Meninas africanas forçadas a casar

Crianças posam para a foto durante uma cerimônia de casamento em Burkina Faso

Percentual de crianças que casam precocemente chega a 75% em alguns países

Por The Conversation | Artigo • Publicada em 21 de março de 2016 - 08:09 • Atualizada em 21 de março de 2016 - 12:16

Crianças posam para a foto durante uma cerimônia de casamento em Burkina Faso
Crianças posam para a foto durante uma cerimônia de casamento em Burkina Faso
Crianças posam para a foto durante uma cerimônia de casamento em Burkina Faso

(Por Michael Addaney*) – Milhões de garotas africanas estão se tornando noivas todo ano. No Níger, cerca de 75% das meninas vão se tornar noivas-crianças antes de fazer 18 anos. No Chade e na República Centro-Africana, a percentagem é de 68%.

Alguns países, como a Etiópia, estão conseguindo algumas vitórias importantes na luta para proteger as meninas. Mas a prática continua alarmante e está crescendo. Num relatório de 2013, o Unicef advertiu:

 “Se não houver redução na prática do casamento de meninas, até 250 milhões delas correm risco de se tornar noivas até fazerem 18 anos. Devido ao crescimento da população, esse número se aproximará dos 320 milhões em 2050”.

Uma organização da sociedade civil na Etiópia teve sucesso em ampliar a frequência escolar de meninas e em retardar casamentos ao oferecer uma ovelha ou uma vaca aos pais que prometerem não empurrar suas filhas ao matrimônio precoce.

O mesmo relatório afirma que o crescimento populacional tornará inócuos os atuais avanços para reduzir o casamento de crianças. Eles podem ser detidos? A resposta, sugere pesquisa, está em ampliar o acesso das meninas à educação básica –  e alterar os currículos escolares de forma que tanto meninas quanto meninos aprendam que as mulheres podem contribuir decisivamente para a melhoria de suas sociedades, se não forem forçadas a se casar e serem “esquecidas”.

Países na África Subsaariana têm os menores níveis de matrícula escolar e de conclusão do curso. A situação é particularmente dramática para as meninas – elas são 55% das crianças da região fora da escola e 52% dos adolescentes na mesma situação. Um estudo do Banco Mundial, que explorou a ligação entre o casamento de crianças e a educação, concluiu que o casamento infantil e a gravidez precoce contribuem para 15% a 20% da evasão escolar na região.

Outra pesquisa sugeriu que qualquer menina que complete dez anos de educação escolar está seis vezes menos sujeita a ser empurrada ao casamento antes dos 18 anos que outra com menos tempo de escola. Quanto mais cedo uma garota for matriculada, menores são as chances de ela se tornar uma noiva-criança.

A educação é uma ferramenta dinâmica para a mudança. Ela tem poder para transformar a vida dos indivíduos e melhorar sua posição social.  Ela dá poder as meninas para entender e reclamar seus direitos – particularmente a uma educação mais aprofundada e a serem informadas sobre sua saúde reprodutiva.  Na melhor das hipóteses, a educação permitirá que as garotas façam escolhas e criem seu próprio futuro, em vez do imposto por suas famílias e comunidades.

Educar as meninas tem também um enorme impacto positivo em suas comunidades. Pode baixar a mortalidade materna, melhorar a saúde das crianças, reduzir a taxa de natalidade e ajudar as mulheres a achar empregos – o que impulsiona as economias.

Há duas razões pelas quais a educação, em muitas partes da África, não está mudando a vida das meninas.  A primeira diz respeito ao acesso; a segunda, aos currículos.

Muitas garotas não recebem o apoio familiar que precisam para iniciar, manter ou completar sua educação escolar. Isto ocorre em parte porque meninas simplesmente não têm o mesmo valor que meninos. Normas tradicionais em muitas sociedades africanas mostram que os pais encaram suas filhas como pouco mais que um fardo para os limitados recursos da família. Eles não investem em educação e aperfeiçoamento das filhas, preferindo entregá-las ao casamento precoce. Essa prática produz dotes e reduz despesas.

Mesmo se uma menina vai para a escola e recebe apoio da família, ela pode encontrar um currículo problemático. Exemplos, livros e textos descrevem uma sociedade na qual meninos e homens são curiosos, brilhantes, bravos, criativos e poderosos – enquanto garotas e mulheres são silenciosas, passivas e invisíveis. Meninas são apresentadas como pouco mais que “material de casamento” e sua educação se resume a torná-las boas esposas. Isto reforça a percepção de que “um bom casamento” é a maneira mais importante de promover e assegurar o bem-estar de uma garota na sociedade.

 Há uma série de boas notícias sobre taxas de casamento infantil vindas de Etiópia, Níger e Moçambique. Uma organização da sociedade civil na Etiópia teve sucesso em ampliar a frequência escolar de meninas e em retardar casamentos ao oferecer uma ovelha ou uma vaca aos pais que prometerem não empurrar suas filhas ao matrimônio precoce.  Outro fator positivo no país foi o fato de as autoridades terem procurado líderes comunitários para explicar o valor da educação das garotas.

Há outras alternativas. Por exemplo, as pessoas (a maioria mulheres) que conduzem campanhas para educação das meninas devem receber apoio nas áreas de liderança e treinamento técnico. A opção de escolaridade flexível deve ser apresentada às famílias. Ela permite que as garotas trabalhem e ganhem dinheiro sem deixar de lado inteiramente a escola.  Tais campanhas não devem ignorar as meninas que já são casadas. Elas podem ensinar outras meninas, seus maridos e seus parentes sobre modelos de educação flexíveis, não-formais.

Além disso, os governos africanos precisam adotar e pôr em prática mecanismos de proteção legal e social voltados para a educação das meninas. Alguma legislação existe, mas já é tempo de ser aplicada. Por exemplo, os governos devem respeitar o artigo 10 da Carta da União Africana, protocolo sobre direitos das mulheres, para assegurar que elas tenham dinheiro suficiente para a educação das meninas.

Governos, ativistas e organizações da sociedade civil também precisam começar a lidar com questões sociais como sexismo, patriarcado e a opressão da mulher no Continente africano.

(*) Pesquisador da Unidade de Planejamento e Qualidade da Universidade de Energia e Recursos Naturais, de Gana. Artigo original

(Tradução: Trajano de Moraes)

The Conversation

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