Cidade partida até nos sonhos – mas unida pela pobreza

Senador José Porfírio vive a expectativa da construção da mina de Belo Sun, com a população dividida em relação à obra

Por Claudia Silva Jacobs | FlorestasODS 14 • Publicada em 7 de junho de 2017 - 01:01 • Atualizada em 31 de março de 2020 - 15:57

esse é um teste

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Senador José Porfírio vive a expectativa da construção da mina de Belo Sun, com a população dividida em relação à obra

Por Claudia Silva Jacobs | FlorestasODS 14 • Publicada em 7 de junho de 2017 - 01:01 • Atualizada em 31 de março de 2020 - 15:57

Senador José Porfírio, às margens do Xingu: população dividida em relação a Belo Sun. Foto: André Teixeira

O sonho (ou pesadelo?) do ouro se espalhou pelos quatro cantos de Senador José Porfírio, cidade a 400 quilômetros de Belém do Pará, onde a mineradora canadense Belo Sun espera extrair cinco toneladas do metal precioso, a cada ano. É o único assunto em pauta no município, com cerca de 13 mil habitantes, um punhado de problemas, mas fincado em um patrimônio incalculável. A vida em Souzel, nome dos tempos em que a pacata cidade ainda era uma vila, gira em torno do Xingu. É por ele que os moradores se locomovem  – já que as estradas estão em péssimo estado – e é dele que as famílias tiram seu sustento.

A grande maioria dos assalariados trabalha para a administração municipal, que vive a expectativa de abarrotar seus cofres com os milhões de reais de impostos e royalties com a instalação da mina de Belo Sun e, por isso, torce todos os dias pelo fim da suspensão da Licença de Instalação para a obra.

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O município é carente de serviços básicos e a nossa expectativa é que a obra possa fortalecer a economia e melhorar a qualidade de vida da população

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Um dos  únicos municípios brasileiros com território descontínuo (o outro é o Sítio d’Abadia, em Goiás), Senador José Porfírio é uma cidade partida. De um lado, fica a sede administrativa. Do outro, a área conhecida como Volta Grande do Xingu, onde estão as tribos indígenas e as comunidades ribeirinhas, nas redondezas da área onde a mineradora canadense vai erguer o empreendimento.

Criança mergulha no Rio Xingu: população em compasso de espera. Foto: André Teixeira

Até nos sonhos o extenso município cercado de verde – com mais de 13 mil quilômetros quadrados (o Rio de Janeiro tem 1,5 mil Km2) – é dividido. De um lado, os moradores aguardam a chegada do empreendimento com entusiasmo. Do outro,  a obra é vista com reservas pelos danos que pode causar ao meio ambiente e os problemas que levará para a região. Os dois lados da cidade – que os moradores insistem em continuar chamando de Souzel – são unidos apenas pela pobreza  e falta de serviços básicos, como água encanada e esgotamento sanitário. Sem contar com a energia elétrica precária e a falta de serviços médicos nas regiões mais distantes.

Para Vanessa Anabelle, secretária de Educação, o ouro que vai jorrar de Belo Sun terá o poder de tirar a cidade da apatia e do abandono em que se encontra. “O acordo com a mineradora é que  30% da mão de obra será de moradores de Souzel, o que vai ser muito importante. O município é carente de serviços básicos e a nossa expectativa é que a obra possa fortalecer a economia e melhorar a qualidade de vida da população”, diz Vanessa.

A pobreza impera em Senador José Porfírio: sem saneamento básico. Foto: André Teixeira

Mesmo com a Licença de Instalação suspensa desde abril e as incertezas em relação à realização do projeto, a região de Volta Grande já começa a receber novos moradores, que chegam de outras cidades, com suas famílias, embalados pelo sonho de uma vida melhor. O censo escolar realizado no início do ano letivo registrou a chegada de cerca de 500 novos alunos vindos de municípios vizinhos, reflexo da expectativa em torno da mina.

A secretária de Meio-Ambiente e Turismo, Zilda Campos, faz coro com sua colega da Educação.  Ela diz que o empreendimento é bem-vindo e estratégico para desenvolvimento de Souzel.  “Belo Sun é uma esperança para o município. O aumento da receita com os impostos e a melhoria das estradas criará uma nova perspectiva para os moradores, principalmente os jovens”, diz Zilda. “A cidade vem sofrendo um declínio preocupante, por causa da mudança na leis para o funcionamento das madeireiras, o que diminuiu as oportunidades de trabalho, levando a região a um colapso econômico e trazendo muita desesperança”, argumenta a secretária, que não acredita que o empreendimento terá impactos negativos na região.

A Ilha da Fazenda, colônia de pescadores, onde falta tudo: socorro médico chega de barco.  Foto: André Teixeira

Quanto mais distante da sede do município menor o entusiamo em relação ao empreendimento. No foco das discussões sobre Belo Sun está a Vila da Ressaca , um triste exemplo do descaso do poder público e da pobreza que assola a região. A área é habitada basicamente por famílias de garimpeiros artesanais, que atuavam na Reserva do Galo, hoje área de Belo Sun, praticamente fechada. O esgoto corre a céu aberto, apesar de existir uma estação de tratamento pronta na chegada da vila. De acordo com a prefeitura, o consórcio que ergueu a usina hidrelétrica de Belo Monte entregou a obra, mas ela ainda não está em funcionamento porque a ligação com as casas, responsabilidade do poder público, não foi feita.

