Não tem escapatória – lá vai 2017, sob o símbolo do copo pela metade (ou com um pouco menos). Não caiu quem devia, tampouco foram presos alguns que mereciam, direitos desapareceram, a crise e seus personagens seguiram invencíveis, decepções se confirmaram – na visão “meio vazia”. Isso você pode ler na lista dos 17 motivos para esquecer 2017. Mas o ano que caminha para o epílogo chancela a versão “meio cheia” com algumas histórias inspiradoras, garantidas na parede da memória. Várias passaram aqui pelo #Colabora, que oferece uma seleção com 17 delas.
1 – A segurança, angústia doída de 11 entre 10 brasileiros, pavimentou um sonho real na serra fluminense. Teresópolis deixou as balas voando a 90 quilômetros de distância, no Rio, para se transformar na cidade mais pacata do estado. Celina Cortes visitou o eldorado que contou apenas quatro roubos a cidadãos em 45 dias.
2 – Cercada por índices apocalípticos de violência, Cris dos Prazeres escolheu não se render. Pernambucana que escolheu o morro de Santa Teresa para viver – a ponto de adotá-lo como sobrenome –, ela desenvolve ações de saúde, defesa do meio ambiente e promoção de cultura, buscando levar cidadania à comunidade. Martha Esteves narrou a trajetória admirável da ativista. Muito prazer!
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Veja o que já enviamos3 – Outro guerreiro do Rio engendra suas batalhas em forma de festa. Raphael Vidal transforma eventos em atitude e tomada de posição contra o obscurantismo que tenta destruir a civilização carioca. Seus protestos se sucedem em festas juninas, feiras literárias e encontros na rua e na praça, de samba, cerveja e alegria. Desfiar suas aventuras conjugou prazer e orgulho.
4 – Atitude serve de título para o filme do cotidiano de Hugo Lima, 29 anos, negro, estudante de engenharia, que desenvolveu equipamentos de baixo custo para produção cinematográfica. “O cinema é uma arma”, explicou a Dandara Tinoco. “Tento, com o mínimo de gasto, proporcionar aos negros a chance de produzir audiovisual de qualidade”.
5 – Não terá fim a luta contra o racismo, em especial no Brasil, mas ela prosperou em 2017. William “É coisa de preto” Waack perdeu o emprego ao se permitir frase preconceituosa, flagrada num vídeo que ganhou a rede. O preconceito do jornalista virou estopim de um movimento de exaltação aos negros – e aqui saiu uma lista com preciosidades que vieram desse povo bom de música, literatura, engenharia, cinema, dança, poesia, ciência, esporte, liberdade, coragem e, sobretudo, atitude. Viva!
6 – A luta por representatividade e reconhecimento, aliás, varreu o planeta no ano velho. Carlos Albuquerque descobriu, no fechado Kuwait, a artista multimídia Fatima Al Qadiri, que, no EP “Shaneera”, ousa tocar em temas como identidade de gênero e drags. O próprio nome do trabalho refere-se a uma gíria para pessoas não-binárias,
7 – As batalhas por espaço e respeito atravessaram 2017 (e seguirão pelos anos afora), como contra-ataque à violência e ao preconceito ainda presentes. As mulheres, por exemplo, socorreram-se delas mesmas, criando redes de apoio via internet, relatou Kamille Viola. Os grupos ajudaram a arrumar emprego e até na produção de festas de aniversário para os filhos.
8 – Seu Joaquim da Silva conhece bem a briga por espaço, e outras batalhas que a vida bota pelo caminho. No mesmo endereço em Ipanema há 62 anos, ele insiste num ofício ameaçado de extinção nos tempos pasteurizados que vivemos e, numa conversa com Livia Ferrari, esbanjou sabedoria. “Fui sapateiro de todas as patentes: almirantes, generais e marechais que moravam no bairro”, orgulha-se. Aos 88 anos, é o mais antigo do Rio, cidade onde chegou em 1950, vindo de Portugal, a terra natal. Mas continua trabalhando, sem pensar em aposentadoria.
9 – Outro endereço tradicional, no velho Centro carioca, ensina algumas boas práticas ambientais. O restaurante Olívia, na Rua dos Inválidos, adotou como regra principal o objetivo “Plástico zero”, utilizando inclusive marmitas de metal para quem quiser levar comida para viagem. Daniela Matta esteve lá e testemunhou a cruzada para gerar o mínimo de lixo possível, iniciativa da engenheira Eva Schvartz, uma das sócias do lugar.
