PEC 241: danação ou salvação?

Protesto contra a PE. Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP

País corre o risco de ficar preso na 'armadilha da renda média' e de perder o restante da colheita do bônus demográfico

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 1 • Publicada em 1 de dezembro de 2016 - 08:51 • Atualizada em 2 de dezembro de 2016 - 11:06

Protesto contra a PE. Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP
Protesto contra a PE. Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP
Manifestantes vão às ruas contra a PEC 241, também conhecida como a “PEC da Maldade”. Foto de Yasuyoshi Chiba/ AFP

A Proposta de Emenda à Constituição 241 (renumerada 55 no Senado) é a salvação ou a danação do Brasil? Depende. Pode ser um e outro, ou ainda algo mais complexo. Vamos começar pelo lado da salvação. O diagnóstico que fundamenta a PEC 241/55 é o de que o teto dos gastos é uma medida amarga, mas necessária para evitar a trajetória explosiva da dívida pública. Argumenta-se que a Constituição de 1988 foi muito generosa com os direitos e pouco rigorosa com as obrigações. A votação final da PEC está marcada para o próximo dia 13, no Senado. Na última terça-feira, ela foi aprovada pela casa em primeiro turno em clima de protestos na Esplanada dos Ministérios.

Nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, entre 1998 e 2010, as despesas públicas primárias, em termos reais (descontada a inflação), cresceram 6,5% ao ano, bem acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu 3,2% ao ano. Evidentemente, essa trajetória é insustentável, pois nesse ritmo, um dia as despesas seriam maiores do que o PIB. Mas, com os ventos favoráveis do superciclo das commodities e o aumento da carga tributária, as receitas públicas cresceram 6,8% ao ano, entre 1998 e 2010. Portanto, a presença do Estado se agigantou, mas houve até redução relativa da dívida pública total.

Tragédia grega

A casa entrou em total desordem no governo Dilma Rousseff e seu vice Michel Temer. A despesa pública cresceu 5,65% ao ano, entre 2011 e 2014, mas as receitas aumentaram apenas 2,4% ao ano, numa situação em que o PIB crescia somente 2,2% ao ano. A dívida pública disparou. Todavia, esse desequilíbrio orçamentário piorou de vez em 2015 e 2016, quando houve redução das receitas, em um quadro de aumento das despesas e do aprofundamento da maior e mais profunda recessão dos últimos 100 anos da história brasileira.

Como consequência, o Brasil saiu de uma situação de superávit primário, no primeiro governo eleito Dilma/Temer, para déficit primário no segundo governo eleito Dilma/Temer. O déficit nominal (que inclui as despesas com juros da dívida) ultrapassou 10% do PIB, equivalente ao rombo de R$ 2 bilhões por dia útil. É uma situação próxima da recente tragédia grega.

A PEC 241/55, proposta pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (o mesmo que foi presidente do Banco Central nos 8 anos do governo Lula), visa controlar o crescimento das despesas, estabelecendo que o limite do crescimento do gasto será a inflação. Essa regra deverá ser válida por 20 anos, mas, no décimo ano de vigência da PEC, o Executivo pode propor projeto de lei complementar (PLC), podendo alterar a regra a partir do 11º ano. A PEC é meio, não fim.

Outra justificativa para o dispositivo constitucional de limitação das despesas decorre da necessidade de se controlar o apetite insaciável da população por mais recursos públicos e também para limitar a sanha voraz dos políticos, no sentido de fornecer benesses aos seus eleitores e familiares, com o dinheiro dos contribuintes

O controle dos gastos estatais abriria espaço para uma redução da taxa de juros, para uma maior presença da iniciativa privada e uma gestão mais eficiente da coisa pública. Com o teto, se evitaria um novo aumento da carga tributária e os gastos do governo poderiam cair como proporção do PIB, mas isso só ocorreria se a economia voltar a crescer sem depender do estímulo do déficit público.

Outra justificativa para o dispositivo constitucional de limitação das despesas decorre da necessidade de se controlar o apetite insaciável da população por mais recursos públicos e também para limitar a sanha voraz dos políticos, no sentido de fornecer benesses aos seus eleitores e familiares, com o dinheiro dos contribuintes.

Sem a PEC, os gastos públicos (Federal, Estadual e Municipal) continuarão subindo acima das receitas e o crescimento do PIB, provocando um aumento descontrolado da dívida pública. Os credores deixariam de financiar o governo inadimplente, que teria de recorrer à emissão inflacionária de moeda. Assim, a escolha seria entre a PEC ou a hiperinflação. Entre ser um país estável, ou repetir o caos da Venezuela e do Zimbábue.

