ODS 1
Belo Sun: muitos riscos, poucas respostas
Críticos do projeto temem acidente com barragem de rejeitos, tal qual em Mariana; empresa afirma que empreendimento é seguro
Críticos do projeto temem acidente com barragem de rejeitos, tal qual em Mariana; empresa afirma que empreendimento é seguro
À margem direita do Rio Xingu, uma imensidão verde vai se transformar num pote de ouro. É lá a propriedade da Belo Sun Mineração, de onde a companhia canadense espera extrair 5 toneladas do metal precioso a cada ano. Na área projetada para a mina a céu aberto, uma casa solitária dá o tom poético daquela paisagem, que se pode admirar por horas. Difícil imaginar como tudo ficará após ser rasgada pelas caves de exploração que, juntas, somam quase 3 quilômetros de extensão, a apenas 200 metros do curso do afluente do Amazonas. O uso das águas do rio nesse garimpo moderno é uma das preocupações dos críticos do empreendimento, assim como a barragem – de 600 metros de extensão – que precisará conter 14 mil piscinas olímpicas de rejeitos. As possíveis remoções dos que ainda vivem na área gigantesca, de 2.759,51 hectares, também estão na longa lista de temores.
Quem visita o local hoje não vê muito do que está por vir nas próximas três décadas. As obras, que seriam iniciadas em setembro de 2017, nem começaram. A Licença de Instalação foi suspensa por uma liminar no mês de abril, mas a Belo Sun parece ter certeza que vai conseguir superar a enxurrada de críticas e ações judiciais, tanto que estampa, na versão em inglês do site do Projeto Volta Grande – como o empreendimento no Xingu é chamado -, sua determinação: “Rapidly advancing our gold project” (Nosso Projeto de Ouro avança rapidamente). Caso aconteça a liberação da LI, serão possivelmente dois anos de preparação para a mina começar a funcionar, com possibilidade de prorrogação do prazo em três anos, em caso de atraso. Com 75% da obra de instalação construída, Belo Sun pode dar entrada na Licença de Operação. A partir dai, serão 12 anos de operação, dois anos de desativação e oito anos de acompanhamento dos rejeitos, no total de 24 anos. Isso, no projeto aprovado de extração de ouro. Como a região é rica em outros minérios, outras propostas de exploração podem surgir, como a própria empresa deixa em aberto, para o desespero dos que lutam contra a instalação da mina na Volta Grande do Xingu.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA bordo de um um barco do tipo voadeira, a equipe do Projeto #Colabora partiu de Altamira rumou ao terreno da Belo Sun, a convite da empresa. Além de funcionários da companhia, estavam na embarcação o prefeito de Senador José Porfírio (Souzel), Dirceu Biancardi, e a secretária de Educação, Vanessa Anabelle, que aproveitaram a viagem para fazer a entrega de doações da própria Belo Sun para a escola da Vila da Ressaca – distrito de município – numa demonstração da proximidade entre as autoridades e a mineradora.
Não é para menos. A empresa apresenta o Projeto Volta Grande como “um precursor do desenvolvimento da indústria mineral no centro-oeste do Pará” e destaca que o empreendimento como o primeiro exclusivamente dedicado à extração de ouro, com aproveitamento legal. “É uma oportunidade de diversificação econômica em um município onde o maior empregador formal ainda é a gestão municipal”, avalia a empresa. E é no viés do desenvolvimento da economia local que o projeto vem ganhando apoio de parte moradores e das autoridades, em meio a muita controvérsia.
Barragem de rejeitos ao lado do rio
Uma das grandes polêmicas em torno de Belo Sun é a utilização da água do rio. O receio é que essa captação deteriore ainda mais as condições do Xingu, impactado severamente nessa região pela Hidrelétrica de Belo Monte. A empresa afirma que fez modificações no projeto original, optando pela construção de dois lagos para a captação de água de chuva, sem utilizar a água do rio.
Outro ponto que assusta moradores ribeirinhos e ambientalistas é a barragem, que terá pouco mais de 600 metros de extensão, com um total de 35,43 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Volume que equivale a um terço do que fora anunciado anteriormente pela empresa, que alega ter feito ajustes no projeto. Mesmo assim. olhando o grande vale, pode se ter uma projeção assustadora da quantidade de rejeitos a serem acumulados em uma área a um quilômetro das águas do Xingu, cercada de muito verde. A empresa afirma que o sistema de depósito dos resíduos em Belo Sun será seguro:
“No sistema à jusante, você vai construindo a barreira como se fossem escadas. Tem uma base no fundo e nas laterais vamos construindo andares de acordo com o aumento dos rejeitos. Isso dá uma segurança muito maior do que apenas uma barreira única (à montante), como a de Mariana”, pondera Mauro Barros, Diretor Geral de Belo Sun, que acompanhou o #Colabora na visita. “As chances de um acidente como o de Mariana é de 0,01%”, completa Barros, mostrando o grande vale, do lado oposto à região de exploração, onde será construída a barragem que terá, ao final de 12 anos, a altura de 44 metros (o equivalente a um prédio de 14 andares).
O processo de separação do ouro das rochas é outro ponto de alerta. Para essa etapa, é utilizado o cianeto, composto químico altamente tóxico, que pode afetar animais e ambiente. A empresa esclarece que o uso do produto é rigorosamente controlado, estocado em tanques fechados e protegidos. Depois utilizado, o cianeto será neutralizado e destruído dentro de tanques de cianetação para, em seguida, ser levado à barragem de rejeitos, cumprindo medidas estabelecidas pelo Código Internacional de Cianeto.
