Transparência fiscal na marra

Notas de dólares e real

Burlar o fisco vai ficar mais difícil após assinatura de acordo multilateral

Por Carmen Nery | Artigo • Publicada em 11 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 12 de maio de 2016 - 20:20

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Acordo multilateral assinado por 94 países vai dificultar a evasão fiscal

A evasão fiscal está com seus dias contados. Até setembro próximo, deverá ser fechado um acordo multilateral que vai impor regras duras sobre o capital e levantar barreiras contra os mecanismos artificiais usados para burlar o fisco e pagar menos impostos. Transparência é à base do compromisso, que contará com o apoio de 94 países.

Este é o resultado final do Projeto Erosão de Base e Transferência de Lucros (BEPS, na sigla em inglês). As discussões foram conduzidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, em 2013, começou a discutir um novo desenho da arquitetura financeira internacional. As diretrizes de combate mundial à erosão da base tributável por meio da transferência artificial de lucros para países fiscais já foram divulgadas. Falta aprovar um acordo multilateral para que as novas regras entrem em vigor.

De acordo com o FMI, os países não desenvolvidos perdem três vezes mais em receitas tributárias, em virtude dos negócios transnacionais, do que os países desenvolvidos. Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) apontou que as atividades das empresas multinacionais resultam em perdas anuais de US$ 100 bilhões nos países não desenvolvidos, o que corresponde a 1/3 da base potencial do imposto de renda das pessoas jurídicas.

Maquiagem em grande estilo

O assunto veio à tona a partir de 2011, quando se descobriu por que empresas globais como Starbucks, Google e Amazon, apesar das operações altamente rentáveis, reportavam prejuízos. Era a evasão fiscal que ajudava a pincelar de vermelho os balanços transferindo os lucros por meio de empresas fictícias, holdings e offshores em países como Irlanda e Luxemburgo.

“Há distorções, sobretudo, em relação aos intangíveis. Na economia digital – que não pode mais ser dissociada da economia tradicional –, a questão da propriedade intelectual é relevante. Muitas vezes, a propriedade intelectual é desenvolvida em países como EUA e Alemanha – de alta tributação e onde os custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) são abatidos –, mas o produto final é transferido para Luxemburgo, onde há um regime especial. Assim, a receita é levada para o país de baixa tributação”, exemplifica Marcus Vinicius Vidal Pontes, superintendente da Secretaria da Receita Federal, representante do Brasil durante as discussões do BEPS.

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A ideia é tornar pública a engenharia tributária. Hoje numa fiscalização ou auditoria podemos acessá-la, mas o que estamos propondo é que a empresa se antecipe e faça o disclousure

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Há diversos mecanismos para se evitar o pagamento de impostos. O mais comum é abrir companhias fictícias em jurisdição de baixa tributação, como Cayman e Luxemburgo. O lucro obtido nos países de tributação mais altas é transferido para estes paraísos fiscais.

A empresa cria uma dedutibilidade no país onde as atividades foram realizadas, por estar contabilizando uma despesa com a empresa fictícia. Ao mesmo tempo, a companhia se beneficia da baixa tributação do país para onde foi transferido o lucro.

“Neste exemplo, a atividade de Cayman nunca foi exercida, pois era uma estrutura artificial, mas não ilegal, podendo ser, no máximo, imoral. O principal objetivo do BEPS é assegurar que os lucros sejam tributados na jurisdição correta onde foram gerados e coibir o deslocamento artificial para jurisdições de carga tributária mais favorável”, resume Luciana Nobrega Loureiro, especialista em Direito Tributário do escritório Trench, Rossi e Watanabe.

O BEPS fará com que as informações das atividades das empresas possam ser acessadas pelas autoridades de todas as jurisdições. Outros mecanismos de evasão fiscal, foco do BEPS, são o pagamento por serviços corporativos, como contabilidade, RH, tecnologia da informação. E também o preço de transferência praticado pelas multinacionais nas operações de exportação e importação entre suas subsidiárias– um valor normalmente abaixo do mercado. As empresas praticam um alto preço de transferência em países de baixa tributação e de baixo preço onde o tributo é maior.

“O objetivo é minimizar as oportunidades que as empresas têm de explorar as diferenças de tributação entre os países”, diz Mario Nascimento, sócio da área de consultoria tributária da Deloitte.

O Brasil participou ativamente da elaboração das diretrizes do BEPS, mas o país não é obrigado a implantar as ações, como ocorre com os países da OCDE. Ainda assim, a Receita tentou adotar, em 2015, uma das ações previstas no BEPS – a abertura do planejamento tributário das empresas, quando o governo criou a MP 685. O objetivo era obrigar as empresas a divulgar seu planejamento para a receita, mas a MP foi rejeitada no Congresso.

“Mas a transparência do planejamento tributário já é uma realidade em mais de dez países. Teremos de voltar ao tema, pois ele faz parte do compromisso do BEPS. A ideia é tornar pública a engenharia tributária. Hoje numa fiscalização ou auditoria podemos acessá-la, mas o que estamos propondo é que a empresa se antecipe e faça o disclousure”, diz o superintendente da Receita.

As recentes revelações dos Panamá Papers jogaram luz na cultura e prática das contas e offshore secretas. A OCDE tem liderado o esforço para pôr fim a essas práticas desde 2009, atuando com o G-20 por meio do Fórum Global para Transparência e Trocas de Informações, alertando os países para os riscos de jurisdições como o Panamá e suas práticas não conformes com as regras de transparência fiscal.

Carmen Nery

Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com pós-graduação em Comunicação Corporativa pela Cândido Mendes e MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC. Especializada na cobertura dos segmentos de tecnologia da informação, telecomunicações e inovação. Jornalista free lancer atualmente cobre diversos setores econômicos como infraestrutura, energia, portos e navios, mineração, siderurgia, construção, finanças e seguros.

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