PEC da maldade

Protesto contra a PEC na Esplanada dos Ministerios. Foto de Andre Sousa/ Agif/ AFP
Esplanada dos Ministérios vira palco de enfrentamento entre manifestantes e a polícia. Foto de Andre Sousa/ Agif/ AFP

Os críticos argumentam que o teto dos gastos da “PEC da maldade” vai aprofundar a recessão, reduzir o tamanho do Estado e desmontar o sistema de proteção social, provocando aumento da pobreza e da desigualdade social. A proposta rasga, segundo eles, a Constituição de 1988.

O reajuste pela inflação passada não impedirá o sucateamento da Saúde e da Educação, que deixarão de ter as garantias orçamentárias determinadas pela Carta Magna. O SUS terá dificuldade para manter o já precário padrão atual e deve ficar com menos médicos, menos leitos, menos remédios na Farmácia Popular.

O número de vagas nas universidades deverá ser reduzido, com a limitação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a redução das matrículas nas faculdades privadas. Não haverá como aumentar a qualidade do ensino fundamental. O Plano Nacional da Educação (PNE) será inexequível.

Não haverá dinheiro suficiente para a Benefício da Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/BPC) atender aos deficientes e idosos sem renda, que continuarão crescendo, devido à recessão e ao processo de envelhecendo populacional. Os gastos previdenciários terão que ser reduzidos.

A política de valorização do salário-mínimo, que prevaleceu antes da recessão, deixará de existir nas próximas duas décadas, afetando os trabalhadores da ativa e os aposentados. Outros programas sociais públicos, como os de inclusão de raça, gênero, etc., serão eliminados por falta de recursos.

Segundo os críticos, o Parlamento vai abdicar de sua função de definir o Orçamento pelos próximos 20 anos. Nota elaborada pela Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria Geral da República afirma que a PEC é inconstitucional, porque ofende a independência e a autonomia dos poderes Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público.

Além de tudo, a PEC não limita os gastos com juros, mas impede que a política fiscal seja anticíclica. Isto vai contra os ensinamentos de John M. Keynes, que afirmava que somente a elevação do gasto público é capaz de ser o indutor do crescimento e da retomada da atividade econômica, quando existe uma generalizada capacidade ociosa na economia. A conjuntura atual necessitaria de uma política fiscal expansionista e não contracionista.

Quem tem razão?

Temo que os dois lados, de certa forma, estejam certos. Sem a PEC, o país pode ficar insolvente e cair na hiperinflação. Com a PEC, o país pode entrar precocemente na fase da estagnação secular, ficando incapaz de resolver os graves problemas sociais do Brasil. Como diz o ditado: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

De fato, a situação é crítica, pois os problemas estruturais da economia brasileira não foram equacionados e tem se mantido baixa a relação custo versus benefício dos investimentos econômicos e sociais. É impossível manter gastos obesos em uma situação de produtividade anêmica. O país não pode gastar o que não tem.

O governo Dilma Rousseff deixou uma herança orçamentária catastrófica e jogou o Brasil na sua maior e mais profunda recessão em um século. Ela foi acusada de estatista e de irresponsabilidade fiscal. O governo Michel Temer não tem legitimidade e nem criatividade para tirar o país deste buraco. Ele tem sido acusado de neoliberal e de irresponsabilidade social.

Mas não há como negar que o desequilíbrio é grande e que a crise se estende aos Estados e municípios. O Rio de Janeiro, por exemplo, utilizou o discurso do pré-sal como sendo um “bilhete premiado”, servindo apenas para justificar os aumentos dos gastos com pessoal, com megaobras de utilidade questionável, com isenções fiscais e com muita corrupção. O governo do Estado do Rio gastou R$ 1,1 bilhão para reformar o Maracanã e, hoje, sua manutenção fica por R$ 1,7 milhão mensais, enquanto os restaurantes populares estão sendo fechados.

O resultado tem sido o crescente caos das contas públicas, que leva à austeridade forçada. Em diversas Unidades da Federação, a saúde, a educação e a segurança pública já estão em frangalhos, mesmo antes da regra do teto. Aliás, o que mais ameaça as políticas sociais é o processo de desindustrialização e de especialização regressiva da estrutura produtiva brasileira. O IBGE informa que a taxa de investimento ficou em 16,5% do PIB, no terceiro trimestre de 2016, nível mais baixo em décadas. Para agravar a situação atual, a operação Lava-Jato colocou parte do PIB brasileiro na prisão e a delação premiada da Odebrecht – maior empreiteira do país – deve aprofundar a crise.

Trapalhadas em Brasília

As notícias de Brasília não são boas. O Congresso desfigura o pacote de medidas anticorrupção e as trapalhadas na Esplanada dos Ministérios continuam derrubando ministros. O governo Michel Temer tem protagonizado novos escândalos e reproduzido velhos equívocos que o povo brasileiro tem acompanhado estupefato desde o início do “presidencialismo de coalizão” da época de José Sarney. Com o agravante que o Brasil caminha, nesse momento, para a segunda década perdida, pois as perspectivas de recuperação da economia estão cada vez mais distantes.

