ODS 1
Quem deve reconstruir Gaza e por quê


Cessar-fogo costurado pelos Estados Unidos está perto de entrar em segunda fase. Israel irá pagar pela destruição imposta ao território palestino?


Estamos vivendo, no começo de dezembro de 2025, um tenso momento que pode definir o futuro não só do Oriente Médio, mas quiçá do planeta. Após dois anos de um sangrento genocídio cometido por Israel contra palestinos da Faixa de Gaza, uma nova tentativa de cessar-fogo está em vigor, em sua primeira fase. Estamos em momento crucial, pois a segunda fase do acordo deve se iniciar após todos os corpos dos prisioneiros de guerra israelenses serem devolvidos à Israel.
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Apenas um corpo continua desaparecido, após grandes esforços da Cruz Vermelha Internacional junto ao Hamas para recuperar os restos mortais dos soldados, o que foi dificultado por Israel até o último momento, pois este rejeitou diversas vezes a entrada de equipamento pesado para escavação.
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Veja o que já enviamosIsrael também devolveu corpos de prisioneiros palestinos – ou reféns, dado que muitos deles sequer tinham acusação formal, entre eles mulheres e crianças mantidos nas masmorras israelenses. Muitos desses corpos voltaram com marcas de torturas, inúmeros deles irreconhecíveis, queimados e até sem órgãos. Há vídeos das famílias palestinas reunidas pelo governo de Gaza vendo os corpos estraçalhados pela TV na tentativa de reconhecerem alguma característica do ente querido. Já foram devolvidos pelo menos 345 corpos de palestinos.
Cessar-fogo cita reconstrução de Gaza
Em novembro, uma reunião do Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução que endossa o plano de 20 pontos de Donald Trump que deu origem ao acordo de cessar-fogo de outubro assinado pelo governo de Gaza, Hamas, e pelo governo israelense.
O documento de outubro, apesar de assinado por ambas as partes, sofreu tentativas de modificação das duas, e os mediadores Estados Unidos, Catar, Egito e Turquia parecem bem flexíveis quanto ao seu cumprimento, afinal Israel violou o acordo, inclusive com diversos massacres, mais de 500 vezes em menos de 2 meses; o Hamas por sua parte não conseguiu entregar os corpos todos ao mesmo tempo (por razões óbvias – como a falta de equipamentos), e mesmo assim o frágil cessar-fogo continua. Na resolução agora aprovada também se fala sobre a reconstrução de Gaza, e é sobre isso que desejo refletir.
Israel deveria pagar pela reconstrução de Gaza após ter destruído quase 90% das casas, prédios, hospitais e pavimentação da Faixa. Sim, até as ruas e avenidas foram despavimentadas com suas escavadeiras da morte. (Oi, Hyundai! Oi, Volvo!) Mas até isso seria um perigo. É como pedir para um pai homicida pagar pensão, um risco constante. O pai pode simplesmente vir e matar o filho e a ex.
No caso dos israelenses, eles ficariam revoltados com os seu dinheiro indo para a Palestina, “imagina se tenho que pagar esse luxo para esses terroristas?”, alguns até parariam de pagar seus impostos ao governo. Eles diriam que o mundo obrigar Israel a fazer isso é puro “antissemitismo”.
Antissemitismo? Pois é, aquele velho truque, como admitiu a ex-ministra da educação israelense Shulamit Aloni. Devemos lembrar: quem decidiu que o “antissemitismo” era ter preconceito contra apenas um tipo de semita, o judeu? E nem entro no mérito dos exames de DNA que comprovam que muitos dos judeus vindos da Europa para Israel não tem origens semitas, mas daí a colocar apenas eles no guarda-chuva do termo, enquanto os palestinos e outros povos semitas enfrentam muito mais preconceitos, é demais.
E “terrorista” é um desses fantasmas, totalmente fabricado. Israel mesmo é totalmente antissemita com palestinos. E não importa se é uma criança, se é um bebê, consideram todos assim. Uma pesquisa publicada pelo jornal israelense Haaretz demonstrou que mais de 80% dos israelenses são a favor da expulsão todos os palestinos da Faixa de Gaza, enquanto outras mostraram números igualmente assustadores, com grande parte dos cidadãos de Israel sendo a favor da matança indiscriminada de civis palestinos e também do bloqueio total de comida no enclave (lavagem cerebral que vem desde a escola).


