Diversidade como espetáculo

Quando o marketing fala mais alto do que a prática

Por Renato Vechiatto | ArtigoODS 10
Publicada em 8 de julho de 2025 - 08:51  -  Atualizada em 8 de julho de 2025 - 10:55
Tempo de leitura: 5 min

A 29ª Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo: em muitas empresas, a diversidade vira apenas espetáculo para ação de marketing (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil -22/06/2025)

Era junho, mês do orgulho LGBTQIA+, e o escritório amanheceu decorado com bandeiras coloridas, cupcakes temáticos no café da manhã e o logotipo da empresa temporariamente repaginado nas redes sociais — tudo, claro, devidamente misturado à temática da Festa Junina, a grande protagonista do mês. Um colaborador recém-contratado, animado ao ver a cena, se aproximou do time e comentou que gostaria de sugerir a criação de um grupo interno de apoio para funcionários LGBTQIA+. O que recebeu como resposta? Um sorriso constrangido, um “não é o melhor momento” e o silêncio que se seguiu até o fim do dia.

Essa cena, que poderia ser fictícia, é real em muitas empresas. Quando a diversidade vira espetáculo, o que sobra para quem vive a realidade da exclusão é, muitas vezes, a frustração.

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Celebrar datas, fazer campanhas, mostrar ao mundo que a organização se importa — tudo isso pode ter um valor simbólico e social importante. O problema está quando essa expressão pública não se conecta com a prática interna. Quando a bandeira hasteada na recepção não se traduz em políticas inclusivas, oportunidades reais e um ambiente seguro onde cada pessoa possa ser quem é sem medo.

E não são poucos os casos em que isso acontece. Nos últimos anos, muitas empresas transformaram a diversidade em um ativo de marca. A ideia de ser inclusivo passou a fazer parte da estratégia de reputação, do discurso para o investidor e da narrativa para o cliente. Mas quando o marketing fala mais alto do que a gestão, o resultado é o oposto do desejado: o tema perde força, a causa perde credibilidade e as pessoas perdem a confiança.

Dados recentes reforçam esse ponto. Relatório GLAAD/Ipsos revelou que o apoio a marcas que promovem a igualdade para pessoas LGBTQIA+ caiu significativamente em alguns mercados nos últimos anos, com destaque para o Brasil. Um sinal claro de que o público está mais atento, mais crítico e menos disposto a aceitar discursos vazios. E isso deve servir de alerta. Porque quando a inclusão vira palco para conquistar curtidas e aplausos fáceis, ela deixa de cumprir seu papel transformador e, pior, passa a gerar cinismo e desengajamento.

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Mas por que chegamos a esse ponto? Parte da resposta está na pressa em comunicar antes de estruturar. No desejo de parecer inclusivo antes de ser inclusivo. Na tentação de transformar causas urgentes em peças publicitárias, sem o trabalho árduo que a inclusão real exige. É mais fácil mudar o logo nas redes do que revisar processos seletivos enviesados. É mais simples produzir um vídeo emocionante do que preparar lideranças para gerir times diversos com competência e respeito.

O desafio é grande, mas o caminho é possível. E ele começa com uma mudança de postura: menos espetáculo, mais prática. Menos datas comemorativas
isoladas, mais políticas consistentes. O colaborador diverso não precisa de um show: ele precisa de um ambiente onde possa existir por inteiro. Onde sua voz tenha espaço. Onde suas ideias sejam ouvidas. Onde seu talento seja reconhecido sem filtros ou barreiras invisíveis.

É importante também que as empresas entendam: diversidade não é uma causa a ser politizada, nem bandeira para um lado ou outro de um debate público. Diversidade é uma responsabilidade ética. É um compromisso com a equidade, com o respeito ao outro e com o futuro. Quando tratada com verdade, a inclusão não divide: ela une. Porque em um mundo complexo como o nosso, só a pluralidade permite enxergar o todo, inovar de fato e construir soluções melhores.

E há dados que reforçam o lado estratégico disso tudo. Estudo da Boston Consulting Group mostra que empresas com lideranças mais diversas têm 19% mais receita vinda de inovação. Isso não é acaso. Equipes diversas desafiam o pensamento único, ampliam o repertório, aproximam a organização do mundo real. Isso só acontece, no entanto, quando a diversidade é vivida na prática, e não apenas usada como tema de campanha.

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Por isso, antes de lançar o próximo post nas redes sociais ou de planejar a próxima ação no calendário da diversidade, é fundamental olhar para dentro e se perguntar: o que estamos fazendo para que o nosso ambiente seja realmente inclusivo? Estamos oferecendo as mesmas oportunidades para todos? Estamos ouvindo de fato quem precisa ser ouvido? Estamos prontos para transformar a intenção em prática, o discurso em realidade?

A diversidade que transforma não é aquela que aparece no feed do LinkedIn. É a que aparece no dia a dia: nas reuniões em que todas as vozes têm espaço; nas promoções que valorizam o talento além do estereótipo; nas decisões que ampliam o acesso e o respeito.

Por trás de cada sigla, de cada bandeira, há pessoas. Pessoas que enfrentam desafios diários, que carregam histórias, que merecem ser vistas e acolhidas em sua inteireza. A diversidade que faz diferença não busca aplauso. Ela busca sentido. Ela constrói história. E ela começa no compromisso real de cada empresa, de cada líder, de cada um de nós.

Renato Vechiatto

Renato Vechiatto é diretor executivo de estratégia, planejamento e inovação da Smollan Brasil. Formado em Administração, Negócios e Marketing pela FGV, com pós graduação em Marketing e Comunicação pela Universidade Mackenzie, é especialista em desenvolvimento de lideranças e estratégias de alto impacto para marcas e escreve sobre cultura organizacional, diversidade, bem-estar e o futuro do trabalho

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