Costa do Sol, entre a preservação e a especulação

Ambientalistas denunciam retirada de áreas de alta biodiversidade do parque estadual criado na Região dos Lagos

Por Emanuel Alencar | FlorestasODS 14 • Publicada em 12 de abril de 2017 - 16:44 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:52

Vegetação característica o Parque Estadual da Costa do Sol, em Araruama, Rio de Janeiro. Foto Luiz Souza/NurPhoto
Vegetação característica o Parque Estadual da Costa do Sol, em Araruama, Rio de Janeiro. Foto Luiz Souza/NurPhoto
Vegetação característica do Parque Estadual da Costa do Sol, em Araruama, Rio de Janeiro. Foto: Luiz Souza/NurPhoto

Criado há seis anos para proteger áreas remanescentes da Mata Atlântica, defender populações de animais e plantas nativas, o Parque Estadual da Costa do Sol (PECS) se espraia por seis municípios da Região dos Lagos do Rio de Janeiro: Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Saquarema e São Pedro da Aldeia. Não é difícil imaginar que a unidade de conservação está fincada numa região que desperta interesses difusos e nem sempre associados à conservação, que vão da especulação imobiliária à pecuária, passando por mineração. Mas os conflitos nunca estiveram tão evidentes.

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Há uma área de mais de mil hectares na Serra de Sapiatiba (entre São Pedro da Aldeia e Iguaba Grande) que foi devastada pelo proprietário. Uma mineração ilegal. E o governo apresenta a proposta de presenteá-lo com a saída do Parque da Costa do Sol

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Na última sexta-feira (7 de abril), a pequenina Câmara dos Vereadores de Arraial do Cabo estava abarrotada de gente para discutir propostas de retirada de áreas do parque e a inclusão de outras. Os ânimos ficaram exaltados. Ambientalistas e entidades não-governamentais denunciam que a Secretaria Estadual do Ambiente aceitou pedidos de 21 proprietários de terra para terem seus terrenos retirados da unidade de conservação – tudo sem ouvir os conselheiros do parque. Muitas terras, argumentam, têm alto valor ambiental. A secretaria, por sua vez, garante que a proposta de redelimitação vai garantir mais áreas novas ao parque, e as que saem não são tão significativas em termos ambientais.

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Uma das vozes mais ativas do ambientalismo da Região dos Lagos, Dalva Mansur, diretora da ONG Instituto de Pesquisas e Educação Para o Desenvolvimento Sustentável (IPEDS), é contundente: a Secretaria Estadual do Ambiente (SEA), responsável pela gestão do parque, fechou um acordo nocivo ao meio ambiente com proprietários de terras. Ela assegura que os processos com pedidos de desafetação de áreas no órgão ambiental, que tramitam desde 2015, envolvem regiões com ocorrência inclusive de micos-leões-dourados, jaguatiricas e bichos-preguiça.

– É uma pedalada ambiental das mais sórdidas – diz Dalva, que não conseguiu participar da reunião da sexta-feira por causa da superlotação, mas anotou todas as informações sobre os processos num outro encontro, dois dias antes, com representantes da SEA. – Há uma área de mais de mil hectares na Serra de Sapiatiba (entre os municípios de São Pedro da Aldeia e Iguaba Grande) que foi devastada pelo proprietário. Uma mineração ilegal. E o governo apresenta a proposta de presenteá-lo com a saída do Parque da Costa do Sol. Esse é só um dos casos absurdos.

Bromélias e flores são comuns toda a área do parque. Foto Luiz Souza/NurPhoto
Bromélias e flores são comuns em toda a área do parque. Foto: Luiz Souza/NurPhoto

Números divergentes

E aí que começam os discursos conflitantes. O deputado estadual e secretário do Ambiente licenciado André Corrêa (DEM) diz que as áreas que deixarão o parque – e por causa disso podem ser passíveis de algum tipo de ocupação e atividade econômica – “não somam nem 10%” da área que se propõe aumentar. Segundo Correa, a SEA estuda anexar 2.500 hectares. Porta-voz da secretaria, Fernando Matias, superintendente de Florestas e Biodiversidade do estado, diz que a proposta de redelimitação foi precedida de muitos estudos e que o balanço final é favorável à preservação.