Apenas legítima defesa?
Imagina a cena na cabeça dos israelenses: “onde já se viu fazer nosso povo ser culpabilizado por milhares de palestinos mortos ou sequestrados em ataques das Forças de Israel a hospitais? Não temos culpa se o Hamas estava lá dentro. Alguns milhares de palestinos apenas, a maioria doentes, médicos, acompanhantes, feridos… Mas não importa, porque estamos afirmando que o Hamas estava ali. Foi para proteger as nossas vidas, então não temos culpa de nada”.
“Universidades explodiram e não existem mais? Não foi nossa culpa. O Hamas usava esses prédios, então tivemos que torná-los pó. O asfalto e pavimento das ruas e avenidas? Também é legítima defesa. Tivemos que destruir porque o Hamas se escondia embaixo do asfalto e os palestinos usavam essas vias para se movimentar! Onde já se viu palestinos poderem ir e vir?”.
“Hospitais como o Kamal Adwan? Tivemos que acabar com ele! Afinal o médico [Dr.Hussam Abu Safyia] que recusava abandonar seus pacientes e seu posto estava lá até o último momento, quando os tanques já atiravam e tropas invadiam o hospital. Onde já se viu tal audácia? Escolas onde famílias e crianças se abrigavam? Tivemos que bombardear. Temos o direito de demolir toda a infraestrutura e acabar com todas as cidades da Faixa de Gaza sim, vamos dar fim a eles porque eles querem acabar conosco, vamos matar todos os bebês porque são palestinos e nos odeiam”.
“Eles não tem motivo para nos odiar porque nós não fazemos nada além de nos defender. É assim que queremos paz, destruindo e matando por antecipação e paranóia, pois temos carta branca e impunidade para isso. Não vamos reconstruir nada e se nos obrigarem damos sinal verde para nosso governo recomeçar o que vocês chamam de genocídio em Gaza. Mas não é genocídio, isso é invenção antissemita!”.
Com delírios assim, imagine se os israelenses aceitariam reconstruir Gaza agora, após eles mesmos já terem se isolado do mundo e estarem com sua economia à beira do colapso total. Seria o justo, mas o que esperar no mundo real? Como evitar o perigo de que isso se viraria contra Gaza mais uma vez? Israel deve ser punido rigorosamente, isolado, a ocupação ilegal da Cisjordânia e Jerusalém oriental também devem acabar, Benjamin Netanyahu e seus comparsas devem ser presos (e seus cúmplices de outros países deveriam ir junto, como Biden e Trump), mas reconstruir Gaza é algo que outros países podem fazer, especialmente os árabes que nada de concreto fizeram pela Palestina.
Após a resolução 2803 ser aprovada no Conselho de Segurança da ONU, o trabalho recaiu sobre os países que participarão do “Conselho de Paz” (Board of Peace) de Trump, financiados principalmente pelo Banco Mundial. Claro que o correto, justo e ideal é que quem destruiu seja obrigado a construir tudo de novo. Mas que lei Israel respeitou? Quantos precedentes deixamos esse país abrir? Obrigá-los a enxergar seus próprios crimes os faria parar ou causaria ainda mais ódio e agressões? Lembre: jamais dar munição para maluco (ainda mais um maluco com bomba nuclear).
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Valéria Ferreira
Jornalista de São Luís, no Maranhão, Valéria Ferreira tem experiência em jornalismo de terceiro setor e em jornalismo digital. Seus interesses incluem cultura, sociedade, política e meio ambiente. Tem curso de cinema digital pelo LA Film Institute (SP). É também cantora e compositora.







































