes ainda vem da natureza.
Os coletores geralmente pegam a maioria dos frutos disponíveis sem pensar na regeneração das espécies. Por exemplo, poucas árvores maduras de “Beccariophoenix madagascariensis” existem agora em suas áreas tradicionais – Mantadia e Fort-Dauphin. A majestosa palmeira “Ravenea rivularis” está rareando devido à popularidade internacional e à colheita de sementes. As palmeiras também são vítimas do desmatamento maciço que atormentou Madagascar desde o final do século XIX. O país perdeu cerca de 80% de suas florestas originais.
As palmeiras são plantas de crescimento lento. Elas são capazes de chegar à maturidade, mas isto muitas vezes depende da chance de alcançar a luz depois que se abre um espaço no dossel a partir da morte de outra árvore. Portanto, a perda de palmeiras maduras constitui um fato irreversível. E quando são levadas, é difícil mantê-las vivas. As mudas raramente sobrevivem em habitats estranhos. Na verdade, 90% das palmeiras de Madagascar são restritas a florestas úmidas e a mudança dos nichos ecológicos desse tipo de vegetação primária reduz drasticamente sua taxa de sobrevivência.
As palmas desempenham um papel vital nos ecossistemas. A perda de várias espécies, sem dúvida, terá um enorme impacto negativo tanto na fauna quanto na flora da ilha. Seus frutos são consumidos por muitos animais, suas folhas e coroa são frequentemente usadas como ninhos para aves, insetos, répteis ou anfíbios. Estudos mostram que o lemur preto gasta grande parte de seu tempo comendo frutos da “Dypsis madagascariensis”. O que mostra como a ausência de uma determinada espécie de palmeira pode levar à extinção de animais dela dependentes, seja devido à perda de alimentos adequados, de abrigo ou de habitat de reprodução.
Para salvar esse legado natural, diz a UICN, torna-se urgente um plano de ação. Os esforços de conservação devem incluir as comunidades locais e se concentrar na conscientização e no aumento da taxa de sobrevivência das espécies. Por exemplo, mais pesquisas e projetos precisam analisar como melhorar a taxa de germinação das sementes e como o conhecimento local pode ser integrado ao gerenciamento sustentável.
Comparada com outras plantas carismáticas, como as orquídeas, a pesquisa nas palmeiras fez progressos notáveis nas últimas duas décadas. Desde a publicação do livro “Palmeiras de Madagascar”, em 1995, 34 novas espécies foram descobertas, inclusive uma completamente nova, a “Tahina”, em 2007. A criação de um sólido inventário botânico da palma será desafio ainda maior com a enorme perda do ecossistema natural que a ilha enfrenta hoje.
*Tradução: Trajano de Moraes
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