O lixo se acumula na beira do rio, em uma comunidade que parece estar adormecida, à espera de dias melhores. Muitos têm a esperança de que esses dias cheguem junto com Belo Sun. Outros, temem que o mega projeto traga ainda mais problemas e torne  as condições de vida na região ainda piores. Por isso, ao mesmo tempo em que o ouro atrai novos moradores, ele espanta muitos dos que lá estão, que planejam deixar a Vila, caso o projeto de desapropriação seja concretizado, o que, até agora, não está definido.

[g1_quote author_name=”Josué de Souza” author_description=”Vice-presidente da Cooperativa dos Garimpeiros da Vila da Ressaca” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

É preciso melhorar o posto de saúde, trazer energia elétrica, implantar sistema de esgoto e tirar essa comunidade da pobreza

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Os garimpeiros que moram nas comunidades da Volta Grande estão em compasso de espera. Trabalhando apenas em rejeitos de antigos garimpos, estão preocupados com o futuro. Eles não sabem se terão a chance de trabalhar para a empresa canadense ou se serão indenizados e terão que deixar suas casas. Josué Pereira de Souza, vice-presidente da Cooperativa dos Garimpeiros da Vila da Ressaca, diz que a empresa ainda não fez qualquer proposta de trabalho. São cerca de 60 trabalhadores que ainda tentam tirar um pouco do sustento dos rejeitos, buscando na caça e na diversidade da floresta o complemento para o curto orçamento. Não há otimismo. Como as promessas de Belo Monte ficaram pelo caminho, Belo Sun já chega com descrédito.

“É preciso melhorar o posto de saúde, trazer energia elétrica, implantar sistema de esgoto, e tirar essa comunidade da pobreza. Não quero ir embora. Se ficar sem dinheiro, aqui eu entro na mata, caço um animal, colho o que a natureza nos oferece e ainda posso plantar. Pelo menos, não morremos de fome. A Norte Energia (construtora da usina de Belo Monte) negou os direitos aos ribeirinhos. Nunca fizeram nada. Será que vamos passar por isso mais uma vez?”, questiona Souza.

[g1_quote author_description=”Sebastião Almeida da Silva, vice-presidente da Associação de Moradores de Ilha da Fazenda” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Com a hidroelétrica todo mundo achou que surgiriam benefícios, mais empregos, um padrão de vida melhor. Nada aconteceu. Belo Monte está aí e temos três horas apenas de energia por dia. Não ficamos com nada, nem com os peixes. O melhor é pegar o dinheiro e deixar isso aqui

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Vila da Ressaca é a imagem da divisão em torno de Belo Sun. Constrastando com o ceticismo de Souza em relação ao projeto, vem a empolgação do maranhense Milton Reis, de 56 anos, que sonha com a ampliação de seu restaurante, o mais procurado da comunidade. Hoje, já com os reflexos de Belo Sun, ele vende até 40 refeições por dia. Com o início das obras, espera chegar a duas mil quentinhas. “Belo Sun vai ser ótima para o desenvolvimento da Vila da Ressaca. Vão investir nas estradas e pontes, todo mundo vai ficar na boa”, diz o comerciante. Seus vínculos com a terra, no entanto, podem ficar para trás caso a empresa opte por comprar os empreendimentos na Ressaca. Aí, a Panelada do Miltão vai ferver bem longe da isolada vila.

Viver na Ressaca não é nada fácil. Com estradas precárias, a viagem até a sede administrativa de Senador José Porfírio leva, no mínimo, três horas. É preciso pegar uma voadeira até Altamira, depois percorrer cerca de cerca de 50 Km de carro, até Vitória do Xingu, e viajar mais 50 minutos de voadeira.

Bem próximo à Ressaca fica a Ilha da Fazenda, tradicional colônia de pescadores, que também está em compasso de espera por definições em relação a Belo Sun. Sebastião Almeida da Silva, o Babá, vice-presidente da Associação de Moradores, aos 62 anos, sonha em vender as suas terras, embolsar “seu milhão” e curtir o que resta da vida em Altamira, cidade vizinha a Senador José Porfírio. Ele acha que vai ser muito difícil ficar na região com a mina em operação e que não haverá espaço para todos os antigos garimpeiros trabalharem. Segundo ele, não vai dar nem mesmo para viver da pesca, cada vez mais escassa nas águas do Xingu após Belo Monte.

“Com a hidroelétrica todo mundo achou que surgiriam benefícios, mais empregos, um padrão de vida melhor. Nada aconteceu. Belo Monte está aí e temos três horas apenas de energia por dia. Não ficamos com nada, nem com os peixes. O melhor é pegar o dinheiro e deixar isso aqui”, desabafa Babá, afirmando que 90% dos moradores já disseram que querem deixar a Ilha da Fazenda, onde vivem pouco mais de 50 famílias.

Claudia Silva Jacobs

Carioca, formada em Jornalismo pela PUC- RJ. Trabalhou no Jornal dos Sports, na Última Hora e n'O Globo. Mudou-se para a Europa onde estudou Relacões Políticas e Internacionais no Ceris (Bruxelas) e Gerenciamento de Novas Mídias no Birkbeck College (Londres). Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série Trabalho Infantil no Brasil. Foi diretora de comunicação da Riotur por seis anos e agora é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. E-mail: claudiasilvajacobs@gmail.com

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