10 – Ela não estava sozinha na batalha contra a produção indiscriminada de resíduos. Bibiana Maia apresentou a estudante de Biologia Marinha Sânida de Souza Oliveira, que estuda – e ensina – práticas para buscar a produção de lixo zero. Ela criou um roteiro com as principais lições de gestão e redução dos produtos a serem descartados, explicando que os hábitos têm de ser incorporados à rotina. Cada vez mais gente se integra ao exército da verdadeira limpeza.
11 – O ano registrou um crescimento do consumo de alimentos probióticos, que contêm as “bactérias do bem”. Ana Morett encontrou, no Facebook, mais de cem grupos dedicados à doação de kefir, bebida feita a partir da fermentação do leite, a mais pop da temporada. A moda nutricional, além de muito mais natural, carrega predicado extra: o produto teve de ser adquirido por doação ou troca colaborativa.
12 – Tinta para fazer bagunça foi a invenção de três jovens designer cariocas, criadores do produto a partir de ingredientes vegetais. Pode colorir e se lambuzar à vontade, sem perigos à saúde nem ao meio ambiente, garantiu Telma Alvarenga. A tinta se materializou como resultado de sete anos consumidos em pesquisa por uma startup incubada na Coppe/RJ. Os testes laboratoriais e a expansão dos negócios, para conseguir chegar ao mercado numa escala razoável, se deram graças a um financiamento coletivo.
13 – Mas a gente também precisa de luz, certo? Não seja por isso – uma ONG leva iluminação barata e sustentável a lugares que não têm rede de energia elétrica. Criada em 2012 nas Filipinas, a Litro de Luz está em 20 países, inclusive o Brasil, onde clareia a vida em comunidades ribeirinhas, favelas e outas regiões abandonadas pelos governantes, revelou Denis Kuck. “Nossa missão é melhorar a qualidade de vida das pessoas, por meio de soluções sustentáveis, e empoderar os moradores, que participam de todo o processo de instalação e manutenção”, explicou Saulo Silos, líder da célula da Litro de Luz no Rio.
14 – A inclusão permanecerá, até a consumação dos séculos, como uma agenda urgente. Neste quesito, o Ceat, colégio carioca de Santa Teresa, ganhou nota 10, com a iniciativa de dar oportunidades de trabalho a ex-alunos com necessidades especiais. “Nunca nos vimos como uma escola ‘inclusiva’. Sempre foi assim, desde que abrimos, em 1975. Todos os alunos são bem-vindos. Faz parte da nossa dimensão de responsabilidade social colocar a condição humana antes da deficiência. A gente busca as semelhanças e foge dos rótulos”, ensina a diretora Emília Fernandes, que se confessou surpresa com o interesse de Angélica Brum, autora da reportagem.
15 – A sofrida rede pública de ensino ganhou reconhecimento valioso em 2017, numa pesquisa da Unicamp. O estudo constatou a preferência de pais e estudantes por essas instituições, como informou Cláudia Silva Jacobs, a partir do trabalho realizado com pais e responsáveis de alunos portadores de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Somente no Rio de Janeiro, existem 14 mil alunos com necessidades especiais na rede municipal. “Existe uma receptividade maior do que nas escolas particulares”, atesta Ana Paula Vieira, mãe de um menino com forma branda de autismo.
16 – A aposta na tolerância revelou o incrível trabalho do pastor José Barbosa Júnior, da Igreja Batista. Em meio à crescente violência – vitimando em especial os seguidores das religiões de matriz africana –, o sacerdote deu lições de convivência ao participar de movimentos como a Caminhada pela Liberdade Religiosa, na Praia de Copacabana, no Rio. Além disso, ele criou o movimento “Jesus cura homofobia”, para ensinar preceitos de convivência fundamentais. Amém, pastor!
17 – Por fim, o louva-a-deus! Jovens do Rio de Janeiro ganharam prêmio inédito com pesquisa sobre os insetos, muito pouco estudados no país. Cristina Bacelar conversou com os criadores do Projeto Mantis (nome dos bichinhos em grego), alunos de Biologia da UFRJ, que se dedicam a estudar os pequenos animais, presentes com mais de 700 espécies na Natureza. Os antigos ensinavam que encontrar um louva-a-deus era sinal de sorte. Tinham razão.
De resto, é como pregava aquele líder metalúrgico da língua presa, lembra dele? A luta continua, galera! E partiu 2018! Feliz ano novo pra você aí.