Se os anjos disserem amém, elas estarão nos cinco cargos mais poderosos do planeta em 2017. O line-up ainda precisa ser preenchido com o nome de duas das novas donas do poder global, mas são grandes as chances de um batonzinho no sorriso para a foto oficial pós-posse. Uma delas vai trabalhar em Nova York, no topo do mundo, em um escritório com uma espetacular vista para o Rio Hudson: o nome ainda é uma incógnita, porém nove entre dez diplomatas apostam que uma mulher assumirá, pela primeira vez, o cargo de secretário-geral da ONU. A segunda, claro, é Hillary Clinton, depois da superterça, mais favorita do que nunca a sentar-se à mesa do Salão Oval da Casa Branca. Quem são as outras três? A comandante em chefe da Europa, chanceler alemã Angela Merkel, a xerife da economia mundial Christine Lagarde, diretora do FMI, e o oráculo das finanças planetárias, Janet Yelen, presidente do Banco Central dos EUA.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”center” size=”s” style=”solid” template=”01″]Passaram-se exatos 50 anos desde que foi lançada em 1966 a National Organization for Woman ( Organização Nacional das Mulheres), a antecessora do Woman’s Liberation Front, ambos impulsionados por uma perguntinha básica: “É só isso?” Estas palavras eram a abertura da “Mística feminina” – o livro de Betty Friedan – transformado em estopim da segunda onda feminista.
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Veja o que já enviamosFaz diferença mulheres no poder? Sexo não é gênero, este sim uma construção cultural. Os gregos, ao enfrentarem sucessivas renegociações da dívida com os credores europeus, não se sentiram mais reconfortados por terem como interlocutores uma esguia francesa ou uma pesadona chanceler loura. Nos Estados Unidos, as jovens estão indignadas com a cobrança do voto em Hillary em nome de uma solidariedade feminina. “Não voto com a minha vagina”, provocou Susan Sarandon, a atriz ainda bonitona na terceira idade.
Têm razão. Passaram-se exatos 50 anos desde que foi lançada em 1966 a National Organization for Woman ( Organização Nacional das Mulheres), a antecessora do Woman’s Liberation Front, ambos impulsionados por uma perguntinha básica: “É só isso?” Estas palavras eram a abertura da “Mística feminina” – o livro de Betty Friedan – transformado em estopim da segunda onda feminista. A “mística” era o jeito de classificar a mulher por sua relação com o homem como “esposa”, mãe e dona de casa. Naquela época, o universo do trabalho ainda parecia com a agência de publicidade de “Mad Men”: homens no comando, mulheres para servi-los enquanto não aparecia marido. Nas casas com jardins, todas novinhas e iguais, ficavam as jovens recém-formadas, cuidando das crianças e à espera – às vezes em vão – dos homens para o jantar.
Quando escreveu o livro, Friedan também era uma dona de casa de subúrbio, ganhando centavos por artigos mandados às revistas femininas. Nenhuma das editoras se interessou por sua reportagem sobre a insatisfação das mulheres com a vida restrita a casa, filhos e marido, uma aflição que ela chamou do “problema que não tem nome”. Estas ideias não combinavam com a imagem do “feminino” vendido nas bancas de jornal mas fizeram as mulheres repetirem a pergunta de Friedan: “É só isso?” A resposta de milhões delas foi “não”, e isso marcou o início dessa fantástica transformação social ainda desenrolando-se.
“Só falta mulher papa”, reclama alguém. “O fim do homem”, descretou uma scholar num livro que fez sucesso nos EUA há uns dois anos.
Menos. O mundo não virou um matriarcado, a fila andou mas ainda está longuíssima. Para ficar só no mundo do trabalho, a cada dois homens formados nas universidades americanas, três mulheres receberão o mesmo diploma, mas nas empresas ainda ganham 75% do salário pago aos colegas do sexo oposto e elas são só 4% das CEOs nas empresas listadas pela “Forbes”.
“Precisamos destruir as barreiras”, repetiu dezenas de vezes Hillary, após vencer oito das onze primárias democratas na superterça.
