Seu Jair, é assim que todos os brasileiros deveriam ser tratados

Diretora da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal dá aula de civilidade e dignidade ao ex-presidente Bolsonaro

Por Agostinho Vieira | ArtigoODS 16
Publicada em 24 de novembro de 2025 - 09:41  -  Atualizada em 24 de novembro de 2025 - 10:15
Tempo de leitura: 4 min

Manifestação em frente a sede da Polícia Federal após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A notícia mais importante do último fim de semana não foi a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro. Muito mais relevante, a meu ver, foi a divulgação, horas depois, do vídeo da Polícia Federal no qual o ex-capitão confessa ter tentado cometer um novo crime, desta vez violando a tornozeleira eletrônica com o uso de um ferro de soldar. O vídeo tem dois grandes méritos. Em primeiro lugar porque desfaz completamente a tese grotesca, defendida por alguns, de que a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, teria sido uma arbitrariedade. Para mim, no entanto, o maior valor da gravação foi a aula de competência, civilidade e dignidade humana dada pela servidora pública responsável por checar a violação da tornozeleira.

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Rita de Cássia Gaio Siqueira é o nome da diretora-adjunta da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (SEAPE-DF). Ela é a dona da voz ouvida no vídeo gravado pela Polícia Federal e que bateu todos os recordes de audiência nas redes sociais. Sempre com muita gentileza e educação, Rita de Cássia indaga em um certo momento: “que horas o senhor começou a fazer isso, seu Jair?”. A impressão que passa é de uma funcionária experiente, tranquila e muito preparada para desempenhar o seu papel. Para ela, o septuagenário sentado à sua frente não parece ser um ex-presidente da república condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar uma organização criminosa que tentou promover um golpe de Estado: “O senhor usou alguma coisa para queimar isso aqui?”, pergunta delicadamente.

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Também não se sabe se Rita de Cássia perdeu algum parente durante a pandemia de Covid-19, mas, naquele momento, ela não parecia estar preocupada com as 400 mil mortes de brasileiros que poderiam ter sido evitadas se o “senhorzinho da tornozeleira” tivesse um mínimo de espírito público. Crime pelo qual, aliás, ele talvez nem venha a ser julgado. Do áudio da Polícia Federal também não consta que a diretora-adjunta tenha lembrado ao ex-presidente que “bandido bom é bandido morto”, apesar deste ter sido o slogan que marcou toda a sua trajetória política. Rita estava só fazendo o seu trabalho: “O senhor tentou puxar a pulseira também?”.

Desde o último sábado, dia 22, o senhor Jair Messias Bolsonaro faz parte do enorme contingente de população carcerária do Brasil, a terceira maior do mundo. Com cerca de 700 mil pessoas, composta basicamente por homens (94,5%) e negros (70%). Como o sistema sofre com um enorme déficit de vagas, da ordem de 40%, a maior parte desses presos vive em condições sub-humanas. Infelizmente, desse grupo de presidiários, não são muitos os que receberam um tratamento minimamente humano como o que foi oferecido ao Sr. Jair na manhã de sábado. Muitos não tiveram nem a chance de serem julgados e, eventualmente, condenados. Foram vítimas de operações policiais desastradas como a que deixou 122 mortos no Rio de Janeiro.

Ao longo das suas campanhas eleitorais, Bolsonaro repetiu várias vezes que os “direitos humanos deveriam ser reservados, apenas, para os humanos direitos”. Um jogo de palavras que faz sucesso entre os seguidores. A servidora Rita de Cássia Gaio Siqueira mostrou que não é bem assim. Mesmo o maior assassino da história do Brasil pode e deve ser tratado com dignidade.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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