E o futuro?
Mas após as décadas de exploração, como ficará a região? A dúvida paira no ar, já que o que sobra é uma montanha de rejeitos. A empresa explica que o projeto prevê dois anos de desativação das instalações e mais oito monitorando os rejeitos. Depois, o processo fica a cargo do município, o que é motivo de preocupação para ambientalistas e moradores. E não é à toa. Não há ainda uma clara definição do futuro, como pode ser atestado ao ler a posição da empresa sobre o assunto. “O Projeto Volta Grande possui um Plano de Fechamento de Mina, apresentado e validado pela Secretaria de estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Este plano tem as diretrizes técnicas e operacionais para o fechamento correto da mina, de forma segura e sustentável, após os 12 anos de operação do empreendimento. Nele existem diversas possibilidades para o reaproveitamento da área. A Belo Sun Mineração investirá no retorno da área à condição natural de floresta, mediante a sua recuperação. A empresa mantém diálogo com o Incra e a área também poderá ser utilizada para fins de reforma agrária.”
A decisão final, no entanto, sobre se a área terá algum aproveitamento para usos futuros alternativos, caberá aos públicos de interesse da Belo Sun Mineração: comunidades, instituições e órgãos públicos diretamente envolvidos com o empreendimento. Quem adquirir a área, por exemplo, assumirá eventuais passivos de manutenção, bem como a responsabilidade dos novos impactos a serem gerados. Portanto, todo uso futuro no período de pós-fechamento estará sujeito à legislação, inclusive com novos licenciamentos ambientais para qualquer tipo de atividade, se necessário”, informa a empresa.
Circulando pela região
A recuperação da floresta é uma promessa para o fim da mineração, mas hoje a empresa afirma que 30% da área já estava descaracterizada mesmo antes da implantação do empreendimento. Agricultura, pecuária e exploração ilegal de madeira teriam contribuído para a degradação, mas não há como constatar se ela chega ao patamar informado pela empresa. A compensação financeira, por danos ambientais ao município de Senador José Porfírio, está fixada em R$ 10 milhões. Mas o que vai ser feito desse dinheiro depende das autoridades locais e do Estado do Pará, o que preocupa muito os opositores do projeto.
Famílias ainda vivem na área da Belo Sun, e o futuro delas ainda está em discussão. Muitas venderam suas terras para a mineradora, que continua fazendo aquisições e expandindo seus domínios. Mas, ao circular pelo terreno, o que se vê é uma área pouco povoada, com partes sem vegetação e também sem estrutura, com estradas estreitas. No momento, garimpeiros artesanais e ilegais seguem trabalhando entre os rejeitos. Mas quando a mina da empresa canadense entrar em atividade, eles serão afastados. Todos esperam uma chance de trabalhar no projeto.
Mas esse ponto preocupa a empresa, que se comprometeu a usar parte da mão de obra local. O número de vagas não se compara com os tempos de Belo Monte, que chegou a empregar 30 mil pessoas. Belo Sun, nos anos de implementação, vai ocupar de duas mil pessoas da região. A socióloga Juliana Magalhães, Gerente de Desenvolvimento Social da Belo Sun, trabalha junto às comunidades para explicar a situação e entender anseios e necessidades:
“Belo Monte passou de 30 mil de empregados, uma quantidade muito grande de pessoas, mas que ficaram por um curto período de tempo, por dois anos. Isso deixou uma espécie de trauma e muitos temem que isso se repita novamente. Essa sombra está sempre presente. E a impressão é que as pessoas querem uma compensação para justificar esse impacto. Isso está diretamente ligado à necessidade de se expandir o entendimento sobre o empreendimento, como a mineração funciona. O número de funcionários se estabiliza e vamos oscilar 564 empregados, o que é muito diferente”, explica.
Questões ainda não definidas como a remoção ou não de moradores das comunidades ribeirinhas mais próximas do empreendimento como a Vila da Ressaca e a Ilha da Fazenda, a situação das comunidades indígenas da Volta do Rio Grande, entre outros fatores deixam os moradores, principalmente das áreas mais próximas a Belo Sun, em compasso de espera. A empresa diz que esse assunto só será tratado novamente após a liberação da Licença de Instalação. A expectativa da Belo Sun é que isso aconteça em até 90 dias.
Relacionadas
Carioca, formada em Jornalismo pela PUC- RJ. Trabalhou no Jornal dos Sports, na Última Hora e n'O Globo. Mudou-se para a Europa onde estudou Relacões Políticas e Internacionais no Ceris (Bruxelas) e Gerenciamento de Novas Mídias no Birkbeck College (Londres). Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série Trabalho Infantil no Brasil. Foi diretora de comunicação da Riotur por seis anos e agora é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. E-mail: claudiasilvajacobs@gmail.com
Matéria 2. Estou gostando. Incertezas sem fim, exceto o fato que a empresa canadense já é dona da área e atua por todos os meios para garantir a operação. Aspectos que deixam claro que a responsabilidade de sociedade civil é absoluta, se não estivermos de olho vivo e faro fino, acompanhando e monitorando, tudo ocorrerá ao gosto de explorador, cujo histórico é o reconhecimento de ser a atividade mais degradante do meio ambiente. Neste sentido vejo que a matéria está cumprindo o seu papel de informar para formar opinião.