Ela quer o apoio das mulheres para quebrar o mais alto teto de vidro, aquele que limita a ascensão profissional de nós todas. Por um quarto de século, Hillary esteve nas antessalas do poder: foi primeira-dama nos anos dourados e prósperos de Bill Clinton, estava na “situation room” vendo o filme da morte de Bin Laden ao lado de Obama, deu o sim sobre a participação dos EUA na intervenção na Líbia para derrubar o ditador Kadafi, causando ainda mais instabilidade no Oriente Médio. Contas feitas, sempre esteve no papel de coadjuvante. mas jamais desistiu de chegar lá.
O currículo mais atrapalha do que ajuda. Pesquisa recente da Quinnipiac University mostra que 56% têm opinião desfavorável da ex-secretária de Estado, os jovens bandearam-se ruidosamente para a campanha de Bernie Sanders, ambicionando transformar o velhinho socialista no segundo Obama na vida de Hillary, aquele outsider que chega tirando todos os outros do caminho. Ela resistiu, fez de conta que não ouviu as ofensas, movida pela ambição e por um sentido de missão a cumprir. Está muito perto de ser a primeira mulher nomeada para disputar a presidência dos EUA e será ajudada pelo voto útil defendido por republicanos e democratas para barrar Donald Trump. Mas terá de lidar com a raiva e o desgosto dos americanos – os eleitores tanto de Sanders quanto de Trump – com a elite política da qual ela faz parte .
Essas cinco mulheres superpoderosas, todas elas, fizeram ou farão história ao assumirem pela primeira vez cargos tradicionalmente ocupados por homens. Mas chegar lá só não basta, ainda precisam fazer diferença, ajudar a construir um mundo melhor. E uma perguntinha que não quer calar: por que o poder só rejuvenesce os homens?
[/g1_quote]Este mesmo sentimento antiestablishment talvez ajude outra mulher a quebrar o último teto de vidro na política internacional. “É moralmente indesculpável permitir que o processo de escolha do secretário-geral da ONU continue como sempre foi”, diz a ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson.
Mais secreta do que a eleição do papa, a disputa do cargo de diplomata-chefe acontece, há 70 anos, a portas fechadas, no Conselho de Segurança, onde só têm direito a voz os cinco representantes das grandes potências – os membros permanentes – e os coadjuvantes da vez (os países que se revezam no centro do poder da instituição). Num grande ato teatral, o “eleito” é referendado naquele magnífico espaço da Assembleia-Geral.
Só que, sob pressão, a ONU pela primeira vez mandou uma carta aos membros pedindo nomes para o cargo de secretário-geral. Seis já foram lançados, dos quais três mulheres da Europa do Leste, a região do mundo de onde jamais saiu um secretário-geral. Pelo calendário oficial, eles apresentarão publicamente seus planos em abril, e até setembro o processo de escolha estará terminado, dando tempo à eleita de se preparar para assumir em 1º janeiro de 2017.
Jogo de cena ou tocou a real? Ainda não se sabe. Nos bastidores, rola uma campanha feroz, com candidatos viajando pelo mundo para costurar alianças, dinheiro rolando, marqueteiros contratados. Angela Merkel, fortalecida por sua atuação humanitária na crise dos refugiados, vem sendo considerada por muitos como o nome perfeito para restaurar o prestígio abaladíssimo da ONU mas talvez seja forte demais para o gosto dos chefes de estado. Vários nomes de latino-americanas circulam também, da ministra das relações exteriores da Argentina – Susana Malcorra – à presidente da Cepal –Alicia Barcenas. O Brasil, até agora mudo, tem sido o destino de candidatas em busca de apoio.
Essas cinco mulheres superpoderosas, todas elas, fizeram ou farão história ao assumirem pela primeira vez cargos tradicionalmente ocupados por homens. Mas chegar lá só não basta, ainda precisam fazer diferença, ajudar a construir um mundo melhor. E uma perguntinha que não quer calar: por que o poder só rejuvenesce os homens?
Uma mulher que talvez pudesse ocupar o cargo na ONU é Rebeca Grynspan, que já foi secretária-adjunta e hoje comanda a Secretaria Geral Ibero-Americana.