Assim, enquanto a paralisia econômica, a corrupção, a ineficiência, a disputa política, a violência e a polarização partidária galvanizam as atenções, a taxa de desocupação (11,8% no Brasil), no terceiro trimestre de 2016, subiu em todas as grandes regiões em relação ao mesmo período de 2015. Agora são mais de 12 milhões de pessoas procurando emprego, de acordo com a PNAD Contínua, do IBGE. A taxa composta da subutilização da força de trabalho (que agrega a taxa de desocupação, taxa de subocupação por insuficiência de horas e da força de trabalho potencial) ficou em 21,2%, representando 22,9 milhões de pessoas sem emprego adequado. Esse número é maior do que toda a força de trabalho da Espanha (18 milhões de ocupados e 4,7 milhões de desempregados).

O desperdício do potencial produtivo do capital humano pode ser mortal para o futuro do Brasil. O país está passando pelo seu melhor momento demográfico, pois nunca na história (passada ou futura) a razão de dependência demográfica atingiu nível tão baixo e nunca houve uma proporção tão alta de pessoas em idade ativa. Ou seja, estamos desperdiçando a melhor fase do bônus demográfico, que teve seu início na década de 1970 e tem o seu fim agendado para 2030, em função do envelhecimento populacional que vai elevar, continuamente, a razão de dependência.

Todo país desenvolvido e com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) viveu e aproveitou o bônus demográfico. Não há exceção. A colheita dos benefícios da janela de oportunidade demográfica é condição essencial para alcançar altos níveis de renda e de bem-estar.

Com PEC ou sem PEC, restam menos de 15 anos para o Brasil dar um salto no seu processo de desenvolvimento. Se essa crise econômica não for resolvida rapidamente e se o pleno emprego e o trabalho decente, aliado ao aumento da produtividade, não se tornar prioridade absoluta, o país vai ficar eternamente preso na chamada “armadilha da renda média” e não haverá futuro de ordem e progresso, como sonhado pelos positivistas da Proclamação da República.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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3 comentários “PEC 241: danação ou salvação?

  1. Lise disse:

    Ol[a. Gostaria de ouvir a opiniáo do articulista sobre o pagamento de juros da divida publica que consome cerca de 50% do orcamento da Uniao. Alem disso, nao foi mencionada a taxacao de grandes fortunas, heranças e lucros e dividendos. Sera que o governo nao poderia optar por esse medida antes de cortar o ja insuficiente orcamento da Saude e Educacao (interrogacao). (Desculpas, estou sem acentos graficos no teclado).

  2. José Eustáquio Alves disse:

    Olá Lise,
    O problema dos juros da dívida pública é realmente um problema fundamental. Como falei no artigo, o déficit nominal (que inclui as despesas com juros) já está em 10% do PIB e isto é uma situação crítica para toda a economia brasileira. Neste ritmo a dívida acumula 100% em 10 anos. Quanto maior é a dívida pública maior tende a ser a taxa de juros e aí uma coisa alimenta a outra, pois juros mais altos acelera a dívida. Para evitar um cenário explosivo é preciso criar um superávit primário elevado (como aconteceu entre 2003 e 2012) e isto significa controlar os gastos e aumentar as receitas. Esta é a encruzilhada que o Brasil está passando neste momento de recessão, pois se o governo corta gastos ele aprofunda a recessão, mas se ele aumenta os gastos ele aumenta a dívida e aí é obrigado a aumentar os juros, pois a taxa de poupança é baixa no Brasil. Se o governo perde a credibilidade e se torna insolvente, então o aumento dos juros só aumenta as dúvidas e eleva a incapacidade de financiamento da dívida. Neste cenário, a única alternativa é a emissão de moeda, o que gera inflação. Ou seja, sem capacidade de captar dinheiro para rolar a dívida o país vai para a hiperinflação. É assim no mundo todo, como foi assim na Alemanha na década de 1920 e que levou ao Nazismo.
    O outro problema é sobre a reforma fiscal. Realmente há várias coisas a se fazer para ter uma estrutura tributária mais justa e eficiente. Mas qualquer mudança tem que levar em conta que o Brasil já tem uma carga tributária muito elevada (34% do PIB) e o aumento de imposto também tende a agravar a recessão.
    Portanto, o quadro é grave e não existe solução fácil. Mas como falei no artigo, a questão central é conseguir rapidamente emprego decente para os 22,9 milhões de pessoas que estão desocupadas ou desalentadas. Ao mesmo tempo é preciso elevar a produtividade de todos os fatores produtivos. Sem isto não há perspectiva. Mas para conseguir o pleno emprego dos fatores de produção é preciso muita criatividade e legitimidade do governo e dos agentes econômicos. Aí entram as debilidades políticas do pais. A crise econômica leva à crise política e vice-versa.
    Está difícil desenrolar este novelo ou esta novela!!!!!!!!!!!!!
    Abs, JE

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