[g1_quote author_name=”Fernando Matias” author_description=”Superintendente de Florestas e Biodiversidade do estado” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A proposta é excluir 208 hectares, que passam a ser passíveis de alguma ocupação. São áreas densamente ocupadas, de baixo valor ambiental. Por outro lado, 2.700 hectares seriam anexados ao parque, que passaria de 9 mil para 12 mil hectares

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– Fizemos um trabalho exaustivo de campo para embasar o laudo sobre cada uma das áreas cujos proprietários pediram para deixar o parque. Na maioria dos casos não foi possível atendê-los. Queremos fazer mudanças para sermos mais coerentes e fortalecer a gestão. A proposta é excluir (do PECS) 208 hectares, que passam a ser passíveis de alguma ocupação, ainda que mínima. São áreas densamente ocupadas, de baixo valor ambiental. E, por outro lado, 2.700 hectares seriam anexados ao parque, que passaria de 9 mil para 12 mil hectares. O estudo está bem avançado.

Dalva Mansur questiona os números apresentados por Matias:

– O governo apresenta as áreas que serão excluídas com uma conta fictícia. Disseram, por exemplo, que a fazenda da Serra de Sapiatiba tinha menos de 2 hectares. Moro na região e garanto que a área tem cerca de mil hectares. Já fizemos inúmeras denúncias de irregularidades. E agora querem beneficiá-lo? Há outro terreno, em Caravelas (Búzios), que tem pelo menos 300 hectares. Então, não dá para confiar.

Arnaldo Villa Nova, morador de São Pedro D’Aldeia e representante da ONG Vila Lagoa também está preocupado com o destino de outras áreas.

– Querem tirar do parque uma área ao lado da Lagoa de Araruama. O critério para desafetar áreas deve ser técnico. Há muitos interesses econômicos, especulação imobiliária, crimes ambientais. Muitas das áreas devem ser recuperadas e não retiradas do parque – defende.

As manchas coloridas representam as dispersas partes do Parque Estadual Costa do Sol. Foto reprodução
As manchas coloridas representam as partes do Parque Estadual Costa do Sol, distantes umas das outras. Foto: reprodução

Sobre a inclusão de novas áreas ao PECS, Arnaldo é cético:

– Na hora de incluir, fica na promessa. Depende de decreto do governador.

Embora o Parque da Costa do Sol sempre suscite debates, a polêmica ganhou combustível recentemente, quando um projeto de lei do deputado estadual Jânio Mendes (PDT) tramitou na Assembleia Legislativa pedindo a supressão de áreas consolidadas, no Monte Alto, em Arraial do Cabo. Ex-secretário do Ambiente, o deputado Carlos Minc (sem partido) afirma que, “como não estava muito clara” a delimitação da área no projeto de lei, pediu para que a audiência da sexta-feira fosse realizada.

– Retirar uma pequena área que é bairro e agregar outras, mais preservadas, é normal e nós já fizemos isto nos parques estaduais da Serra da Tiririca e Três Picos. Não é errado.  O problema é que no processo (que estava no Instituto Estadual do Ambiente) vimos que havia o pedido de exclusão de áreas para resort, cemitério, inclusive a pedido do prefeito. Como não estava muito clara a delimitação da área no PL, e para evitar contrabandos de outras requisitadas, votei e consegui a retirada de pauta, a baixa em diligência e a audiência – diz Minc.

Com 9.841 hectares e criado em abril de 2011, por decreto do ex-governador Sergio Cabral, o PECS é o maior parque brasileiro segmentado (unindo áreas de conservação distantes umas das outras), um modelo muito comum no Canadá. A criação do parque começou a ser estudada em 2006 nas reuniões do Consórcio Ambiental Lagos-São João (que reúne todos os municípios da Região dos Lagos), na época presidido por Luiz Firmino, atual membro da Câmara Metropolitana do Rio. Nos verões de 2014 e 2015, a cobrança de estacionamento na Praia das Conchas, em Cabo Frio, gerou enorme polêmica. A praia faz parte do Parque da Costa do Sol.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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3 comentários “Costa do Sol, entre a preservação e a especulação

  1. Dalva Mansur disse:

    muito bom!
    lembrando ainda que toda a APA da Serra de Sapiatiba alem de APA e PArque , é também Reserva da Biosfera!!!! classificação unica e muito mais complexa, envolvendo orgãos internacionais.

  2. Dalva Mansur disse:

    muito bom!
    lembrando ainda que toda a APA da Serra de Sapiatiba alem de APA e PArque , é também Reserva da Biosfera!!!! classificação unica e muito mais complexa, envolvendo orgãos internacionais.

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